Vinte e Três

FIZ UMA REVERÊNCIA À RAINHA, que entrou pela sala de jantar, mas ela não percebeu. Olhei para Elise, a única que já estava lá, e ela deu de ombros. Sentei-me no momento em que Natalie e Celeste entraram para serem igualmente ignoradas. Por fim, Kriss chegou e tomou o assento ao meu lado, mas com os olhos fixos na rainha Amberly. A rainha parecia estar em seu mundo particular; olhava para o chão e, de vez em quando, para os assentos de Maxon e do rei, como se algo estivesse errado.
Os mordomos começaram a servir a comida, e começamos a comer. Kriss, porém, continuava atenta à mesa principal.
— Você sabe o que aconteceu? — eu cochichei.
Kriss soltou um suspiro e voltou-se para mim.
— Elise telefonou para sua família a fim de ter alguma pista do que estava acontecendo e marcar um encontro de seus parentes com Maxon e o rei assim que chegassem na Nova Ásia. Só que a família de Elise disse que os dois não chegaram.
— Não chegaram?
Kriss fez que sim com a cabeça.
— A parte estranha é que o rei ligou ao aterrissar. Tanto ele como Maxon conversaram com a rainha Amberly. Estavam bem e disseram estar na Nova Ásia. Ainda assim, a família de Elise continua a dizer que os dois não apareceram.
Franzi a testa tentando compreender aquilo.
— O que isso tudo quer dizer?
— Não sei — ela admitiu. — Eles disseram que estavam lá. Como podem não estar? Não faz sentido.
— Hmm — foi minha reação.
Não sabia o que acrescentar. Será que a família de Elise poderia não saber que os dois estavam lá? E se, na verdade, eles não estivessem na Nova Ásia? Onde estariam?
Kriss inclinou-se para o meu lado.
— Há algo mais que eu gostaria de falar com você — ela cochichou. — Podemos sair para uma caminhada nos jardins depois do café?
— Claro — respondi, ansiosa por ouvir o que ela sabia.
Nós duas comemos rapidamente. Não sabia direito o que Kriss havia descoberto, mas se ela queria falar na parte externa, era claramente sigiloso. A rainha estava tão distraída que mal notou nossa saída.
A sensação de caminhar pelo jardim ensolarado era maravilhosa.
— Faz tempo que não venho aqui fora — comentei, com os olhos fechados e o rosto inclinado para o sol.
— Você geralmente vem aqui com Maxon, certo?
— Ahã — respondi, e imediatamente depois comecei a me perguntar como ela sabia disso. Todos sabiam disso?
Limpei a garganta e dei o primeiro passo.
— E então, do que quer falar?
Ela parou sob a sombra de uma árvore e me encarou.
— Acho que você e eu devemos falar sobre Maxon.
— O que tem ele?
Kriss se inquietou.
— Bem, eu estava preparada para a derrota. Acho que todas nós estávamos, com exceção de Celeste. Era óbvio, America. Ele queria você. E então aconteceu tudo aquilo com Marlee, e as coisas mudaram.
Eu não sabia o que dizer.
— Então você veio dizer que sente muito por estar na frente e tal?
— Não! — exclamou ela. — Eu vejo que ele ainda gosta de você. Não sou cega. Só quero dizer que talvez estejamos empatadas neste momento. E eu gosto de você. Acho você uma pessoa ótima, e não quero que as coisas fiquem feias entre nós, não importa o resultado.
— E...?
Kriss começou a esfregar as mãos, tentando pensar nas palavras certas.
— E estou aqui me dispondo a ser completamente honesta sobre minha relação com Maxon, na esperança de que você faça o mesmo.
Cruzei os braços e disparei a pergunta que não aguentava mais segurar:
— Como vocês dois ficaram tão próximos?
Os olhos dela ficaram meio nebulosos enquanto ela brincava com uma ponta do cabelo castanho-claro.
— Acho que logo depois do caso da Marlee. Talvez pareça idiota, mas fiz um cartão para ele. É o que sempre fazia na minha cidade quando meus amigos ficavam tristes. Em todo caso, ele adorou. Me disse que ninguém tinha lhe dado um presente antes.
O quê? Uau. Depois de tudo o que ele fizera por mim, eu realmente nunca tinha retribuído?
— Ficou tão feliz que me chamou para sentar um pouco com ele em seu quarto e...
— Você viu o quarto dele? — perguntei, em estado de choque.
— Sim. Você não?
Meu silêncio foi a resposta.
— Ah — ela disse, um pouco constrangida. — Bem, você não perdeu nada. É escuro, com uma estante de armas e um monte de fotos espalhadas na parede. Nada especial — assegurou. — Em todo caso, depois disso, ele começou a me visitar em quase todos os seus momentos livres.
Kriss fez uma pausa e balançou a cabeça.
— Aconteceu meio rápido — ela concluiu.
Soltei um suspiro.
— Ele realmente comentou comigo — confessei. — E também comentou que precisava de nós duas aqui.
— Então... — ela mordeu os lábios. — Você tem certeza de que ele ainda gosta de você?
Será que ela já não tinha suspeitado? Precisava ouvir da minha boca?
— Kriss, você quer mesmo ouvir tudo isso?
