Capítulo 18

 TUDO CERTO, ALTEZA, QUANDO ESTIVER PRONTA.
A maquiadora conferiu tudo uma última vez. Corrigi minha postura e repassei os nomes mentalmente. Ao meu sinal, as luzes foram acesas e as câmeras, acionadas. Estávamos filmando.
— Vocês assistiram a festa extravagante, ouviram falar da comida deliciosa e viram trajes de tirar o fôlego. Mas quem acham que deve ser eliminado? Sim, o Sr. Kile pareceu bem pouco masculino com a minha tiara e o Sr. Hale quase me deixou no chão… no mau sentido — acrescentei com um sorriso. — Mas, depois de muito refletir, decidi que os dois Selecionados que nos deixarão hoje são Kesley Timber, de Whites, e Holden Messenger, de Bankston.
Fiz uma pausa antes de encerrar:
— Como o seu favorito está se saindo? Você morre de vontade de saber mais sobre os outros concorrentes? Está louco por mais notícias da Seleção? Então sintonize no Jornal Oficial toda sexta-feira à noite para conhecer as novidades e os Selecionados em pessoa. E não se esqueça de assistir aos programas especiais dedicados à Seleção, todos exclusivos do canal da rede pública.
Sustentei o sorriso por mais uns segundos.
— Corta! — gritou o diretor. — Excelente. Pareceu perfeito para mim, mas vamos fazer outro por segurança.
— Claro. Quando vai ao ar?
— Vão editar toda a filmagem da festa à tarde e levar ao ar amanhã. Assim, seu vídeo deve sair na segunda.
— Ótimo — comentei. — Mais uma vez?
— Sim, Alteza, se não for incomodá-la.
Engoli em seco e repassei a fala de novo antes de me endireitar e assumir exatamente a mesma pose de antes.


Às nove e dez, ouvi a batida na porta e pulei para abrir. Lá estava Kile, apoiado no batente com a tiara na mão.
— Ouvi dizer que você perdeu isso.
— Entra aí, trouxa.
Ele adentrou o quarto e olhou em volta, como se eu redecorasse o ambiente todos os dias.
— E então? Já vou ser eliminado?
Abri um sorriso.
— Não. Kesley e Holden vão. Mas não deixe vazar a informação. Não posso mandá-los embora antes que a festa no jardim seja transmitida.
— Sem problemas. Nenhum dos dois fala comigo mesmo.
— Não? — perguntei ao pegar a tiara.
— Ouvi dizer que eles achavam injusto eu fazer parte da Seleção. E quando viram nosso beijo estampado em toda parte, tiveram certeza.
Guardei a tiara na estante junto com as outras.
— Então eu fiz uma boa escolha, não é?
Kile riu.
— Ah, trouxe outro presente.
— Adoro presentes!
— Este você vai odiar, acredite.
Ele enfiou a mão no bolso e tirou aquela gravata desastrosa.
— Imaginei que, quando tiver um dia ruim, poderá levá-la ao jardim e queimar. Descontar sua agressividade em algo que não vai chorar. Ao contrário de Leeland.
— A minha intenção não era fazer Leeland chorar.
— Claro que não.
Com um sorriso, peguei o tecido enrolado das mãos dele.
— Na verdade, gostei do presente. Garante que nenhum ser humano jamais será obrigado a vê-la novamente.
Olhar para ele, para seu sorriso, me fez esquecer de tudo por um instante. Parecia que a Seleção não estava acontecendo. Eu era uma garota, e ele, um garoto. E eu sabia exatamente o que queria fazer com ele.
Soltei a gravata no chão e levei a mão ao seu peito.
— Kile Woodwork, quer me beijar?
Ele soltou um assovio.
— Você não é nem um pouco tímida, hein?
— Pare. Sim ou não?
Ele mordeu os lábios, fingindo pensar sobre o assunto.
— Acho que não me importaria.
— E você entende que esse beijo não significa nada e que nunca, jamais casaria com você?
— Ainda bem.
— Resposta certa.
Enrosquei a mão no pescoço dele e o puxei para perto de mim. Um segundo depois, seus braços já estavam na minha cintura. Era o bálsamo perfeito para o fim de um longo dia. O jeito que ele beijava era direto e lento, e não me deixava pensar em muita coisa.
Caímos na cama e rimos abraçados.
— De todas as coisas que imaginei que aconteceriam quando você leu meu nome naquele dia, te beijar definitivamente não era uma delas.
— E eu definitivamente nunca imaginei que você seria bom nisso.
— Ei — ele protestou. — Tenho um pouco de prática.
Apoiei a cabeça no braço e perguntei:
— Quem foi a última pessoa que você beijou?
— Caterina, quando a família italiana veio visitar o palácio em agosto, pouco antes de eu viajar.
— Isso não me surpreende nem um pouco.
Kile deu de ombros, sem sentir qualquer vergonha.
— O que posso dizer? Elas são muito amistosas.
— Amistosas — repeti com cara de tédio. — Acho que chamaria de outra coisa.
Ele achou graça.
— E você?
— Pergunte para Ahren. Parece que todo mundo já sabe.
— Leron Troyes?
— Como você descobriu?
Continuamos lá, chorando de tanto rir. Eu brincava com o botão da camisa dele, e ele encaracolava uma mecha do meu cabelo entre um beijo e outro. O mundo parecia reduzido a nós dois.
— Nunca tinha visto você assim — ele comentou. — Não sabia que era tão fácil fazê-la sorrir.
— Não é. Você deve estar afiado hoje.
Kile passou o braço pela minha cintura; seu rosto estava a centímetros do meu.
— Como se sente? Sei que esses dias devem estar sendo loucos para você.
— Não faça isso — sussurrei.
— O quê?
— Não estrague o momento. Gosto de ficar aqui com você, mas não preciso de uma alma gêmea. Você pode ficar calado e voltar a me beijar ou sair.
Ele deitou na cama e permaneceu calado por alguns instantes.
— Desculpe. Só queria conversar.
— E pode. Mas não sobre você, não sobre mim, e definitivamente não sobre nós dois juntos.
— Mas você parece tão sozinha. Como consegue lidar com tudo isso?
Bufando, levantei e o puxei em seguida.
— Se quiser conselhos, procuro meus pais. Se quiser um ombro amigo, tenho Ahren. Você estava ajudando até agora, mas tinha que começar a fazer perguntas?
Comecei a empurrá-lo até a porta.
— Você tem noção de como guardar tudo faz mal? — ele perguntou.
— E você por acaso é algum modelo de comportamento? Não consegue nem escapar da barra da saia da sua mãe.
Kile se virou para mim e cravou os olhos nos meus. Com certeza, a raiva em seu rosto estava refletida no meu. Esperei de novo as palavras duras que ele me dirigia milhares de vezes durante a infância. Mas não. Seu olhar se suavizou e, antes que eu me dessa conta, a mão dele já estava na base do meu pescoço e me puxava.
Ele encostou os lábios nos meus. Ao mesmo tempo, odiei e adorei essa atitude. Só consegui pensar no modo como sua boca se movia e como eu parecia tão frágil em suas mãos. O fogo do início foi diminuindo, até que o beijo ficou tão suave que fazia cócegas.
Quando Kile finalmente recuou, manteve os dedos perto do meu cabelo, para provocar, e acariciou minha pele como se não fosse nada.
— Você é tão mimada, tão desagradável… mas estou aqui para o que precisar.
Com um último beijo, ele abriu a porta e saiu.
Olhei ao redor do quarto, tonta e confusa. Por que ele queria que eu me abrisse, se claramente não me suportava? E eu também não gostava dele! Às vezes, ele conseguia ser tão irritante quanto Josie.
Fui até o closet para me aprontar para dormir e encontrei sua gravata feia no chão. Eu lhe faria um favor se a jogasse fora naquele momento.
Talvez a queimasse na próxima vez em que tivesse um dia particularmente difícil. Por enquanto, a guardaria na minha gaveta.


