Capítulo 31

CAMILLE ESTAVA PERFEITA NA PRIMEIRA PÁGINA de todos os jornais e na capa de algumas revistas de fofoca que igualavam nossa família às estrelas do cinema e da música. Ela iluminava o clima do Salão das Mulheres simplesmente com sua presença, e tia May veio nos visitar por alguns dias somente para vê-la.
Descobri por que tinha problemas com Josie. Ela era impertinente e infantil e tentava tanto ser igual a mim que eu sentia necessidade de me proteger quando ela estava por perto. Mas as coisas eram mais complicadas com Camille. Mesmo a perfeição dela era discreta, como se ela mal se desse conta. Assim, embora eu quisesse muito odiá-la, sabia que ficaria mais feio para mim do que para a francesinha doce e despretensiosa.
— Como está sua mãe? — minha mãe perguntou a Camille, e algo em seu tom de voz deu a impressão de que ela se sentia obrigada a se interessar pela rainha Daphne. Aparentemente, esse era o único assunto que parecia exigir certo esforço das duas.
Minha mãe passou uma xícara de chá para Camille, que a aceitou de bom grado e fez uma pausa para pensar antes de responder:
— Muito bem. Ela me pediu para mandar lembranças.
— Tenho visto fotos dela ultimamente, e ela parece mais contente do que nunca — comentou minha mãe, com as mãos no colo e um sorriso gentil. Essas palavras soaram mais autênticas.
— Ela está — Camille concordou. — Não sei o que aconteceu, mas ela nunca pareceu mais alegre. E a felicidade dela só me deixa mais feliz.
A princesa suavizou a expressão ao pensar na mãe, e mais uma vez me vi forçada a imaginar o que estava acontecendo no palácio francês.
— Então — Josie disse, cruzando as pernas de maneira teatral e invadindo a conversa —, quais as chances de ouvirmos notícias sobre um casamento em breve?
Camille desviou o olhar, encabulada, e todas rimos.
— Talvez — ela se esquivou. — Sei que Ahren é a pessoa certa, mas nós dois precisamos sentir quando o momento for adequado.
Madame Marlee suspirou.
— Então suponho que no meio da Seleção não seja uma das melhores ocasiões.
— Jamais! — Camille confirmou, levando uma mão ao meu colo. — Eu não roubaria esse momento de uma amiga tão querida!
Madame Marlee e madame Lucy deram as mãos ao pensar nisso.
— Aliás, Eadlyn — Camille continuou após endireitar a postura. — Você não me contou nada. Como são os garotos?
Eu ri e respondi:
— Mais problema que diversão.
— Ah, pare — minha mãe provocou.
— Por favor, não me conte nada sobre Kile! Eca! — Josie protestou, e sua mãe lhe deu um tapa na perna.
— Também preciso saber das novidades! — tia May pediu. — Perdi muita coisa. Vi que aconteceu uma briga!
— Aconteceu — confirmei, bufando só de lembrar. — Na verdade, ainda estou conhecendo a maior parte deles — reconheci. — Há alguns destaques, mas as coisas mudam todo dia, então é difícil medir quem está na frente.
— Medir? — Camille perguntou com a voz triste. — Não há medida. Não existe alguém que preencha seu coração e ocupe todos os seus pensamentos?
Quando ela disse isso, um nome me veio à cabeça. E fiquei tão surpresa por ter pensado em alguém que não tive tempo de absorver quem era.
Me concentrei na conversa.
— Acho que não tenho tantas inclinações românticas quanto as outras pessoas.
— Obviamente — Josie murmurou baixinho.
Camille não a ouviu ou ignorou o comentário.
— Acredito que você vai encontrar um marido maravilhoso. Não vejo a hora!
A conversa mudou de rumo, e eu ouvia tudo em silêncio. Não sabia ao certo  se precisava ficar no salão o dia inteiro ou ir trabalhar com meu pai. A impressão era de que eu estava fazendo tudo errado nos últimos tempos, e não queria acrescentar outro item à minha crescente lista de enganos.
