Capítulo 28

NO CAFÉ DA MANHÃ, várias coisas me chamaram a atenção. Primeiro: Henri tentando atualizar Erik sobre os acontecimentos da noite anterior. Os olhos de Erik iam de mim para Henri, a quem ele parecia tentar acalmar. Pensei que certamente Henri ficaria exultante por ter sido o segundo Selecionado a receber um beijo. Em vez disso, ficou frenético.
Diante de Henri, o olhar confuso de Kile acompanhava a conversa dos dois, apesar de ele claramente não conhecer palavras suficientes para compreender nem uma fração da conversa. Ele levava a comida à boca devagar, sem se intrometer.
Também notei que Baden tentava atrair minha atenção. Ele me deu um breve aceno e esticou a cabeça na direção da porta. Movi os lábios dizendo “depois” e fiz o máximo para não me irritar com sua nova quebra de protocolo.
Mas o pior de tudo eram meus pais, que me olhavam furtivamente, tentando averiguar o quanto eu sabia sobre as rebeliões.
Limpei a garganta.
— E então? Me saí bem ontem?
Meu pai finalmente esboçou um sorriso.
— Fiquei impressionado, Eadlyn. Depois de uma semana tão cansativa você conseguiu ser incrivelmente articulada. Quando Henri foi até o palco e você foi generosa com ele… que coisa maravilhosa de se ver. Fico feliz por saber que talvez alguns deles estejam… mexendo com você. Isso me dá esperança.
— Bom, vamos ver como as coisas avançam — desconversei. — Mas prometi três meses, e acho que vou precisar de no mínimo esse tempo para resolver a questão.
— Sei exatamente o que você quer dizer — ele disse, como se milhares de lembranças voltassem à sua cabeça. — Obrigado.
— De nada.
Observei seu sorriso doce e saudoso. Pude ver como aquilo era importante para ele.
— Você ficaria decepcionado se eu chegasse ao final e não escolhesse ninguém? — perguntei.
— Não, querida. Eu não ficaria decepcionado — ele quase não deu ênfase ao pronome, mas foi o suficiente para me suscitar uma preocupação repentina.
O que significaria, para mim, chegar ao final da Seleção e continuar solteira? Se já não estávamos lidando apenas com a confusão pós-castas mas sim tentando sufocar uma rebelião iminente, três meses não bastariam para resolver a questão. Na verdade, duas semanas já haviam se passado em um piscar de olhos.
Não seria o bastante.
Então compreendi por que eles queriam esconder qualquer sinal de conflito de mim: se eu pensasse que a Seleção não adiantaria nada, corria o risco de desistir. E, se eu desistisse, não haveria mais o que fazer.
— Não se preocupe, pai — eu disse, pondo minha mão sobre a dele. — Vai ficar tudo bem.
Ele pôs a outra sobre a minha e respondeu:
— Tenho certeza que sim, meu amor.
Depois de uma pausa, ele deu um gole no café e anunciou:
— Queria lhe dizer que terminamos de analisar o histórico dos garotos. Se tivéssemos dados uns telefonemas antes, saberíamos que Burke tinha problemas para controlar a raiva e que uma garota da escola de Jack o denunciou uma vez por conduta inadequada. Também descobrimos que Ean passa a maior parte do tempo sozinho. Não acho que isso seja motivo para mandá-lo embora, mas devemos ficar de olho nele.
— Na verdade, Ean foi bem generoso comigo.
— Ah é?
— Sim. Mas notei que é meio solitário. Não sei o motivo, porém. Ele é bom de conversa.
Meu pai bebeu mais um pouco do café e observou Ean.
— Estranho.
— Mais alguém com quem eu deva me preocupar? — perguntei para desviar o foco de Ean. Isolado não queria dizer problemático.
— Um dos rapazes teve notas ruins na escola, mas isso não é motivo para fazer escândalo.
— Muito bem então. O pior já passou — disse, tentando parecer animada.
— Espero que sim. Vou providenciar uma equipe especial para continuar a investigação. Não fui tão cuidadoso como deveria. Sinto muito — meu pai admitiu.
— Mas veja o lado bom: posso ter encontros de verdade para contar na próxima sexta.
Meu pai riu.