Minha cabeça estava uma bagunça na manhã seguinte. Não parava de me perguntar qual era o objetivo de Kile na noite anterior. E não conseguia parar de pensar que sentira a mesma coisa quando Hale começou a perguntar demais. Os dois eram muito diferentes e me conheciam de maneiras bastante distintas, mas, mesmo assim, ambos descobriram um jeito de me fazer recuar. Por acaso todos os garotos seriam assim? Será que todos sabiam fazer isso?
— Neena? — chamei enquanto passava a escova no cabelo na tentativa de domá-lo.
Ela apareceu atrás de mim no banheiro ainda repleto de vapor, recolhendo o pijama que eu havia deixado no chão.
— Sim, Alteza? — ela falou, me lançando um olhar através do espelho.
— Tenho a impressão de que faz tempo que não falamos do seu namorado. Qual é nome dele mesmo?
— Mark — ela disse, esboçando um sorriso. — Por que pergunta?
— Estou cercada por um milhão de rapazes. Queria saber como é ter que lidar apenas com um.
Ela balançou a cabeça.
— Um homem bem amarrado é uma maravilha. — A felicidade dela ao dizer isso era tamanha que abri um sorriso também. — Ele está muito bem. Finalmente entrou na universidade e está estudando bastante. Nos falamos uma ou duas vezes por semana. Não é muito, mas temos agendas bem lotadas.
— Eu realmente preciso de supervisão permanente — comentei, piscando para ela.
— Eu que o diga.
— Ele não se incomoda? Por você estar sempre longe e ocupada?
Ela dobrou as roupas no braço.
— Não. O curso dele é bem trabalhoso, então isso está até ajudando agora.
Inclinei a cabeça e continuei a ajeitar os cabelos.
— Interessante. O que ele estuda?
— Química.
Arregalei os olhos.
— Sério? Que diferença entre as profissões de vocês.
Neena fechou a cara.
— O sistema de castas não existe mais, Alteza. As pessoas podem namorar quem quiserem.
Tirei os olhos do espelho e me voltei para ela.
— Não foi isso que quis dizer. É que me intriga a dinâmica entre vocês dois. Você está com a minha roupa suja nos braços, e ele pode descobrir o remédio para uma doença. São dois papéis bem distintos no mundo.
Neena engoliu em seco e soltou tudo no chão.
— Não lavarei sua roupa para sempre. Fiz uma escolha ao vir para cá, e posso sair quando quiser.
— Neena!
— Não estou me sentindo bem — ela disse do nada. — Vou chamar outra pessoa para ajudá-la.
Ela saiu sem nem fazer uma reverência.
— Neena, eu só estava comentando!
A porta bateu e vi que ela tinha ido embora. Fiquei chocada por Neena ter saído daquele jeito, sem nem pedir permissão. Não era minha intenção ofender. Só estava curiosa, e aquela observação não era nada de mais perto das coisas sobre as quais eu realmente queria conversar.
Terminei o cabelo e a maquiagem sozinha. Quando a criada substituta apareceu, a dispensei. Mau humor não era motivo para Neena abandonar o trabalho. Eu podia me cuidar, e no dia seguinte ela arrumaria o quarto.
Peguei as fichas de inscrição dos garotos que ainda restavam na Seleção. Gostando disso ou não, eu sabia o que as pessoas esperavam de mim. Tudo o que eu precisava era criar situações que mantivessem as coisas o mais superficiais possível.
Ean com certeza era cativante, mas tanto carisma era quase insuportável. Não sabia se estava pronta para passar um tempo a sós com ele. Edwin era inofensivo o bastante. Puxei o formulário de Apsel e dei uma olhada. Nada de extraordinário. Fiquei tentada a mandá-lo embora por ser tão sem graça, mas, depois da reação do público à primeira eliminação, não seria nada bom. A ficha de Kile era a próxima, mas ele estava banido no momento. Winslow era – eu detestava dizer isso – bem pouco atraente. Quanto mais eu olhava pra ele, mais claro ficava. Eu achava que não tinha um tipo ideal, mas Winslow me fez pensar se eu não teria um “tipo não ideal”. Ivan… não era ele que cheirava vagamente a cloro?
Quase no fundo da pilha, a fotografia de Jack Ranger me saltou aos olhos. Eu o flagrara olhando para mim algumas vezes durante a festa, mas não conversamos. Supus que era um sinal de que ele ainda estava intimidado o bastante para que eu pudesse passar a noite com ele sem ficar com a sensação desagradável que os outros tinham provocado.
Escrevi um bilhete para convidá-lo a assistir a um filme comigo naquela noite. Era um encontro bem fácil. Nada de conversa desnecessária. Eu pediria para um mordomo entregar o bilhete assim que Jack se reunisse aos outros. Meu plano era sempre anunciar os encontros por carta ou chamar os garotos para fora do Salão dos Homens e fazer convite. Isso deixaria as coisas mais interessantes.
Tomei o café rapidamente, pronta para trabalhar. Examinar aquele sem-fim de requisições, orçamentos e propostas não era minha atividade favorita, mas me mantinha ocupada. Minhas noites e finais de semana pelos três meses seguintes pertenceriam aos garotos, mas eu tinha trabalho para fazer no resto do tempo.


