Capítulo 29

BADEN LEVANTOU E ATRAVESSOU O CORREDOR. As janelas filtravam a luz do sol do meio-dia, aquecendo o ambiente e tingindo tudo com um leve tom de amarelo. Mesmo a pele escura dele parecia mais brilhante.
— Está me perseguindo? — perguntei, tentando fazer uma brincadeira.
A dureza nos olhos dele me disse que não estava no clima.
— Não sabia mais o que fazer. Você é tão difícil de encontrar.
Cruzei os braços.
— Você está claramente irritado. Por que não me diz o que se passa para podermos seguir em frente?
Ele fechou a cara; parecia descontente com a minha proposta.
— Quero ir embora.
A sensação era como bater a toda velocidade contra uma parede de concreto.
— Como é?
— A noite passada foi vergonhosa. Fiz um convite e você me dispensou.
Ergui a mão para interrompê-lo.
— Eu nem cheguei a dizer não. Você não me deixou chegar a esse ponto.
— E você diria sim? — ele perguntou, cético.
Levantei os braços e os deixei cair.
— Você nunca saberá, porque fez uma cena e foi embora.
— Vai mesmo me passar um sermão sobre fazer cena?
Fiquei de queixo caído. Como ele ousava?
Me aproximei, embora parecesse minúscula diante da estrutura de Baden, mesmo com a postura mais altiva.
— Você tem consciência de que eu poderia puni-lo por falar comigo dessa maneira, certo?
— E agora você vai me intimidar? Primeiro, me rejeita; depois me usa para um momento de descontração no Jornal Oficial e agora tive que passar a manhã inteira te procurando, porque você havia me dito que falaria comigo durante o café.
— Você é uma pessoa entre vinte! Eu preciso trabalhar! Como pode ser tão egocêntrico?
Ele arregalou os olhos e apontou para o próprio peito.
— Eu? Egocêntrico?
Tentei me afastar; me negava a deixar Baden me ferir.
— Você sabe que era um dos meus favoritos. Ia deixá-lo ficar por um bom tempo. Minha família gostou de você, e admirei seu talento.
— Não preciso do selo de aprovação da sua família. Você foi simpática comigo por uma hora inteira, para depois desaparecer como se nada tivesse acontecido. Tenho liberdade para ir embora e estou pronto para partir.
— Então vá!
Dei-lhe as costas e comecei a andar. Não precisava aturar aquilo.
Ele gritou no corredor, querendo me dar a última pontada:
— Todos os meus amigos me disseram que eu era louco de me inscrever! Eles tinham toda a razão!
Continuei a andar.
— Você é prepotente! Egoísta! Onde eu estava com a cabeça?
Virei uma esquina, embora não quisesse seguir por ali. Acabei por retomar meu caminho depois.
Me contive. Sustentei a postura de coragem que me ensinaram. Ninguém fazia ideia de como aquilo doía.
Depois de um trajeto duas vezes mais longo que o necessário, finalmente cheguei ao terceiro andar. Comecei a chorar assim que subi o último degrau, incapaz de manter as aparências por mais tempo. As palavras de Baden ecoavam na minha cabeça e cruzei os braços na barriga. Sentia como se tivesse levado socos de verdade.
Antes de os garotos chegarem, eu tinha uma lista de ideias para me livrar deles. Planejara deixá-los tão furiosos que diriam várias coisas que Baden acabara de me jogar na cara… sem que eu tivesse feito nada para provocá-lo. O que havia de tão errado comigo que me fazia ser rejeitada simplesmente por ser eu mesma?
As palavras dele tiveram exatamente o efeito desejado. Aparentemente, tive milhões de opções na hora do sorteio, quase um mês antes. Mas quantos homens não entraram porque já tinham alguma reserva em relação a mim? Será que as pessoas me achavam prepotente? Egoísta? O que agradava mais o público: os doces momentos que eu passava com os garotos ou aqueles em que eu fracassava?
