Doze

TANTO MINHAS FERIDAS quanto as de Celeste eram mínimas, de modo que nos enviaram de volta a nossos quartos após uma hora. Houve um intervalo entre nossas altas para não sairmos juntas. Assim que dobrei o corredor no fim das escadas, vi um guarda caminhar em minha direção. Aspen. Mesmo mais forte depois de tanto treinamento, conhecia seu jeito de andar e sua sombra, e mil outras coisas impressas em meu coração.
Quando ele chegou perto, fez uma reverência desnecessária.
— Jarro — ele sussurrou, para depois erguer a cabeça e seguir seu caminho.
Permaneci ali por um instante, confusa, mas logo entendi o que ele quis dizer. Lutando contra a vontade de correr, atravessei o corredor morta de ansiedade.
Abri a porta e fiquei ao mesmo tempo surpresa e aliviada de ver que minhas três criadas não estavam.
Fui até o jarro sobre o criado-mudo e reparei que a minha única moedinha tinha companhia. Abri a tampa e peguei a folha de papel dobrada. Que esperteza a dele: as criadas nunca notariam. E se notassem, não invadiriam minha privacidade.
Abri o bilhete e li uma série de instruções muito claras. Parecia que Aspen e eu tínhamos um encontro naquela noite.


As instruções dadas por Aspen eram complicadas. Tomei um caminho indireto para chegar ao primeiro andar, onde deveria procurar pela porta próxima a um vaso de um metro e meio de altura. Lembrava-me de tê-lo visto nas minhas andanças pelo palácio. Que tipo de flor precisaria de um vaso tão grande?
Encontrei a porta e olhei para os lados para garantir que não havia ninguém por perto. Nunca tinha conseguido me ver livre dos olhos dos guardas. Nenhum à vista. Abri a porta devagar e entrei na ponta dos pés. O brilho da lua atravessava a janela. Essa pouca iluminação me deixava um tanto nervosa.
— Aspen? — sussurrei na escuridão, cheia de medo, mas me sentindo meio boba ao mesmo tempo.
— Como nos velhos tempos, hein? — sua voz respondeu, embora eu não pudesse vê-lo.
— Onde você está? — perguntei, olhando para os lados na tentativa de encontrar sua silhueta.
A sombra das pesadas cortinas da janela balançou à luz da lua, e Aspen surgiu por detrás delas.
— Você me assustou — reclamei, de brincadeira.
— Não foi a primeira vez nem será a última — disse ele, e pude notar por sua voz que ele sorria.
Caminhei até ele, não sem tropeçar em todos os obstáculos daquele cômodo.
— Shhh! — reclamou ele, mas eu sabia que era brincadeira. — O palácio inteiro vai saber que estamos aqui se você continuar arrastando as coisas desse jeito.
— Desculpe — ri baixo. — Podemos acender a luz?
— Não. Se alguém notar o brilho debaixo do vão da porta, podemos ser pegos. Esta sala não é muito vigiada, mas não quero vacilar.
Estendi a mão para tentar encontrá-lo. Consegui tocar seu braço e ele me puxou para me dar um abraço. Depois, caminhamos para o fundo da sala.
— Aliás, como você sabia deste lugar?
— Eu sou guarda — ele disse sem pestanejar. — E sou muito bom no que faço. Conheço todo o palácio, tanto por fora como por dentro. Cada caminho, cada esconderijo, mesmo os cômodos mais secretos. Por acaso também conheço as rotas de patrulha, as áreas menos vigiadas e as horas em que há menos guardas no palácio. Se um dia você quiser espionar o palácio, eu sou o cara para ajudá-la.
— Incrível — balbuciei.
Nos sentamos atrás do amplo encosto de um sofá. O chão estava coberto pela luz da lua. Por fim, vi o rosto de Aspen.
Perguntei a ele, muito séria:
— Você tem certeza de que isso é seguro?
Se ele hesitasse por um segundo, eu sairia correndo imediatamente. Para o bem de ambos.
— Confie em mim, Meri. Uma série de coisas extraordinárias teria que acontecer para que nos encontrassem aqui. Estamos seguros.
Minha preocupação persistiu mesmo assim. Só que precisava tanto de conforto, que decidi seguir com aquilo.
Ele me envolveu em seus braços e me puxou para si.
— Como vão as coisas?
Respirei fundo.
— Tudo bem, acho. Muita tristeza, muita raiva. Meu maior desejo é apagar os últimos dois dias e trazer Marlee de volta. Carter também, embora nem o conhecesse.
— Eu o conhecia — e foi a vez de Aspen respirar fundo. — Grande cara. Parece que ele disse a Marlee o tempo todo que a amava e tentou ajudá-la a suportar aquela tortura.
— É verdade — confirmei. — Pelo menos no começo. Fui tirada de lá antes de terminar.
Aspen beijou minha testa.
— É, ouvi falar sobre isso também. Estou orgulhoso de você por não ter saído de lá sem brigar. É a minha garota.