E eu gostava de conversar com as meninas, mas precisava de uma pausa. Pedi licença e fui até o corredor, mas não sabia para onde ir em seguida. Quinze minutos. Prometi a mim mesma que depois disso voltaria a ser vibrante e comunicativa.
Por puro acaso, deparei com Hale a caminho dos jardins com uma bandeja de garrafas d’água na mão. Ele me viu e abriu um sorriso gigante.
— Para onde você vai? — ele perguntou.
— Para lugar algum, na verdade. Estou fazendo uma pausa do Salão das Mulheres.
— Alguns rapazes estão jogando beisebol lá fora. Se quiser vir…
Fui até a janela e, de fato, uns oito garotos estavam lá jogando a bola um para o outro.
— Mas onde eles arranjaram essas coisas?
— Osten.
Claro. Osten tinha tudo. Observei os garotos arregaçarem as calças e tirarem os sapatos sociais enquanto se empurravam de brincadeira.
— Nunca joguei beisebol — confessei.
— Mais um motivo para se juntar a nós.
— Você sabe jogar?
— Sei mais arremessar do que rebater, mas não passo vergonha. Posso te ensinar.
O rosto de Hale era sincero, e realmente acreditei que ele tomaria conta de mim lá fora.
— O.k., mas provavelmente vou ser péssima.
— E desde quando você é péssima em alguma coisa? — ele disse quando cruzamos a porta.
Kile estava lá, assim como Apsel, Tavish e Harrison. Alex também; detestava admitir, mas me sentia muito tentada a mandá-lo de volta para Calgary depois que Milla dissera aquelas besteiras nos jornais. Estava pensando no assunto.
Henri se alongava perto de Linde, e procurei instintivamente por Erik. Ele estava lá, sentado em um dos bancos de pedra.
— Alteza! — Edwin gritou para atrair minha atenção. — Veio assistir?
— Não, senhor. Vim jogar.
Vários garotos começaram a bater palmas e a dar gritos de incentivo, embora eu duvidasse seriamente que algum deles me considerasse um reforço.
— O.k., o.k. — disse em voz alta com os braços erguidos. — Só estejam cientes de que preciso voltar para dentro em alguns minutos e nunca joguei antes. Na vida. Mas pensei em experimentar um pouco antes de voltar ao trabalho.
— Você consegue! — Tavish me garantiu. — Aqui, me dê os sapatos. Vou colocar perto dos meus.
Tirei os saltos e entreguei-os a ele.
— Caramba, são pesados. Como você consegue levantar o pé?
— Panturrilhas fortes?
Ele riu e levou os sapatos para um canto.
— Muito bem, então Eadlyn vai ser a primeira — Kile avisou.
Eu fazia uma ideia geral de como o jogo funcionava. Luva, taco, quatro bases. O que me confundia era a mecânica.
Hale estava bem no meio do diamante do campo e treinava arremessos com Apsel. Raoul, que ia pegar, veio por trás de mim.
— Eis o que precisa fazer — ele disse. Seu sotaque hispânico era bem forte, mas as instruções foram boas e claras. — Segure o taco aqui e aqui. Ele fez uma demonstração e agarrou o taco firme perto da base. — Pernas espaçadas, e mantenha o pé da frente fincado na grama, certo?
— Certo.
— Olhe apenas para a bola.
— Olhar para a bola… O.k.
Raoul me passou o taco, que pesava muito mais do que eu esperava.
— Boa sorte — desejou.
— Obrigada.
Fui para a base improvisada e tentei fazer tudo o que Raoul dissera. Supus que, se Hale ia arremessar, então estávamos em times diferentes. Mesmo assim, ele riu quando me viu assumir a posição.
— Vou jogar devagar, certo?
Fiz que sim com a cabeça.