Ajeitei o vestido para seguir até meu quarto. Quando cheguei lá, encontrei Erik diante da porta à minha espera. Com certeza tinha acabado de testemunhar meu acesso de choro.
Esfreguei o rosto para secar as lágrimas, mas não havia como esconder os olhos inchados ou as bochechas vermelhas. Erik me ver daquele jeito era quase tão ruim quanto o acontecimento original, mas a única maneira de fazer parecer que não tinha sido nada era agir como se não tivesse sido nada.
Caminhei até ele com a dolorosa consciência da tristeza em seus olhos, e ele se curvou quando me aproximei.
— Acho que vim em um mau momento — ele disse, com um levíssimo tom de sarcasmo na voz.
Abri um sorriso.
— Um pouco — respondi, confessando minha mágoa apesar de tudo. — Ainda assim, ficarei feliz por ajudar no que puder.
Erik apertou os lábios, sem saber ao certo se continuava.
— Queria falar com a senhorita sobre Henri. Mas não foi ele quem me enviou! — advertiu, levantando a mão. — Acho que ele viria em pessoa se pudesse falar por conta própria. Mas tem vergonha. — Erik engoliu em seco. — Hum… Ele me falou do beijo de vocês.
— Imaginei.
— Ele está com medo de ter ultrapassado um limite. Disse algo sobre tê-la segurado, mas que não devia, mas fez e…
Balancei a cabeça.
— Isso faz tudo soar pior do que foi. Ele… nós… — Eu estava perdida. — Nós estávamos tentando nos comunicar e, quando as palavras falharam, aquilo funcionou.
Por algum motivo, me incomodava admitir o acontecido a Erik, ainda que ele já soubesse de tudo.
— Então a senhorita não está com raiva dele?
Tomei fôlego e quase ri daquela ideia bizarra.
— Não. Ele é uma das pessoas mais gentis que conheço. Não estou nem um pouco brava com ele.
Erik fez que sim com a cabeça.
— Tudo bem se eu contasse isso a ele?
— Claro.
Esfreguei os olhos de novo e acabei borrando o delineador.
— Eca!
— Está tudo bem, Alteza?
A voz dele era muito terna e, felizmente, sem pena. Quase expliquei a ele tudo o que tinha acontecido, mas não tinha certeza se era adequado. Uma coisa era falar com ele sobre Henri, outra era conversar longamente sobre os outros pretendentes.
— Estou bem. Ou ficarei. Não se preocupe comigo. Apenas cuide para que Henri esteja bem.
Sua expressão mudou levemente, e vi em seus olhos o peso daquele papel.
— Faço o meu melhor.
Eu o examinei por um instante.
— Henri quer mesmo isso, não é?
Erik balançou a cabeça.
— “Isso” não. Ele quer a senhorita.
Depois da fala massacrante de Baden, era difícil imaginar que uma coisa daquelas fosse possível, mas Erik prosseguiu:
— Ele fala sobre a senhorita o tempo todo. Diariamente, no Salão dos Homens, traduzo livros de ciência política para ele ou tento explicar a diferença entre a monarquia absoluta daqui e a monarquia constitucional sob a qual ele cresceu na Noruécia. Ele até… — Erik fez uma pausa para rir. — Ele até estuda a maneira como seus irmãos andam e se postam. Ele quer ser digno da senhorita em todos os sentidos.
Engoli em seco, assombrada por essa declaração. Sorrindo para tentar amenizar a sensação, repliquei:
— Mas ele nem consegue falar comigo.
— Eu sei — Erik respondeu em tom solene. — E é por isso que me pergunto…
— O quê?
Ele passou a mão na boca, considerando se devia continuar.
— O mais fácil é aprender idiomas estrangeiros na infância. É possível aprender mais tarde, mas o sotaque provavelmente será forte para sempre. Henri simplesmente tem dificuldade para reter o que aprende. No ritmo que vai, levará anos para vocês dois conseguirem ter as conversas mais básicas. E as nuances dos idiomas, como gírias e coloquialismos, vão levar mais tempo ainda. A senhorita entende o que quero dizer?
