Onze

Oi, gatinha,
Mil perdões por não termos conseguido nos despedir. O rei achou que seria mais seguro que as famílias partissem o mais rápido possível. Tentei encontrar você, juro. Só que não consegui.
Queria que soubesse que chegamos bem em casa. O rei nos deixou ficar com as roupas, e May passa todo o seu tempo livre com os vestidos. Suspeito que ela deseja não crescer nem um centímetro mais para poder usar sua fantasia quando casar. Isso a deixa muito animada. Não sei se algum dia perdoarei a família real por forçar duas filhas minhas a assistir àquilo ao vivo. Mas você sabe como May aguenta bem essas coisas. É com você que estou preocupado. Escreva-nos logo.
Talvez essa não seja a coisa certa a dizer, mas quero que saiba: quando você correu para o palanque, nunca tive tanto orgulho de você em toda a minha vida. Você sempre foi bonita; sempre teve talento. E agora eu sei que o seu senso de justiça é bem afiado, que você percebe claramente quando as coisas estão erradas e faz tudo que pode para pôr fim a elas. Não posso pedir mais como seu pai.
Te amo, America. Estou muito, muito orgulhoso.
Papai

Como meu pai sempre sabia o que dizer? Cheguei a desejar que alguém realinhasse as estrelas para que elas formassem essa frase. Precisava que ficassem grandes e brilhantes, em algum lugar onde eu as enxergasse nos momentos de escuridão. Te amo, America. Estou muito, muito orgulhoso.
Os membros da Elite tinham a opção de tomar café no quarto, e foi o que fiz. Ainda não estava pronta para ver Maxon. À tarde, mais recomposta, decidi descer ao Salão das Mulheres por um momento. Pelo menos, lá havia uma TV, e eu agradeceria por uma distração.
As garotas se surpreenderam com a minha entrada, o que eu já esperava de certa forma. Eu costumava me esconder de vez em quando, e certamente nunca tinha precisado tanto. Celeste relaxava no sofá, folheando uma revista. Em Illéa não havia jornais como diziam haver em outros países. Tínhamos o Jornal Oficial. As revistas eram o mais próximo que tínhamos de um jornal impresso, e pessoas como eu nunca podiam comprá-las. Celeste parecia ter uma sempre à mão e, por algum motivo, isso me irritou naquele dia.
Kriss e Elise estavam à mesa, tomando chá e conversando. Já Natalie estava no fundo do salão, olhando pela janela.
— Olhem só — Celeste se dirigiu a todas nós. — Mais um dos meus anúncios.
Celeste era modelo. Saber que estava ali folheando fotos de si mesma me irritou ainda mais.
— Senhorita America? — alguém chamou.
Olhei para trás e lá estava a rainha com alguma de suas damas de companhia no canto. Parecia estar costurando.
Saudei-a com a cabeça e ela devolveu o cumprimento com um aceno. Meu estômago gelou ao me lembrar de meu comportamento no dia anterior. Nunca tive a intenção de ofendê-la e, de repente, temi haver feito exatamente isso. Sentia os olhos das outras meninas sobre mim. A rainha geralmente falava conosco em grupo, raramente em particular.
Fiz outra reverência e me aproximei.
— Majestade.
— Por favor, sente-se, senhorita America — ela disse calmamente, apontando uma cadeira vazia à sua frente.
Agradeci, ainda muito nervosa.
— Você brigou bastante ontem — comentou ela.
Engoli em seco.
— Sim, Majestade.
— Você era muito próxima dela?
— Sim, Majestade — respondi, com a tristeza entalada na garganta.
Ela suspirou.
— Uma dama não deve portar-se daquele modo. As câmeras estavam tão focadas no fato principal que perderam sua atuação. Ainda assim, não convém se descontrolar daquela maneira.
Não se tratava de uma ordem da rainha. Tratava-se da censura de uma mãe. Aquilo deixou tudo umas mil vezes pior. Era como se ela se sentisse responsável por mim, e eu a tinha desapontado.
Inclinei a cabeça. Pela primeira vez, me senti verdadeiramente mal por minha reação.
Ela estendeu o braço e apoiou a mão sobre meu joelho. Olhei para seu rosto, atônita com aquele toque informal.