— Sim! Quero saber a minha posição. E vou contar qualquer coisa que você queira saber. Não estamos no comando, mas não precisamos ficar totalmente perdidas.
Tentei entender tudo aquilo. Não sabia se era corajosa o bastante para perguntar sobre Kriss a Maxon. Mal podia conversar honestamente com ele sobre mim. Mas ainda tinha a sensação de não saber toda a verdade sobre a minha posição. Talvez essa fosse a minha única esperança de saber.
— Tenho certeza de que ele quer que eu fique por um tempo. Mas acho que ele quer você aqui também — falei.
— Imaginei.
— Ele beijou você? — disparei.
Ela sorriu encabulada.
— Não, mas acho que teria beijado se eu não tivesse impedido. Na minha família, temos uma espécie de tradição: não beijamos até o dia do noivado. Às vezes, damos uma festa quando o casal anuncia a data de casamento, e todos veem o primeiro beijo dos dois. Quero isso para mim.
— Mas ele tentou?
— Não. Expliquei a situação antes de chegarmos a esse ponto. Ele sempre beija as minhas mãos, e as minhas bochechas, às vezes. Acho bonito — ela contou, encantada.
Concordei com a cabeça, olhando para a grama.
— Espere! — disse ela, hesitante. — Ele beijou você?
Parte de mim queria se gabar de ter sido a primeira pessoa a beijá-lo, queria contar que o tempo parava quando nos beijávamos.
— Mais ou menos. É difícil explicar.
Ela fez uma careta.
— Não, não é. Beijou ou não?
— É complicado.
— America, se você não vai ser sincera comigo, isto é uma perda de tempo. Vim aqui para me abrir com você. Pensei que seria bom para nós duas sermos amigas.
Fiquei parada, balançando as mãos, pensando em um modo de me explicar. Não é que eu não gostasse de Kriss. Se voltasse para casa, torceria por ela.
— Eu quero ser sua amiga, Kriss. Pensei até que já fôssemos.
— Eu também — ela disse, com delicadeza.
— Só que é difícil para mim falar sobre a minha intimidade. Aprecio sua honestidade, mas não tenho certeza de que quero saber tudo. Embora eu tenha perguntado — acrescentei depressa, vendo que ela ia falar alguma coisa — já sabia que ele sentia algo por você. Eu vi. Acho que preciso que as coisas sejam vagas por enquanto.
Ela sorriu.
— Respeito isso. Você me faria um favor, mesmo assim?
— Claro, se eu puder.
Ela mordeu os lábios e desviou o olhar por um tempo. Quando se voltou para mim, era possível ver as lágrimas em seus olhos.
— Se um dia você tiver certeza de que ele não me quer, você poderia me contar? Não sei como você se sente, mas eu amo ele. E gostaria de ser avisada. Apenas se você tiver certeza, em todo caso.
Ela o amava. Disse em alto e bom som. Kriss amava Maxon.
— Se ele já tivesse me dito, você saberia — falei.
Ela inclinou a cabeça.
— E será que podemos prometer outra coisa? Não atrapalhar a outra de propósito? Não quero ganhar assim, e acho que você também não quer.
— Não sou nenhuma Celeste — eu disse, com uma cara de nojo. Ela riu. — Prometo ser justa.
— Muito bem.
Ela enxugou os olhos e endireitou o vestido. Eu via como ela ficaria à vontade, elegante, com a coroa na cabeça.
— Preciso ir — menti. — Obrigada pela conversa.
— Obrigada por vir. Desculpe-me se fui invasiva demais.
— Está tudo bem — eu disse, me afastando. — Vejo você mais tarde.
— O.k.
Dei meia-volta o mais rápido que pude sem parecer grossa e tomei o caminho para o palácio. Assim que entrei, apertei o passo e trotei até as escadas, morta de vontade de me esconder.
Cheguei ao segundo andar e fui para o meu quarto. Vi um pedaço de papel no chão, coisa rara em um palácio geralmente imaculado. Estava bem na esquina do corredor que dava para a porta do meu quarto. Logo, devia ser para mim. Para ter certeza, abri o bilhete e li.

Outro ataque rebelde ocorreu esta manhã, desta vez em Paloma. O número de mortos já atingiu a casa dos trezentos, com pelo menos outras cem pessoas feridas. Mais uma vez, a principal exigência dos rebeldes era o fim da Seleção, e o fim da linhagem real. Por favor, precisamos de um conselho sobre como responder.

Fiquei gelada. Examinei os dois lados do papel à procura de uma data. Outro ataque esta manhã? Mesmo que o bilhete fosse de uns dias antes, dava para saber que era o segundo. E a exigência era, mais uma vez, o fim da Seleção. Seria esse o objetivo dos ataques recentes? Os rebeldes queriam livrar-se de nós? Se sim, tanto nortistas como sulistas queriam isso?
Não sabia o que fazer. Não era para eu ter visto aquilo, de modo que não poderia comentar com ninguém. Mas por acaso as pessoas que deveriam saber já tinham sido informadas? Decidi devolver o papel para o chão. Com sorte, um guarda passaria por ali e o levaria para o lugar certo.
Por ora, resolvi apenas ser otimista e pensar que alguém já estava fazendo alguma coisa.

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