5 - Proibido entrar em todos os momentos sem exceção

Só havia uma coisa a fazer, e era falar com o pai.
 O pai não viera de Berlim no mesmo carro que eles naquela manhã. Ele tinha vindo
alguns dias antes, na noite daquele mesmo dia em que Bruno havia chegado em casa e
encontrado Maria remexendo nas suas coisas, até mesmo as coisas que ele escondera no
fundo e que pertenciam somente a ele e não eram da conta de mais ninguém. Durante os
dias que se seguiram, a mãe, Gretel, Maria, o cozinheiro, Lars e Bruno passaram todo o
tempo empacotando seus pertences e carregando-os num grande caminhão para que fossem
trazidos até a nova casa em Haja-Vista.
 Foi nessa manhã final, na qual a casa parecia vazia e tão diferente do lar de antes, que as
últimas coisas que lhes pertenciam foram metidas em malas, e um carro oficial com
bandeiras vermelhas e negras na parte da frente estacionou diante da porta para levá-los
embora.
 A mãe, Maria e Bruno foram os últimos a deixar a casa, e Bruno acreditou que a mãe não
tinha percebido a governanta ainda de pé junto a eles, porque, ao lançarem um último olhar
para a sala vazia onde haviam passado tantos momentos felizes, para o lugar onde ficava a
árvore de Natal, onde os guarda-chuvas molhados eram depositados durante os meses de
inverno, e para o lugar onde Bruno deveria deixar os sapatos enlameados ao chegar em
casa, coisa que nunca fazia, a mãe balançou a cabeça e disse algo muito estranho. “Nunca
deveríamos ter recebido o Fúria para o jantar”, ela disse. “Certas pessoas e a sua
determinação em progredir na carreira.”
 Assim que disse isso, ela se voltou, e Bruno pôde ver que havia lágrimas em seus olhos,
mas ela deu um salto quando viu Maria ali, observando-a.
 “Maria”, disse ela, numa voz transtornada. “Pensei que estivesse no carro.”
 “Eu já estava de saída, madame”, disse Maria.
 “Eu não quis dizer...”, começou a mãe, antes de balançar a cabeça e repensar o que ia
dizer. “Eu não quis sugerir a idéia de que...”
 Eu já estava de saída, madame”, repetiu Maria, que aparentemente não sabia a regra de
não interromper a mãe, e logo saiu pela porta e correu na direção do carro.
 A mãe franziu o cenho, mas depois deu de ombros, como se nada daquilo importasse
mais, fosse como fosse. “Vamos então, Bruno”, ela disse, tomando a mão dele e trancando
a porta às suas costas. “Só nos resta torcer para que um dia voltemos aqui, depois de tudo
isto acabar.”
 O carro oficial com as bandeiras sobre o capô os levara até uma estação de trem, na qual
havia dois trilhos separados por uma plataforma ampla, e em ambos os lados havia um trem
esperando pelo embarque dos passageiros. Por causa do grande número de soldados
marchando do outro lado, para não falar no fato de que havia uma longa cabana pertencente
ao sinaleiro separando os trilhos, Bruno não pôde ver muito da multidão que lá estava,
antes de embarcar junto com a família num vagão muito confortável, que trazia poucos
outros passageiros, cheio de bancos vazios e ar fresco quando as janelas era abertas. Se os
trens seguissem em direções diferentes, ele pensou, não pareceria estranho, porém não era o
caso: estavam ambos apontados para o leste. Por um instante ele pensou em correr pela
plataforma avisando aquelas pessoas dos assentos livres no seu vagão, mas mudou de idéia,
pois algo lhe dizia que, se aquilo não deixasse a mãe brava, provavelmente enfureceria
Gretel, o que seria ainda pior.
 Desde que chegaram a Haja-Vista e à casa nova, Bruno não vira o pai. Pensou que talvez
ele estivesse em seu quarto quando a porta rangeu e se abriu, mas, afinal, se tratava apenas
do soldado pouco amigável que encarara Bruno sem nenhum calor nos olhos. Ele não
ouvira a potente voz do pai em parte alguma, nem mesmo os pesados passos de suas botas
contra as tábuas do assoalho no andar de baixo. Mas era certo que havia pessoas indo e
vindo, e, enquanto pensava no que seria melhor fazer, escutou uma grande agitação subindo
do térreo, e foi até o corredor para se debruçar sobre o corrimão.