Que eu seria incapaz de me comunicar com ele sabe lá quanto tempo. A Seleção chegaria ao fim, e nós ainda mal nos conheceríamos.
— Entendo — uma palavra tão pequena, mas que parecia enorme, capaz de ocupar todo o corredor e me esmagar.
— Só achei que a senhorita deveria saber disso. Queria que estivesse consciente de como as coisas caminhariam caso viesse a nutrir algum sentimento por ele também.
— Obrigada — balbuciei.
— A senhorita — ele perguntou do nada — nutre sentimentos por ele?
Eu já estava tão emotiva que a pergunta me deixou ainda mais abalada.
— Para ser sincera, não faço ideia do que sinto por ninguém.
— Ei — ele estendeu a mão para mim sem pensar. — Sinto muito. Fui enxerido. Não é mesmo da minha conta, e seu dia obviamente está sendo duro. Sou um idiota.
Esfreguei o nariz.
— Não. Você tenta ser um bom amigo. Para ele, para mim. Não foi nada.
— Eu sou, sabe? — ele disse com as mãos atrás das costas.
— Hein?
Ele suspirou; parecia envergonhado.
— Seu amigo. Se a senhorita precisar.
Foi uma oferta tão simples, mas generosa em um milhão de sentidos.
— Não posso imaginar um amigo melhor.
Ele ficou radiante, mas permaneceu quieto. Parecia que os nossos momentos de silêncio eram os mais fáceis. Por fim, limpou a garganta e disse:
— Tenho certeza de que você tem trabalho a fazer, mas detesto deixá-la só sentindo-se tão mal.
— Não. Eu até prefiro.
Erik deu um sorriso hesitante.
— Se você diz. Espero que seu dia melhore — e se despediu com uma reverência.
— Já melhorou — garanti.
Passei por trás dele e entrei no quarto, com um sorriso pacífico no rosto.
— Alteza? — Neena perguntou quando cruzei a porta. Eu era incapaz de imaginar o quanto minha aparência estava péssima.
— Oi, Neena.
— Tudo bem com a senhorita?
— Não muito, mas chegarei lá. Você poderia me trazer as fichas da Seleção? Tenho trabalho a fazer.
Apesar da patente confusão em seu rosto, ela fez o que pedi. E trouxe também uma caixa de lenços.
— Obrigada.
O pior já tinha passado, mas meus olhos voltaram a lacrimejar quando repassei as fotografias, me perguntando quem mais estaria no palácio apesar de ter reservas em relação a mim. Também os odiei só de pensar na possibilidade de que essa fosse a situação de cada um.
— Neena, pode me arranjar papel?
Mais uma vez ela obedeceu. E trouxe uma xícara de chá junto. Ela era mesmo boa demais naquilo.
Tentei planejar minha semana. A ficha de Apsel dizia que ele tocava piano; eu providenciaria para que tocássemos em dueto na manhã seguinte. No começo da noite, faria uma caminhada ao ar livre com Tavish. Na segunda-feira, agendaria um chá com Gunner e uma saída fotográfica com Harrison. Meu pai provavelmente adoraria esse programa.
Concluí meus planos e deixei a pilha de papéis de lado. Sem uma palavra, Neena começou a preparar um banho. Dei um último gole no chá e pus a xícara de volta na mesa, perto da chaleira. Assim, Neena não precisaria caçá-la mais tarde.
O ar do banheiro enchia-se de vapor. Me posicionei diante do espelho e comecei a tirar os grampos do cabelo. Graças ao banho relaxante e à presença tranquila de Neena, já tinha deixando a maioria das palavras duras de Baden para trás ao me secar.
— Quer falar sobre isso? — Neena perguntou baixinho, enquanto escovava meu cabelo.