— Meu pai também estava orgulhoso. A rainha disse que eu não devia agir daquele modo, mas que estava feliz por mim. Confuso. Como se quase tivesse sido uma boa ideia, mas não. E, no final, não mudou nada.
Aspen apertou-me.
— Foi uma boa ideia. Significou muito para mim.
— Para você?
Ele respirou fundo, mais uma vez.
— De vez em quando, fico pensando sobre como a Seleção fez você mudar. Você está rodeada de cuidados, e tudo é tão maravilhoso. Pergunto-me se você é a mesma America. Sua atitude me mostrou que você é, que eles ainda não te ganharam.
— Ah, eles já me ganharam, mas não a esse ponto. Na maior parte do tempo, este lugar me lembra de que não nasci para isso.
Reclinei a cabeça no peito de Aspen, o lugar seguro em que me escondia sempre que as coisas ficavam feias.
— Ouça, Meri, em relação a Maxon, ele é um ator. Sempre com a expressão perfeita, como se estivesse acima do bem e do mal. Mas ele é só uma pessoa, e tem problemas como todo mundo. Sei que você se preocupa com ele, ou não estaria aqui. Mas você precisa saber que não é real.
Concordei com a cabeça. Maxon e toda aquela conversa de manter a calma. Era isso que fazia sempre? Será que atuava quando estávamos juntos? Como eu ia saber?
Aspen prosseguiu:
— É melhor você saber agora. E se você descobrisse depois do casamento que as coisas são assim?
— Eu sei. Andei pensando nisso.
As palavras de Maxon na pista de dança se repetiam muitas vezes na minha cabeça. Ele parecia tão certo sobre nosso futuro, preparado para me dar tanto... Eu realmente tinha acreditado que tudo o que ele queria era a minha felicidade. Será que ele não reparava como eu estava infeliz?
— Você tem um coração grande, Meri. Eu sei que você não consegue simplesmente deixar as coisas para trás. Mas não há nada de errado em desejar. É isso.
— Me sinto tão idiota — falei em voz baixa e embargada.
— Você não é idiota.
— Sou sim.
— Meri, você me acha inteligente?
— Claro.
— É porque eu sou. Na verdade, sou inteligente demais para amar uma menina idiota. Então trate de parar com isso agora.
Ri baixo e deixei Aspen me abraçar.
— Sinto que magoei tanto você. Não entendo como você ainda pode me amar — admiti.
Ele deu de ombros.
— As coisas são assim. O céu é azul, o sol é quente, e Aspen ama America para sempre. O mundo foi feito para ser assim. De verdade, Meri, você é a única garota que desejei na vida. Não posso imaginá-la com outra pessoa. Tentei me preparar para isso, caso acontecesse, e... não consegui.
Passamos uns instantes ali, sentados e abraçados. As carícias dos dedos de Aspen e o calor da sua respiração eram um remédio para o meu coração.
— Não podemos ficar muito tempo mais aqui — ele disse. — Confio muito na minha habilidade, mas não quero forçar.
Deixei escapar um suspiro. Parecia que tínhamos acabado de chegar, mas ele provavelmente tinha razão. Comecei a me levantar e Aspen deu um salto e me puxou para cima, emendando um abraço, o último.
— Sei que é difícil de acreditar, mas sinto muito por Maxon ter se mostrado tão ruim. Queria você de volta, mas não queria vê-la magoada. Principalmente, não desse jeito.
— Obrigada.
— É sério.
— Eu sei.
Aspen tinha seus defeitos, mas a mentira não era um deles.
— Ainda não acabou — eu alertei. — Não enquanto eu estiver aqui.
— É, mas eu conheço minha garota. Você vai continuar para que sua família receba o dinheiro e a gente possa se ver. Só que Maxon só teria uma chance se pudesse voltar no tempo.
Respirei fundo. Aspen talvez estivesse certo. Minha relação com Maxon se desfazia aos poucos, como um casaco que eu estivesse desabotoando.
— Não se preocupe, Meri. Tomarei conta de você.
Aspen não tinha como provar suas palavras naquele momento, mas eu acreditei. Ele fazia tudo por aqueles que amava. E eu tinha certeza absoluta de ser a pessoa que ele mais amava.


Na manhã seguinte, deixei meus pensamentos voarem até Aspen enquanto me arrumava, durante o café e, mais tarde, ao longo das minhas horas no Salão das Mulheres. Estava alegre até que o barulho de uma pilha de papéis atirada em minha mesa chacoalhou-me de volta ao mundo real.
Levantei os olhos e vi Celeste, ainda exibindo um lábio inchado. Ela apontou para uma das suas revistas de fofoca e abriu um artigo de duas páginas. Em menos de um segundo, reconheci o rosto de Marlee, mesmo contorcido pela dor dos açoites.
— Acho que você deveria ver isso — sugeriu Celeste, antes de retirar-se.
Não sabia bem o que ela queria com aquilo, mas estava tão ansiosa para saber qualquer coisa de Marlee que me concentrei no texto.