— Verdade. Então talvez valha a pena dar uma chance para alguém com quem você ainda não tenha conversado. Garanto: é realmente possível encontrar-se com cada um deles.
Corri os olhos pela massa de garotos.
— Talvez eu não vá para o escritório esta semana.
Ele balançou a cabeça.
— Sem problemas. Conheça-os. Ainda estou torcendo para encontrar alguém, apesar de parte de você achar que isso não faz sentido.
— Devo lembrar que a sua meta não era essa ao propor a Seleção.
— Mesmo assim.
— Há tantos rapazes. Algum lhe desagrada?
Meu pai fez uma careta de concentração antes de responder:
— Para ser sincero… — Ele percorreu o rosto de cada garoto, até encontrar um em particular. — Aquele ali. Camisa verde.
— Cabelo preto?
— Sim.
— É Julian. Qual o problema dele?
— Pode parecer trivial, mas, quando você elogiou os outros no Jornal Oficial, ele não sorriu nem aplaudiu. Não é uma boa atitude. Se não suporta ficar à sombra deles por um tempo, como vai aguentar ser a sua sombra pelo resto da vida?
Todo o tempo que eu passara imaginando se meu pai me considerava uma líder: desperdício total. É claro que ele me via como uma líder.
— E isso também pode parecer trivial, mas acho que vocês não teriam filhos bonitos.
— Pai! — gritei, o que causou certo alvoroço. Enterrei o rosto nas mãos, enquanto meu pai levava as mãos à barriga de tanto rir.
— Só estou dizendo!
— Muito bem. Estou de saída. Obrigada pela dica.
Praticamente voei pelo corredor, embora tenha cuidado para que meu ritmo fosse apenas um pouco mais rápido do que o esperado de uma dama. Assim que me vi sozinha, corri com tudo para o quarto. Lá, repassei as fichas remanescentes à procura de algo capaz de tornar uma pessoa mais animadora que a outra.
Pausei na foto de Julian. Meu pai tinha razão. Não importava como combinássemos: o nariz dele com os meus olhos, a minha boca com as bochechas dele – cada uma das variações me parecia de fato horrível.
Não que isso fosse importante.
Eu o mandaria para casa em breve, mas só depois que mais alguns encontros dessem errado e ele tivesse companhia. As eliminações individuais tiveram resultados péssimos. Naquele momento, eu precisava de um plano. Dez encontros: essa seria minha meta antes de enfrentar o próximo Jornal Oficial. E pelo menos três precisavam sair nos jornais. Como eu faria para que todos parecessem magníficos?


Minha mãe estava no Salão das Mulheres com madame Lucy e uma prefeita. Não havia muitas mulheres nesse tipo de cargo, então eu sabia seus nomes de cor. A que visitava nossa casa naquele dia era Milla Warren, de Calgary. Não era minha intenção transformar aquilo em uma visita formal, mas já não tinha escolha.
Fiz uma reverência à minha mãe e à sua visitante.
— Alteza! — a Sra. Warren cantarolou ao levantar e se curvar. — É um prazer vê-la, ainda mais nesse período tão emocionante!
— Também estamos muito felizes em vê-la, senhora. Por favor, sente-se.
— Como está, Eadlyn? — minha mãe quis saber.
— Bem. Tenho algumas perguntas para lhe fazer mais tarde — emendei discretamente.
— Sem dúvida vão falar um pouco sobre os garotos, hein? — a Sra. Warren perguntou, piscando.
Minha mãe e madame Lucy fizeram o favor de rir com ela, mas ainda que eu tenha sorrido, achei que ela devia saber a verdade.
— Acho que a Seleção não é bem como a senhora imagina.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Por favor, arrumem trinta e cinco homens para lutar por mim quando quiserem.
— Para ser sincera, dá mais trabalho que qualquer outra coisa — assegurei. — Fazemos parecer emocionante, mas é desafiador.
— E eu posso atestar isso — minha mãe interveio. — Não importa o lado da situação em que você está, é difícil. São três horas de tédio total seguidas de uma avalanche de acontecimentos — ela disse, balançando a cabeça. — Ainda hoje, só de lembrar já me sinto cansada.