— Em todo caso — cochichou — estou feliz que você tenha agido daquela forma — concluiu, com um sorriso nos lábios.
— Ela era minha melhor amiga.
— A amizade não acaba por ela ter ido embora, minha cara — suas palavras vieram acompanhadas de carícias suaves na minha perna.
Era disso que eu precisava: carinho materno.
Lágrimas brotaram no canto dos meus olhos.
— Não sei o que fazer — sussurrei.
Quase falei tudo ali, sobre como estava me sentindo, mas tinha consciência do olhar das outras meninas.
— Disse a mim mesma que não me envolveria — afirmou ela, e suspirou. — Mesmo se quisesse, não sei ao certo se teria muito a dizer.
Ela tinha razão. Que palavras mudariam o acontecido?
A rainha, então, se inclinou para mim e falou muito docemente:
— Em todo caso, pegue leve com ele.
Sabia que ela tinha boas intenções, mas, de verdade, eu não queria falar com ela sobre seu filho. Concordei com a cabeça e me levantei. Ela abriu um sorriso gentil e me dispensou com um gesto. Caminhei para lá e para cá até me sentar na mesa de Elise e Kriss.
— Como você está? — Elise perguntou, de forma simpática.
— Estou bem. É Marlee quem me preocupa.
— Pelo menos estão juntos. Vão sobreviver enquanto tiverem um ao outro — comentou Kriss.
— Como você sabe que Marlee e Carter estão juntos?
— Maxon me contou — ela respondeu, como se aquilo fosse de conhecimento comum.
— Ah — eu disse, desapontada.
— Não acredito que ele não contou para você antes de nos falar. Você e Marlee eram tão próximas. Além disso, você é a preferida dele, certo? — falou Kriss.
Olhei para Kriss, depois para Elise. Ambas tinham um ar preocupado, mas talvez também uma certa expressão de alívio.
Celeste riu.
— Evidentemente, não é mais — murmurou, sem sequer levantar os olhos da revista.
Com certeza, minha queda era esperada.
Eu levei a conversa de volta à Marlee.
— Ainda não acredito que Maxon a fez passar por isso. A calma dele durante tudo aquilo era medonha.
— Mas ela fez uma coisa errada — frisou Natalie, sem qualquer tom de julgamento na voz; apenas uma aceitação serena, como se seguisse ordens.
Elise entrou na conversa:
— Ele podia ter matado os dois. A lei estava ao seu lado. Ele mostrou misericórdia.
— Misericórdia? — desdenhei. — Você acha que mandar esfolar os outros em público é uma demonstração de misericórdia?
— No fim das contas, acho — continuou ela. — Aposto que se perguntássemos a Marlee, ela preferiria os golpes à morte.
— Elise está certa — afirmou Kriss. — Concordo que foi absolutamente terrível, mas eu sou mais aquilo do que morrer.
— Por favor — repliquei com sarcasmo e uma ponta de raiva. — Você é uma Três. Todo mundo sabe que seu pai é um professor universitário famoso, e que você passou a vida em bibliotecas, sempre bastante confortável. Nunca sobreviveria à surra, muito menos à vida como uma Oito. Imploraria para morrer.
Kriss me encarou:
— Não vá achando que você sabe o que eu posso aguentar ou não. Só porque você é uma Cinco acha que é a única pessoa que já sofreu?
— Não, mas tenho certeza de que já enfrentei bem mais coisas que você — argumentei, meu tom de voz aumentando com a raiva. — Mesmo assim, não suportaria passar pelo que Marlee passou. E você não se sairia nem um pouco melhor.
— Sou mais corajosa do que você acha, America. Você não faz ideia das coisas que tive que sacrificar ao longo dos anos. E quando cometo um erro, arco com as consequências.
— E por que deveriam existir consequências? — questionei. — Maxon vive dizendo que a Seleção é difícil para ele, que é duro escolher, e então uma de nós se apaixona por outro. Ele não deveria agradecer essa garota por facilitar a decisão?
Natalie, angustiada, tentou intervir de qualquer modo:
— Ontem, ouvi a coisa mais bizarra!
— Mas a lei... — Kriss falou por cima.
