Capítulo 30

DOIS DIAS DEPOIS EU ESTAVA DE PÉ NA PISTA DE POUSO, ao lado do meu sorridente irmão, que segurava nas mãos um buquê ridiculamente grande.
— Por que você não me dá flores assim?
— Porque não quero impressionar você.
— Você é pior que aqueles garotos do palácio — eu disse, sacudindo a cabeça. — Ela vai ser rainha da França. Garotas como nós são difíceis de impressionar.
— Eu sei — ele respondeu. Estava tão feliz que parecia um idiota. — Acho que tenho sorte.
As escadas do avião baixaram, e dois guardas desceram antes de Camille. Ela era delicada, loira e pequena, com um rosto que parecia eternamente bem descansado e entusiasmado. Ao vivo ou em fotos, jamais a vira de cara fechada, nem ao menos uma vez.
Havia um protocolo a ser seguido, mas Ahren e Camille o quebraram e correram para os braços um do outro. Ele a abraçou forte e beijou cada canto do rosto dela, arruinando no processo todas as flores. Camille ria enquanto ele a mimava com seu afeto. Me senti um pouco constrangida de estar lá, esperando que a cena terminasse para poder dizer oi.
— Senti tanta saudade! — ela gritou, e o seu sotaque fazia cada palavra soar como uma surpresa.
— Tenho tanto para lhe mostrar. Pedi que meus pais fizessem uma suíte permanente para você. Assim você terá sempre o melhor quarto quando vier.
— Oh, Ahren! Sempre tão generoso comigo.
Ele se virou com um sorriso de orelha a orelha e subitamente se lembrou da minha presença.
— Você se lembra da minha irmã, claro.
Trocamos reverências. Ela então levantou a cabeça de maneira elegante e disse:
— Alteza, é tão bom vê-la de novo. Trago presentes para você.
— Para mim?
— Sim. E aqui vai um segredo — ela disse, inclinando-se. — Você pode usar todos.
Fiquei animada.
— Maravilhoso! Talvez eu use alguns na festa que darei hoje à noite para você.
Ela suspirou e levou as duas mãos ao peito.
— Para mim?
Em seguida, dirigindo os olhos azuis para Ahren, perguntou:
— Mesmo?
— Mesmo.
Era estranho ver meu irmão com aquele olhar, como se estivesse no meio de um ato de adoração, pronto para sacrificar qualquer coisa para agradar Camille.
— Sua família é tão boa comigo. Vamos lá. Estou morrendo de vontade de ver sua mãe.
Tentei acompanhar a conversa dos dois durante o retorno ao palácio, mas Ahren falou francês a maior parte do tempo para agradar Camille. Como eu tinha optado por aprender espanhol, boiei completamente.
Assim que chegamos em casa, encontramos meus pais, Kaden e Osten à espera diante das escadas. Posicionados na ponta dos degraus, tentando passar despercebidos, estavam vários fotógrafos.
Ahren foi o primeiro a sair do carro e estendeu o braço para Camille. Quando eu saltei para fora para segui-lo, ele já tinha fugido com Camille, que corria em direção aos braços de minha mãe.
Minha mãe, meu pai e Kaden sabiam francês e a cumprimentaram calorosamente. Fui até Osten, que parecia segurar a vontade de subir em alguma coisa.
— Qual o seu plano para hoje? — perguntei.
— Não sei.
— Vá atrás dos Selecionados e faça perguntas constrangedoras. Depois me conte o resultado.
Ele riu e saiu correndo.
— Para onde ele foi? — meu pai perguntou discretamente.
— Lugar nenhum.
— Vamos todos entrar — minha mãe chamou. — Você precisa tirar uma soneca antes da festa. Eadlyn trabalhou tão duro; vai ser maravilhosa.
Eu tinha pensado em tudo. Música ao vivo adequada para danças lentas e um misto de pratos tanto de Illéa quanto da França, além de alguns deliciosos pasteizinhos de maçã que Henri fizera para mim.
Mal podia esperar para que ele visse.
Minha mãe brilhava como sempre, e meu pai nem parecia tão exausto. Josie sentia-se à vontade, e fiquei contente: pela primeira vez ela não tinha roubado uma das minhas tiaras. Kaden agia como um pequeno embaixador, circulando pela sala e apertando mãos.
Eu, claro, me mantive perto do casal feliz, o que era ao mesmo tempo cativante e cansativo. Ahren olhava para Camille como se ela fosse responsável por fazer o sol nascer a cada manhã. O modo como ele a olhava – encantado com cada suspiro dela – era lindo. Mas me senti estranhamente alheia à situação, porque nunca ninguém tinha agido daquela maneira comigo, nem eu com ninguém.
Senti inveja de Camille. Não porque ela tinha o amor incondicional de meu irmão – o que eu sabia ser uma das forças mais potentes do mundo – mas porque ela parecia não precisar de qualquer esforço para agir daquela maneira.