Minha mãe apoiou a cabeça na mão e olhou para mim. Algo em seu rosto – a expressão maternal, de aceitação – fez com que eu me sentisse compreendida e reconfortada. Mas ela também exibia a mesma preocupação, o mesmo quê de desgaste que meu pai demonstrara naquela manhã. No entanto, retomou a compostura e concentrou-se na Sra. Warren.
— Então, Milla, pelo que ouvi da última vez as coisas iam bem em Calgary.
— Ah, sim, somos um povo tranquilo.
A prefeita estava no palácio apenas para uma visita social. Permaneci ali, sustentando minha postura perfeita até ela decidir ir embora. E isso só aconteceu porque passei um bilhete para a criada pedindo que entrasse e dissesse que a presença da minha mãe era requerida com urgência.
No instante que a Sra. Warren cruzou a porta, minha mãe ajeitou o vestido.
— Vou ver do que se trata.
— Relaxa, sou só eu — expliquei, inspecionando as unhas e concluindo que precisava fazê-las.
Minha mãe e madame Lucy cravaram os olhos em mim.
— Queria falar com você, mas ela não ia embora. Por isso marquei uma hora, mais ou menos — eu disse, com um sorriso fofo.
Minha mãe balançou a cabeça.
— Eadlyn, às vezes você consegue ser bem manipuladora — ela disse, para logo dar um suspiro. — E às vezes isso é uma bênção. Acho que nem eu aguentaria muito mais.
Minha mãe, madame Lucy e eu rimos como cúmplices. Fiquei feliz por não estar sozinha.
— Sinto pena dela — minha mãe disse com a voz culpada. — Ela não sai muito, e é difícil encarar esse trabalho sozinha. Mas não gostei do jeito como falou com você.
Fiz uma careta.
— Já ouvi coisa pior.
— Verdade — minha mãe engoliu em seco. — Do que você precisava?
Olhei para madame Lucy, que entendeu meu pedido silencioso.
— Vou estar em casa o dia inteiro se precisarem — ela disse. Em seguida, fez uma reverência à minha mãe, me beijou na testa e saiu. Foi um gesto tão carinhoso.
— Ela é tão boa para mim — eu disse. — Para os garotos também. Às vezes tenho a sensação de que acabei tendo várias mães.
Abri um sorriso para minha mãe, que concordou.
— Mantenho as pessoas que amo perto de mim, e elas babaram por você desde o momento em que souberam da sua chegada.
— Gostaria muito que ela tivesse filhos — comentei, triste.
— Eu também — minha mãe engoliu em seco. — Acho que a esta altura já é de conhecimento geral que ela lutou anos para isso, em vão. Faria quase qualquer coisa para ajudar.
— Você tentou ajudar?
Minha sensação era de que havia poucas coisas que os Schreave não conseguiam.
Minha mãe piscou algumas vezes para afastar as lágrimas.
— Não devia contar isso; é pessoal. Mas, sim, já fiz tudo o que podia. Já me ofereci até para gestar o filho dela no meu ventre. — Ela apertou os lábios. — Foi a única vez em que me arrependi de ser rainha. Parece que meu corpo nem sempre me pertence, e há certas coisas que não estou autorizada a fazer.
— Quem disse isso? — inquiri.
— Todos, Eadlyn. Não se tratava exatamente de um procedimento tradicional, e nossos conselheiros julgaram que o povo não iria gostar. Alguns até argumentaram que um bebê gerado por mim teria que entrar na linha de sucessão ao trono. Era ridículo, então tive que desistir da ideia.
Permaneci em silêncio por um minuto. Apenas observava minha mãe se recuperar daquela mágoa antiga, mágoa que nem era dela, na verdade.
— Como você consegue?
— O quê?
— É como se você sempre se desdobrasse pelos outros. O que vai sobrar de você desse jeito? Às vezes me canso só de olhar.
Ela sorriu.
— Quando você sabe quem é importante para você, abrir mãos de algumas coisas, e mesmo de si própria, não parece um sacrifício. Há um punhado de pessoas por quem eu daria a vida sem pensar duas vezes. E também há o povo de Illéa, nossos súditos, por quem dou a vida de maneira diferente. — Ela baixou os olhos e pôs as mãos sobre o vestido impecável. — Provavelmente existem pessoas por quem você se sacrificaria, mas ainda não sabe. Um dia saberá.