— America tem um pouco de razão — contrapôs Elise, e foi o fim da ordem na conversa.
Falávamos uma em cima da outra, tentando nos fazer ouvir, explicando o porquê de achar que aquilo tinha sido certo ou errado. Era a primeira vez que discutíamos assim, mas esperava isso desde o começo. Com esse monte de meninas juntas, competindo entre si, não haveria como não brigarmos algum dia.
Foi então que, com a voz dissonante, Celeste sussurrou para sua revista enquanto discutíamos:
— Ela teve o que mereceu. Biscate.
O silêncio que se seguiu foi tão intenso quanto a discussão.
Celeste olhou para trás a tempo de me ver preparar o bote. Ela gritou assim que caí por cima dela, e ambas caímos em cima da mesa de café. Escutei uma coisa despedaçar-se no chão, provavelmente uma xícara.
Tinha fechado os olhos no meio do salto; quando abri, Celeste estava embaixo de mim, tentando segurar meus pulsos. Desvencilhei meu braço direito e dei um tapa na cara o mais forte que pude. A dor em minha mão foi quase insuportável, mas valeu a pena ouvir o estalo sonoro explodir em seu rosto com o meu golpe.
Celeste imediatamente soltou um grito e passou às unhadas. Pela primeira vez, lamentei não deixar as unhas grandes como as outras meninas faziam. Fiquei com uns arranhões no braço, o que apenas aumentou o meu ódio, e bati nela de novo. Dessa vez, cortei seu lábio. Sua reação à dor foi pegar algo do chão – o pires da xícara, acho – e acertá-lo na minha orelha.
Caí para trás, mas logo parti para cima de novo. Só que nos separaram. Estava tão absorta que não percebi que os guardas tinham sido chamados. Dei um bofetão neles também. Estava farta de ser agarrada.
— Você viu o que ela fez comigo? — gritou Celeste.
— Cale a sua boca! — berrei. — Nunca mais fale de Marlee!
— Ela é louca! Você ouviu? Você viu o que ela fez?
— Me solte! — exclamei, lutando contra o guarda.
— Você é uma psicopata! Vou contar tudo para Maxon agora. Pode dar adeus ao palácio! — Celeste ameaçou.
— Ninguém verá Maxon agora — disse a rainha, em tom severo.
Ela olhou ambas nos olhos; primeiro Celeste, depois eu. Sua decepção era notória.
— Vocês duas vão para a ala hospitalar.


A ala hospitalar consistia em um corredor impecável com leitos encostados nas paredes. Sobre cada leito, havia uma cortina que podia ser puxada para dar mais privacidade. Havia armários com suprimentos médicos espalhados por toda parte.
Sabiamente, puseram Celeste e eu em pontas opostas do corredor: ela mais perto da entrada; eu, próxima à janela dos fundos. Ela puxou a cortina em volta de seu leito quase que imediatamente, para não precisar me ver. Não podia culpá-la. De fato, eu estava com uma expressão bem arrogante no rosto. Mesmo nos momentos em que a enfermeira cuidava do machucado atrás da minha orelha – onde Celeste acertou seu golpe – não fiz qualquer careta de dor.
— Agora você segura este gelo aqui. Vai ajudar a desinchar — orientou ela.
— Obrigada — respondi.
A enfermeira olhou para os dois lados da ala, aparentemente certificando-se de que ninguém nos ouviria.
— Você foi muito bem — ela cochichou. — Quase todos aqui esperavam que isso fosse acontecer.
— Mesmo? — perguntei, minha voz tão baixa como a dela.
Só que talvez eu não devesse estar tão sorridente.
— Não dá para enumerar as histórias de terror que ouvi sobre essa aí — disse, esticando o pescoço na direção do leito de Celeste.
— Histórias de terror?
— Bom, ela provocou aquela menina que bateu nela.
— Anna? Como você sabe?
— Maxon é um bom homem — ela disse. — Fez questão de que ela fizesse uma avaliação aqui antes de voltar para casa. Ela nos contou o que Celeste disse de seus pais. Uma imundície tão grande que não posso repetir — mas o olhar dela transmitia seu asco.
— Pobre Anna. Sabia que tinha sido uma coisa do gênero.