— Não há muito o que dizer. As pessoas atiram comida contra mim, atiram palavras contra mim… E eu tenho que ser mais forte que tudo se quiser sobreviver.
Ela deixou escapar um som de desaprovação, e pude ver seus olhos perturbados pelo espelho.
— O que houve?
Neena parou a escovação por um minuto e olhou para o meu reflexo.
— Eu tenho muitos problemas, mas nunca os trocaria pelos seus. Sinto muito.
Levantei.
— Não há por que sentir muito. Nasci para fazer isso.
— Mas não é justo, é? Sempre pensei que o fim das castas significava que ninguém mais nascia destinado a fazer qualquer coisa. Será que isso se aplica a todos, menos à senhorita?
— Parece que sim.


De nada adiantou o talento de Apsel e o fato de que me desfiz em elogios a ele. E de nada adiantou que as fotos com Tavish no jardim tivessem ficado realmente boas. Apesar de todo o meu esforço, nada disso foi manchete na segunda-feira de manhã.
Acima das minhas fotos durante os encontros, havia uma história completamente diferente.
“É TRABALHO!” gritava a manchete acima de uma foto em que eu aparecia bocejando. Uma “fonte exclusiva” tinha revelado que eu achava que a Seleção dava “mais trabalho que qualquer outra coisa” e que nós a fazíamos “parecer emocionante”. Só conseguia pensar no quanto queria bater em Milla Warren.
A culpa não era toda dela, porém. O relato de Baden sobre como a Seleção era um grande teatro não ajudou em nada. Ele me descreveu longamente como frígida, duas caras e fria. Falou de nosso único bom momento juntos e de como mais tarde eu me afastara intencionalmente dele. Disse que não havia como permanecer no palácio vivendo sob tamanha mentira. Eu sabia que ele provavelmente havia recebido uma quantia exorbitante de dinheiro pela matéria e que se preocupava com a montanha de dívidas por causa dos estudos. Mas tinha certeza de que ele teria dito tudo aquilo mesmo de graça.
A sobreposição dessas reportagens à matéria sobre os meus encontros no final de semana os deixava completamente vazios de significado. Era desperdício de tempo e de energia. E tinha um impacto enorme sobre meu pai. Semanas tinham se passado, e ele ainda não fazia ideia de como lidar com os problemas por causa das castas ou com os manifestantes que clamavam o fim da monarquia.
Eu fracassava de todas as formas possíveis.
Depois do café, fui para o meu quarto e conferi os planos do dia. Não seriam inúteis naquele momento? Havia como melhorar aqueles encontros?
Ouvi alguém bater à porta. Quando me virei, lá estava Kile. Corri para os braços dele sem pensar duas vezes.
— Ei — ele disse, me abraçando forte.
— Não sei o que fazer. Tudo só piora e piora.
Ele afastou a cabeça e baixou os olhos para mim.
— Alguns rapazes estão confusos. Não sabem se estão sendo usados. Eadlyn — continuou aos sussurros, provavelmente para que Neena não escutasse — eu sei que nosso primeiro beijo foi encenação. É tudo encenação? Se sim, você precisa abrir o jogo.
Olhei bem nos olhos dele. Como um dia pude pensar que ele não era esperto, divertido, engraçado e gentil? Não queria responder sussurrando, então gesticulei para que Neena saísse. Assim que ela fechou a porta, voltei a encarar Kile.
— É complicado, Kile.
— Sou uma pessoa muito inteligente. Explique.
Suas palavras eram calmas, mais um convite do que uma exigência.
— Se você tivesse me perguntando uma noite antes de todos chegarem, eu teria dito que a Seleção não passava de uma piada. Mas não é mais, não para mim.
Aquelas palavras me chocaram. Eu tinha lutado para não me apegar àqueles garotos, e ainda sentia um medo terrível de que se aproximassem de mim. Naquele exato momento, Kile estava no limite da minha zona de conforto, e eu não sabia direito como lidaria com a situação caso ele cruzasse a fronteira.