Ele jogou a bola e eu passei o taco bem por cima dela. O mesmo aconteceu na segunda vez. Não sei bem o que aconteceu na terceira, mas acabei girando em falso.
Hale riu, assim como Raoul, e embora o normal fosse eu ficar com vergonha, aquilo não me pareceu tão mal.
— Eadlyn! Eadlyn!
Reconheci a voz da minha mãe instantaneamente e virei para as janelas abertas do Salão das Mulheres. Estavam todas lá, e esperei que ela me mandasse voltar para dentro.
— Pega eles! — ela berrou. — Acerta a bola!
Tia May jogou os braços para o ar.
— Vai, Eady!
O resto das garotas se uniu a elas com palmas e gritos. Rindo, voltei a encarar Hale, que me fez um sinal com a cabeça.
Retribuí e peguei o taco.
Finalmente acertei a bola, que saiu baixa pela esquerda. Dei um gritinho, soltei o taco para segurar o vestido e voei até a primeira base.
— Vai, Eady, vai! — Kile gritou.
Vi Henri ainda atrás da bola, e então corri para a segunda base com os olhos nele o tempo todo. Por instinto, mergulhei na base.
Ganhei dele!
A torcida explodiu. Nem era mais a minha vez, e eu também não tinha ganhado o jogo, mas me senti muito bem. Do nada, Edwin me ergueu do chão, me abraçou e começou a me girar.
Uns instantes depois, minha mãe, Josie e todas as outras garotas estavam do lado de fora, tirando os sapatos e querendo jogar.
Alguém avisou meu pai e meus irmãos sobre o jogo, e Kaden mostrou a todos como era um exímio atleta. Meus pais ficaram na lateral, abraçados. Os Selecionados trocavam tapinhas nas costas, e Ahren escapuliu com Camille, beijando-a a cada passo do trajeto.
— Vai, Henri! — berrei quando ele assumiu o taco.
Erik apareceu ao meu lado e começou a gritar também.
Não tínhamos coragem de pular, mas dávamos socos no ar.
— Não é ótimo? — perguntei. — Adoro que ele possa jogar sem se preocupar com as palavras.
— Eu também — Erik concordou. — E não acredito que você acertou aquela bola!
Eu ri.
— Eu sei! Valeu totalmente a pena ter sujado o vestido por isso.
— Concordo. Existe alguma coisa que você não consiga fazer? — ele provocou.
— Muitas — respondi, séria ao pensar nos meus diversos defeitos.
— Como o quê?
— Hum… Falar finlandês?
— O.k. — ele disse com uma risada. — Uma coisa. E essa é perdoável.
— E você?
Erik olhou ao redor.
— Eu não conseguiria governar um país.
— Acredite, se eu posso aprender, qualquer um pode.
Minha mãe apareceu correndo e me deu um abraço.
— Foi uma ideia ótima!
— Foi dos garotos — expliquei. — Eu só estava no lugar certo para ser convidada.
Atrás dela, avistei meu pai entrar em campo.
— Vai, pai, vai!
Ele ergueu o braço apontando para longe, e minha mãe balançou a cabeça.
— Não vai dar certo.
Como ela previra, ele errou as três tacadas. Aplaudimos mesmo assim e comemoramos o jogo inteiro, sem que ninguém anotasse o placar.
Por apenas um momento, estávamos felizes. Minha família e meus amigos me cercavam – rindo, batendo palmas e aproveitando o sol. Minha mãe me envolveu em outro abraço, beijou a minha cabeça e disse como estava orgulhosa da minha rebatida, embora eu nem tenha mais tentado acertar de novo. Osten corria em círculos, perturbando e arrancando risos de todos. Josie roubou a camisa de um dos garotos e vestiu por cima do vestido, boba de alegria.
Era uma bolha de pura felicidade.
Não havia fotógrafos por perto para capturar o momento nem jornalistas para contá-lo para todo mundo. E, por algum motivo, isso deixou tudo bem melhor.

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