O que a rainha da França teria feito para educá-la daquele jeito? Camille era doce e polida, mas ninguém pensaria em bater de frente com ela. Eu acompanhava as notícias internacionais e sabia que ela era muito querida por seu povo. Em seu último aniversário, uma festa improvisada começou nas ruas em sua homenagem e durou três dias. Três dias!
Eu julgava ter recebido uma educação abrangente e adequada, o que implicava uma coisa: meus defeitos não tinham nada a ver com a minha educação. Só tinham a ver comigo.
Quando me dei conta disso, me forcei a evitar Camille e Ahren. Ficar perto dela só piorava a sensação. Antes que eu pudesse ir muito longe, porém, Ean apareceu diante de mim, estendendo o braço.
— Há quanto tempo.
Revirei os olhos.
— Vejo você todos os dias — eu disse, mas enlacei o braço no dele mesmo assim.
— Mas não temos chance de conversar. Gostaria de saber como você está.
— Excelente. Não dá para notar? Estou correndo de um lado para o outro feito uma idiota tentando marcar encontros. Enquanto isso, sou acusada de armar tudo, e meu irmão está apaixonado por uma garota perfeita, e sei que ela vai acabar por levá-lo daqui.
— Levá-lo?
Confirmei com a cabeça.
— Quando eles finalmente se casarem, o que vai requerer a expressa aprovação da mãe dela e um longo noivado que certamente terminará na cerimônia com mais ostentação de todos os tempos, ele terá de morar com ela na França.
— Humm — ele disse enquanto me conduzia à pista de dança com a mão na minha cintura. — Não posso fazer muito quanto ao seu irmão, mas se ele partir, você ainda pode ter alguém com quem sempre contar.
— Por acaso fala de si mesmo? — provoquei, balançando ao ritmo da música.
— Claro — ele respondeu. — Minha oferta ainda está de pé.
— Não me esqueci dela.
Contemplei o salão com toda aquela pompa e convidados importantes. Era difícil negar como ele se misturava bem a tudo aquilo. Desde sua chegada, Ean tinha um porte que poucos possuíam. Se eu não soubesse, poderia supor que ele também fora criado em um palácio.
— Se existe alguma verdade naquele artigo, você não precisa se torturar com esses garotinhos. Serei tudo o que você poderia desejar de um marido. Fiel, gentil e um verdadeiro parceiro. Jamais exigirei seu amor. E serei mais do que feliz por apenas viver ao seu lado.
Eu ainda não conseguia entender os motivos dele. Em certo sentido, ele parecia capaz de coisa bem melhor.
— Agradeço novamente a proposta, mas ainda não desisti da Seleção.
Ean inclinou a cabeça e abriu um sorriso malicioso.
— Ah, mas eu acho que desistiu.
— E por quê? — tentei imitar sua atitude sabichona o máximo que pude.
— Porque ainda estou aqui. E, se você realmente espera encontrar o amor, não sei por que me manteria por perto.
Nós dois rimos da audácia daquela afirmação. Parei de dançar e soltei-o lentamente.
— Você sabe que posso mandá-lo embora agora mesmo.
— Mas não vai — ele desafiou, com aquele sorriso ainda no rosto. — Eu posso lhe dar a única coisa que você quer de verdade, e você é a única que pode me dar o que quero.
— Que é?
— Conforto. Conforto em troca de liberdade — ele deu de ombros. — Acho um acordo bem satisfatório.
Ele então se curvou e se despediu:
— Até amanhã, Alteza.
Não conseguia suportar o fato de que talvez ele fosse a única pessoa mais calculista que eu. Ele sabia exatamente o que eu queria e até onde estava disposta a ir para conseguir, o que era inquietante.
Estava perto da porta lateral do Grande Salão e fui ao corredor para ficar sozinha por alguns instantes. Massageei as bochechas, tão cansadas de sorrir. A temperatura ali era mais amena e ajudava a pensar.
— Alteza?
Erik veio pelo corredor usando o terno mais elegante que já o vira usar até aquele momento. Seu cabelo estava mais ajeitado que o normal, levemente penteado para trás. Ele parecia mais alto e orgulhoso. A mudança fez meu queixo cair. Ele estava realmente maravilhoso.
— Você se arrumou bem — eu disse, enquanto tentava disfarçar o choque em meu rosto.
— Ah — ele disse, e em seguida baixou os olhos. — Queria estar apropriado para a noite.
— Você foi muito além disso — comentei, já desencostada da parede para poder ficar de frente para ele.
— Você acha? Hale disse que eu devia pensar em usar gravatas mais finas.
Comecei a rir.
— Bom, Hale é bem talentoso no que diz respeito a estilo, mas você está com a aparência ótima.