— Você é importante para mim — confessei. — Vários de vocês são. Mas se penso que vou me casar? — Dei de ombros. — Não sei dizer.
— Não faz sentido. Ou você quer ou não quer.
— Não é justo. Quando chamei seu nome, você queria participar? Você diria o mesmo agora?
Não percebi o quanto a minha pergunta o deixara tenso até ele fechar os olhos e suspirar.
— O.k. Entendo.
— Tem sido mais difícil do que eu imaginava, com tantos desastres pelo caminho. E não sou tão boa quanto outras garotas em mostrar minhas emoções. Passo a impressão de não me importar com nada, mesmo quando me importo. Gosto de guardar as coisas para mim. Sei que parece ruim, mas é verdade.
Ele passara tempo suficiente próximo de mim para saber que era verdade.
— Você precisa cuidar disso. Precisa dar uma declaração pública sobre essa questão — ele insistiu, com os olhos cravados nos meus.
Esfreguei as têmporas.
— Não sei se é uma boa ideia. E se eu só piorar as coisas?
Ele me deu um cutucão na barriga, algo que não fazíamos desde a infância.
— E desde quando a verdade piora as coisas?
Bom, aquilo confirmava todas as minhas ansiedades. Admitir o quanto tudo aquilo se tornara importante para mim implicaria revelar os verdadeiros motivos por trás da minha Seleção. Do jeito que as coisas iam, aquilo não atrairia qualquer simpatia.
Ele me fez virar e apontou para minha escrivaninha.
— Aqui. Vamos sentar um minuto.
Sentei ao lado dele e fiz uma pilha com alguns esboços de vestido em que estava trabalhando.
— São impressionantes, Eadlyn — ele comentou.
Abri um sorriso fraco e agradeci:
— Obrigada, mas é só um monte de rabiscos.
— Não venha com essa — ele disse. — Não faça parecer menos do que é.
Me lembrei daquelas palavras e consegui me acalmar.
Kile pegou um punhado de lápis e começou a rascunhar.
— O que você está desenhando? — perguntei ao ver aquelas caixinhas.
— É uma ideia em que andei trabalhando. Li sobre algumas províncias mais pobres. No momento, um dos principais problemas nesses locais é a habitação.
— Por causa do crescimento das manufaturas?
— Sim.
Ele continuou a desenhar em linhas quase perfeitamente retas.
Meu pai tinha feito o possível para estimular o crescimento industrial em algumas províncias majoritariamente agrárias. Seria melhor para todos se as coisas pudessem ser processadas onde eram cultivadas. Mas, à medida que esse modelo decolou, mais e mais pessoas se mudavam para perto dessas áreas, o que significava que nem todos tinham acesso a moradia adequada.
— Sei um pouco do custo para conseguir os materiais. Imagino que seria possível construir essas pequenas cabanas, basicamente cubículos familiares, por um preço bem baixo. Há semanas que volto a essa ideia. Se eu conseguisse entregar esse projeto para alguém, talvez fosse possível implementálo.
Olhei a pequena estrutura, que mal tinha o tamanho do meu banheiro, grudada em outra caixa idêntica. Cada uma tinha uma porta e uma janela lateral. Um pequeno cano na parte de cima captava água da chuva, que ficava armazenada em um balde perto da porta. No alto, havia algumas aberturas para ventilação, enquanto uma lona despontava da fachada para proteger a entrada.
— Mas elas parecem tão pequenas.
— Pareceriam uma mansão se você morasse na rua.
Respirei fundo. Aquilo provavelmente era verdade.
— Não cabe nem um banheiro aí.
— Não, mas a maioria das pessoas usa os das fábricas mesmo. Isso seria apenas um abrigo, o que significa que os trabalhadores ficariam mais descansados, mais saudáveis… e é importante ter um lugar para chamar de seu.