Dentre todas as grandes tradições de nosso país, talvez nenhuma seja celebrada com tanto entusiasmo como a Seleção. Criada especialmente para trazer alegria a uma nação entristecida, parece que todos ainda ficam um tanto hipnotizados pelo desenrolar da história de amor entre um príncipe e sua futura princesa. Quando Gregory Illéa assumiu o trono – há mais de oitenta anos – e seu filho mais velho, Spencer, morreu repentinamente, o país inteiro chorou a perda daquele jovem enigmático e promissor. Quando seu filho mais novo, Damon, foi apontado como sucessor ao trono, muitos duvidaram se, aos dezoito anos, ele estaria sequer pronto para receber a formação que o cargo exige. Mas Damon sabia-se preparado para cruzar a porta da vida adulta e decidiu prová-lo por meio do maior compromisso da vida: o casamento. Poucos meses depois, nascia a Seleção, e a moral do país subiu com a possibilidade de uma garota comum tornar-se a primeira princesa de Illéa.
No entanto, desde então fomos forçados a questionar a eficácia de tal competição. Embora seja, no fundo, uma ideia romântica, alguns dizem que é injusto forçar o príncipe a casar-se com uma mulher de casta inferior. Por outro lado, ninguém pode negar a prudência e a beleza da nossa atual rainha, Amberly Station Schreave. Alguns de nós ainda se lembram dos rumores acerca de Abby Tamblin Illéa, que teria envenenado o marido, príncipe Justin Illéa, nos primeiros anos do casamento, para depois concordar em casar-se com o primo deste, Porter Schreave, mantendo a linha real intacta.
Apesar de tal rumor nunca ter sido confirmado, o que podemos dizer ao certo é que o comportamento das mulheres no palácio a essa altura não é senão escandaloso. Marlee Tames, hoje uma Oito, foi pega com um guarda que a despia em um armário, na segunda-feira, após a festa de Halloween, anunciada como o destaque dos programas sobre a Seleção na TV. O esplendor do baile, no entanto, foi totalmente ofuscado pelo comportamento inconsequente da senhorita Tames, o que deixou o palácio ainda mais à flor da pele já na manhã seguinte.
Contudo, pondo de lado as ações injustificáveis da senhorita Tames, as garotas remanescentes no palácio talvez também não sejam dignas da coroa. Uma fonte não identificada contou-nos que algumas moças da Elite não se bicam e que raramente esforçam-se para cumprir seus deveres. Todos se lembram da exclusão de Anna Farmer no começo de setembro depois de atacar gratuitamente a adorável Celeste Newsome, modelo de Clermont. E nossa fonte confirma que esse não foi o único caso em que as competidoras partiram para as vias de fato no palácio, o que força esse jornalista a questionar o grupo de moças escolhidas para o nosso príncipe Maxon.
Pedimos ao rei Clarkson que comentasse esses rumores. Em suas palavras: “Algumas dessas garotas vêm de castas menos refinadas e não estão familiarizadas com o comportamento esperado no palácio. Evidentemente, a senhorita Tames não estava preparada para a vida de uma Um. Minha esposa possui uma qualidade peculiar e indescritível que a torna uma rara exceção entre as castas inferiores. Sempre foi capaz de elevar-se até o nível próprio de uma rainha, e seria um grande desafio encontrar alguém mais adequada ao trono que ela. Mas no caso de algumas das participantes de casta inferior na atual Seleção, devo reconhecer que já esperávamos isso”.
Embora Natalie Luca e Elise Whisks sejam Quatro, sempre exibiram o maior dos refinamentos diante do público; a senhorita Elise principalmente, que é bastante sofisticada. Somos forçados a deduzir que nosso rei se refere a America Singer, a única Cinco a ir além do primeiro dia. O desempenho da senhorita Singer na Seleção tem sido razoável. Ela é suficientemente bela, mas não é bem o que Illéa espera de sua nova princesa. De vez em quando, suas entrevistas no Jornal Oficial de Illéa são divertidas, mas precisamos de uma nova líder, não de uma comediante.
Outra notícia problemática: ouvimos relatos de que a senhorita Singer tentou livrar a senhorita Tames de sua punição, ato que, aos olhos desse repórter, faz dela uma cúmplice das atividades traiçoeiras de que a senhorita Tames participou, mostrando infidelidade ao nosso príncipe.
Diante de tantos relatos (e com Tames longe do primeiro lugar), permanece a pergunta: quem deve ser a nova princesa?
Uma rápida pesquisa com leitores confirmou aquilo que suspeitávamos há tempos.
Parabenizamos as senhoritas Celeste Newsome e Kriss Ambers por seu empate no primeiro lugar da pesquisa. Elise Whisks está em terceiro lugar, com Natalie Luca logo atrás. Bem atrás do quarto lugar, aparece America Singer em quinto e (como esperado) último lugar.
Penso falar por toda Illéa quando encorajo o príncipe Maxon a realizar com calma a tarefa de escolher-nos uma nova princesa. Evitamos por pouco um desastre com a senhorita Tames ao expor sua verdadeira natureza antes de a coroa ser posta sobre sua cabeça. Não importa quem seja a sua amada, príncipe Maxon, tenha certeza de que ela é digna. Queremos amá-la também.

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