Erik permaneceu ali, claramente pouco à vontade com o elogio.
— Está gostando da festa? — perguntou.
Dei uma olhada no salão.
— É um sucesso, não acha? Boa comida, música excelente, uma ampla variedade de companhias… Talvez seja a melhor festa que já organizei.
— Tão diplomática — ele comentou.
Voltei a encarar Erik e sorri.
— Tenho a sensação de que sou a competidora esta noite.
— Contra quem? — ele perguntou, espantado.
— Camille, claro.
Virei novamente para o salão e, tentando permanecer escondida atrás da porta, observei. Erik veio para o meu lado, e acompanhamos enquanto ela dançava com Ahren pela pista.
— Isso não faz sentido.
— Gentileza sua, mas eu sei o que digo. Ela é tudo o que tento ser.
Eu já tinha pensado naquilo, mas nunca admitira para ninguém. Eu não sabia como Erik conseguia me fazer compartilhar esse tipo de coisa com ele.
— Mas por que tentar ser Camille quando Eadlyn é mais que suficiente?
Virei de supetão para ele, como se aquela ideia fosse impensável. Eu vivia fazendo um esforço contínuo; eu nunca era suficiente.
As palavras de Erik quase me fizeram chorar, e estendi o braço para segurar a mão dele, como já havia feito no meu quarto pouco tempo antes.
— Estou muito feliz por ter conhecido você. Não importa como tudo isso acabe, me considero iluminada por encontrar alguns de vocês pelo caminho.
Ele sorriu.
— E eu jamais serei capaz de expressar o privilégio que é ter conhecido você.
Acho que a minha intenção inicial era apertar a mão dele, mas acabamos permanecendo ali parados, unidos pelo silêncio.
— Você se inscreveu? — perguntei de repente. — Para a Seleção, digo?
Ele sorriu e balançou a cabeça.
— Não.
— Por quê?
Ele deu de ombros enquanto pensava numa resposta.
— Porque… quem sou eu?
— Você é Eikko.
Ele ficou imóvel, um pouco atordoado pelo som original do próprio nome. Por fim, voltou a sorrir.
— Sim, sou Eikko. Mas você mal me conhece.
— Conheço Eikko tão bem quanto ele conhece Eadlyn. E posso dizer que você também é suficiente.
Ele acariciou as costas da minha mão com o polegar da maneira mais gentil possível. E pude sentir que nós dois estávamos pensando no que poderia ter acontecido caso o nome dele estivesse em um daqueles cestos. Talvez ele fosse um dos concorrentes, talvez não tivesse sido sorteado… Era difícil dizer se o risco teria valido a pena no final.
— Preciso voltar para lá — disse com o dedo apontado para a festa.
— Claro. Vejo você depois.
Me concentrei e endireitei o corpo o máximo possível, e o sapato que Camille me dera me deixava bem mais alta. Adentrei o salão, acenando graciosamente a cabeça para todos. Poderia ter parado em diversas ocasiões, mas avancei até encontrar Henri.
— Olá — ele cumprimentou.
Tinha passado a semana com intenção de vê-lo. Mas, com os encontros em velocidade máxima e o planejamento para a festa de Camille, não tive a mínima chance de falar com ele. Dava para notar sua ansiedade e, embora eu tivesse certeza de que Erik transmitira tudo o que eu tinha dito, precisávamos conversar a sós.
— Tudo bem? — perguntei.
Ele fez que sim com a cabeça.
— Tudo bem você?
Acenei com a cabeça.
Ele suspirou profundamente e a expressão iluminada que eu me acostumara a ver reapareceu.
Tentei pensar em todos os desentendimentos e mal-entendidos que tivera na vida. Nenhum deles jamais tinha acabado com menos de seis palavras. Mas seis palavras foram suficientes para entender que Henri se arrependia da possibilidade de ter me ofendido, mas ao mesmo tempo não desejava que o beijo não tivesse acontecido.
Talvez Erik não tivesse nada com que se preocupar. Talvez Henri e eu pudéssemos nos comunicar muito bem.
— Dançar? — perguntei, apontando para a pista.
— Por favor!
Com aquele salto, eu ficava quase tão alta quanto ele. Henri não era um dançarino muito bom, mas o que lhe faltava em graça ele compensava com entusiasmo. Ele me rodopiou diversas vezes e até me inclinou para trás duas vezes. Na segunda vez, quando me endireitei dando risada, notei que Erik estava atrás dele.
Eu podia estar errada, mas seu sorriso tímido parecia um pouco triste.

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Atenção: para postar um comentário, escolha Nome/Url. Se quiser insira somente seu nome.

Please, no spoilers!

Expresse-se:
(◕‿◕✿) 。◕‿◕。 ●▽●

⊱✿◕‿◕✿⊰(◡‿◡✿)(◕〝◕) ◑▂◐ ◑0◐

◑︿◐ ◑ω◐ ◑﹏◐ ◑△◐ ◑▽◐ ●▂● 

●0● ●︿● ●ω● ●﹏● ●△● ●▽●

Topo