— Eadlyn, querida — meu pai disse na pausa para o chá. — Não tive a oportunidade de dizer a você, mas considerei a festa no jardim um sucesso. Vi algumas reportagens nos jornais hoje de manhã, e a cobertura foi muito boa.
— Também dei uma olhada. Li um pouco no caderno especial. Tudo parecia muito bem feito — concordei enquanto alongava o corpo, dolorido por ter ficado tanto tempo sentada.
Meu pai abriu um sorriso.
— Acho que você deveria fazer outro evento assim logo. Algo com o grupo todo que as pessoas possam ver.
— Com uma eliminação no final?
— Se acha que isso vai ajudar.
Caminhei até a mesa dele e me servi de chá.
— Acho que ajuda. As pessoas ficam mais interessadas se os favoritos delas estiverem correndo risco.
Meu pai pensou por um momento.
— Interessante. Alguma ideia de como organizar isso?
— Não, mas pensei o seguinte: já que teoricamente estamos à procura de um príncipe, talvez fosse bom testar os garotos em coisas que um príncipe precisa saber. História ou política. Podemos deixar a coisa divertida, com um jogo de perguntas e respostas, algo assim.
Meu pai riu.
— O público ia ficar fissurado.
Dei um gole no chá.
— Viu? Tenho ótimas ideias. Não preciso de um príncipe.
— Eadlyn, você poderia governar o mundo sozinha, se precisasse. Essa não é a questão — meu pai disse, ainda rindo.
— Veremos.

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