Observei Kile. Estava totalmente concentrado nos detalhes que acrescentava ao desenho. Eu sabia que era aquilo que amava, que ele não via a hora de ter algo que realmente fosse dele. Ele empurrou o papel carinhosamente e o juntou aos outros.
— Está bem longe de ser tão empolgante quanto um vestido de gala, mas é só o que sei desenhar — ele concluiu, rindo.
— E você desenha tão bem.
— É. Só queria distraí-la por um tempo, mas não sei mais o que fazer.
Tomei sua mão na minha.
— Só o fato de ter vindo já basta. Não podia me dar ao luxo de ficar aqui sofrendo por muito tempo mesmo. Preciso pensar em um plano de ação.
— Como contar a verdade?
Dei de ombros.
— Talvez. Tenho que conversar com meu pai antes.
Percebi que ele me achou uma tola, mas Kile não sabia o que estava acontecendo. Eu sabia e, mesmo assim, não entendia direito.
— Obrigada por vir, Kile. Te devo uma.
— Duas. Ainda estou à espera daquela conversa com a minha mãe — ele cobrou, piscando, e pareceu não estar chateado por eu ainda não ter cumprido o combinado.
Eu não havia esquecido a promessa e já tivera mais de uma oportunidade para falar com madame Marlee. Mas o problema agora era eu, não ela. Ficava cada vez mais difícil imaginar o palácio sem Kile por perto.
— Claro. Não esqueci.
Ele cutucou minha barriga de novo, o que me fez rir.
— Eu sei.
— Vou falar com os meus pais. Preciso descobrir o que fazer.
— Tudo bem.
Ele passou o braço pelas minhas costas e me acompanhou até a porta. Nos separamos nas escadas.
Dali fui direto para o escritório. A aparência cansada de meu pai me deixou nervosa assim que cheguei. Limpei a garganta.
Ele tirou os olhos dos jornais e enfiou uma pilha deles em uma gaveta, como se eu não pudesse vêlos.
— Olá, querida. Pensei que fosse trabalhar nas coisas da Seleção esta semana.
— Bom, esse era o plano, mas me pergunto se servirá de algo agora.
Meu pai estava abatido.
— Não sei como isso aconteceu, Eadlyn. Desculpe.
— Eu é que devo me desculpar. Baden exagerou, mas os pontos fundamentais eram verdade. E sobre a prefeita, eu disse aquelas coisas em voz alta, é verdade. Mas apenas desabafei sobre o trabalho que a Seleção dá. Pergunte para a mamãe; ela estava lá. Tudo saiu tão distorcido.
— Já falei com ela, meu doce. Não estou chateado com você. Só não consigo entender por que Milla faria isso. Parece que todos querem tirar uma lasca de nós agora…
Ele continuou com a boca aberta, como se quisesse falar mais, só que estava tão confuso pela infelicidade esmagadora do povo que não sabia por onde começar.
— Estou tentando, pai, mas acho que não é o bastante. Isso me levou a pensar em tentar algo diferente.
Ele deu de ombros.
— Topo qualquer coisa no momento.
— Vamos mudar o foco. Ninguém confia em mim agora. Vamos convidar Camille para uma visita e deixar que o público veja como Ahren é apaixonado por ela. Ele sempre se sai melhor sob os holofotes. Posso aparecer e falar da influência dos dois sobre mim. Retomaremos a Seleção logo em seguida e tentaremos emendar uma história de amor na outra.
Ele cravou os olhos na mesa, pensativo.
— Não sei de onde você tira essas ideias, Eadlyn, mas essa foi inspirada. E acho que Ahren ficará fora de si. Mas deixe-me verificar se ela pode vir antes de anunciarmos qualquer coisa, certo?
— Claro.
— Quero que você planeje uma festa para ela. Vocês duas precisam se conhecer melhor.
Como se eu não tivesse mais nada com que me preocupar.
— Vou começar já.
Ele pegou o telefone, e voltei para o meu quarto na esperança de que aquilo fosse suficiente para recolocar tudo nos eixos.

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