Por um segundo, até duvidei se éramos mesmo mãe e filha. Todas as pessoas em quem ela pensava – meu pai, Ahren, madame Lucy, tia May – eram importantes para mim também. Só que quase sempre era eu quem lhes pedia ajuda, não o contrário.
— Mas isso não vem ao caso — ela disse. — O que você queria?
— Ah, o papai concluiu que os garotos remanescentes não são completos lunáticos, então vou me concentrar em encontrá-los esta semana — respondi, inclinando-me para a frente. — Estou em busca de ideias simples, mas que fiquem bem na câmera.
— Ah — ela levou os olhos ao teto, pensativa. — Não sei se posso ajudar muito nesse ponto. Quase todos os meus encontros com seu pai durante a Seleção foram passeios no jardim.
— Sério? E como vocês dois acabaram juntos? É tão chato!
Ela riu.
— Bom, tivemos muitas oportunidades de conversar. Ou discutir. E a maior parte do tempo que passávamos juntos era ocupada por uma dessas duas coisas.
Franzi a testa.
— Vocês dois brigavam?
— O tempo t-o-d-o — por algum motivo, essas palavras trouxeram um sorriso ao seu rosto.
— De verdade: quanto mais descubro sobre a Seleção de vocês, menos ela faz sentido. Sequer consigo imaginar você e o papai brigando.
— Eu sei. Tínhamos muita coisa para resolver, e a verdade era que nós dois queríamos alguém que fosse sincero conosco, mesmo quando isso era difícil de encarar.
Não era que eu não quisesse alguém sincero na minha vida também – se eu escolhesse casar algum dia, aliás – mas a pessoa teria que ser muito cautelosa ao falar comigo se quisesse uma chance de continuar por perto.
— Muito bem, encontros — ela disse e voltou a se recostar na cadeira para pensar. — Nunca fui boa em arco e flecha, mas se algum dos garotos tiver talento, pode ficar bem.
— Acho que conseguiria fazer isso. Ah, e já fiz uma cavalgada, então passeio a cavalo não vale.
— Certo. Cozinhar também não — minha mãe emendou, sorrindo, como se não pudesse acreditar que eu tivesse deixado aquele encontro acontecer.
— E terminou em desastre.
— Bom, Kile e Henri se saíram muito bem. E Fox não foi péssimo.
— Verdade — corrigi.
Pensei em Henri comigo na cozinha, naquele encontro de que ninguém sabia.
— Querida, acho que em vez de apostar em algo chamativo, você podia tentar encontros mais simples. Um chá, uma caminhada nos jardins. Refeições são sempre uma boa escolha: é uma atividade diária, então não vai ficar repetitivo. Pode trazer um resultado melhor do que a sua imagem montada num cavalo.
Eu vinha tentando evitar qualquer coisa pessoal demais. Mas esse tipo de encontro dava uma impressão de intimidade, algo que o público talvez quisesse. Talvez minha mãe estivesse certa. Se eu fosse preparada com uma lista de perguntas e assuntos seguros, talvez as coisas não saíssem tão mal.
— Obrigada, mãe. Acho que vou tentar isso.
— Estou à disposição, linda. E sempre ao seu lado.
— Eu sei — admiti, mexendo nervosamente no vestido. — Desculpe se tenho sido insuportável ultimamente.
Minha mãe estendeu o braço para me tocar.
— Eadlyn, você está sob muita pressão. Compreendemos. E, a não ser que opte por se tornar uma assassina em série, nada vai me fazer amá-la menos.
Eu ri.
— Uma assassina em série? É o seu limite?
— Bom… talvez amasse você mesmo assim — ela disse, piscando. — Mas vá. Você tem vários encontros esta semana, é melhor se planejar.
Assenti e, por motivos que não sabia ao certo, me aninhei em seu colo por um segundo.
— Uff! — ela reclamou ao sentir meu peso.
— Amo você, mãe.
Ela me apertou em seus braços.
— Também amo você. Mais do que imagina.
Dei um beijo na bochecha dela e levantei com um salto. Pensei na semana que estava por vir, esperando satisfazer a todos. Mas esses pensamentos desapareceram da minha cabeça quando pus os pés no corredor e deparei com Baden à minha espera.

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