— Certa vez, atendemos uma menina com o pé sangrando; alguém havia enfiado cacos de vidro em seus sapatos durante a noite. Não podemos provar que foi Celeste, mas quem além dela faria tamanha baixaria?
— Nunca ouvi falar disso — comentei, espantada.
— A garota tinha medo que as coisas piorassem. Imagino que escolheu ficar de boca fechada. Além do mais, Celeste bate em suas criadas. Com as mãos limpas, mas mesmo assim elas sempre aparecem aqui em busca de gelo.
— Não!
Todas as criadas que conhecia eram muito doces. Não podia imaginar nenhuma capaz de fazer algo que merecesse um só tapa, quanto mais surras regulares.
— Basta dizer que seu espetáculo já anda de boca em boca. Você é uma heroína aqui — disse a enfermeira, piscando o olho para mim.
Não me sentia uma heroína.
— Um momento — eu disse, de repente. — Você falou que Maxon fez Anna passar por aqui antes de ir embora?
— Sim, senhorita. Ele se esforça muito para que todas vocês sejam bem cuidadas.
— E Marlee? Ela também veio aqui? Como foi quando ela saiu?
Antes de a enfermeira responder, a voz afetada de Celeste ecoou pelo corredor.
— Maxon, meu amor! — ela exclamou assim que ele cruzou a porta.
Trocamos olhares por um momento antes de ele se aproximar do leito de Celeste. A enfermeira retirou-se, deixando-me só e morta de vontade de saber se ela tinha visto Marlee.
A voz esganiçada de Celeste era praticamente insuportável. Ouvi Maxon murmurar seus lamentos e confortar aquela criatura infeliz antes de escapar. Ele contornou o leito e caminhou na minha direção, com os olhos cravados em mim. Parecia exausto.
— Você tem sorte de o meu pai ter proibido as câmeras no palácio. Caso contrário, passaríamos maus bocados por causa de suas ações.
Ele levava as mãos à cabeça, irritado.
— Como vou justificar isso, America? — perguntou, afinal.
— Então você vai me enxotar?
— Claro que não.
— E ela? — perguntei com a cabeça voltada para o leito de Celeste.
— Não. Vocês todas estão desgastadas depois de ontem. Não posso culpá-las por isso. Não sei se meu pai aceitará essa desculpa, mas é o que vou dizer.
Fiz uma pausa.
— Maxon, você devia dizer que a culpa foi minha. Talvez você devesse simplesmente me mandar embora.
— America, você está exagerando.
— Olhe para mim, Maxon — pedi. Sentia um nó crescer na garganta e queria desfazê-lo com minhas palavras. — Sei desde o começo que não tenho os requisitos. Pensei que pudesse, sei lá, mudar ou dar um jeito. Mas não posso ficar aqui. Não posso.
Maxon sentou-se à beira do meu leito.
— America, você talvez odeie a Seleção, e talvez esteja furiosa com o que aconteceu com Marlee, mas sei que você se importa comigo o bastante para não me abandonar assim.
Segurei a mão dele.
— Também me importo com você o bastante para dizer que está cometendo um erro.
Notei a dor no rosto de Maxon, que apertou mais a minha mão, como se pudesse me prender ali e não me deixar sumir. Um pouco hesitante, ele se inclinou e disse ao meu ouvido:
— Não é sempre tão difícil. Quero mostrar isso a você, mas você tem que me dar tempo. Posso provar que há coisas boas nessa vida, mas você precisa esperar.
Me preparei para contradizê-lo, mas ele interrompeu:
— Por semanas, America, você tem me pedido tempo, e eu dei sem hesitar, porque tinha fé em você. Por favor, preciso que você tenha um pouco mais de fé em mim.
Não sei o que Maxon me mostraria para me fazer mudar de ideia, mas como eu não lhe daria tempo se ele fez isso por mim? Respirei fundo.
— Tudo bem.
— Obrigado — era óbvio o alívio em sua voz. — Preciso ir, mas logo voltarei para vê-la.
Concordei. Maxon levantou-se e saiu, não sem antes parar rapidamente no leito de Celeste para despedir-se. Observei-o partir, pensando se confiar nele era uma má ideia.

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