 Lá embaixo ele viu a porta do escritório do pai aberta e um grupo de cinco homens de pé
do lado de fora, gargalhando e apertando-se as mãos. O pai estava no meio deles e parecia
muito importante no uniforme recém-passado. O cabelo escuro e espesso fora obviamente
penteado com brilhantina havia pouco, e, enquanto os observava de cima, Bruno se sentia
ao mesmo tempo assustado e maravilhado com a presença do pai. Aos seus olhos, os outros
homens não pareciam tão bonitos quanto o pai. Nem os seus uniformes eram tão alinhados
quanto o dele. Tampouco as suas vozes eram tão profundas, nem as botas tão reluzentes.
Todos traziam os quepes sob o braço e pareciam disputar entre si a atenção de seu pai.
Bruno só conseguiu entender algumas das frases da conversa conforme se aproximavam
dele.
 “... cometeu erros desde o momento em que pôs os pés aqui. A coisa chegou ao ponto em
que o Fúria não teve escolha senão...”, disse um deles.
 “... disciplina!”, disse outro. “E eficiência. A eficiência nos falta desde 42 e sem isso...”
 “... fica claro, os números não deixam mentir. É claro, comandante...”, disse o terceiro.
 “... e se construirmos mais um”, disse o último, “imagine o que poderíamos conseguir...
Imagine...!”
 O pai ergueu uma mão no ar, o que imediatamente fez com que os outros se calassem.
Era como se ele fosse o regente de um quarteto de barbearia.
 “Senhores”, ele disse, e desta vez Bruno pôde compreender cada palavra, pois jamais
houvera um homem tão capaz de ser ouvido de um lado ao outro do cômodo quanto o pai.
“As suas sugestões e o seu apoio são muito bem-vindos. E o passado é o passado. Aqui
temos a oportunidade de um novo começo, mas este começo fica para amanhã. Agora, é
melhor eu ajudar minha família a se instalar, ou haverá tanta encrenca para mim aqui dentro
quanto há para eles lá fora, compreendem?”
 Os homens soltaram uma gargalhada e apertaram a mão do pai. Ao sair, formaram juntos
uma fila, como soldados de brinquedo, e os braços se projetaram para a frente na mesma
saudação que o pai havia ensinado a Bruno, a palma estendida, vinda do peito em direção
ao ar em frente a eles num movimento brusco, enquanto gritavam as duas palavras que
Bruno fora ensinado a repetir, sempre que alguém as dissesse para ele. Então os homens
foram embora e o pai voltou ao escritório, no qual era Proibido Entrar em Todos os
Momentos Sem Exceção.
 Bruno desceu lentamente as escadas e hesitou durante um instante à porta. Ele se
ressentia de o pai não ter subido para dizer oi desde que chegara, mas há haviam lhe
explicado em diversas ocasiões o quanto o pai era ocupado, que ele não podia ser
incomodado com coisas como vir falar oi para o filho o tempo todo. Mas os soldados já
tinham ido embora e ele achou que não haveria problema em bater na porta.
 Ainda em Berlim, Bruno só estivera no escritório do pai em raras ocasiões, e em geral
era porque tinha se comportado mal e precisava de uma conversa séria. Mesmo assim, a
regra que se aplicava ao escritório em Berlim era uma das mais importantes que já tinha
aprendido, e Bruno não era tolo a ponto de pensar que a regra não se aplicaria igualmente
aqui em Haja-Vista. Mas como já havia alguns dias que eles não se encontravam, o menino
pensou que ninguém se importaria se ele batesse na porta agora.
 E então ele bateu cuidadosamente na porta. Duas vezes, bem fraco.
 Talvez o pai não tivesse escutado, talvez Bruno não tivesse batido forte o bastante, mas o
fato é que ninguém veio até a porta, e então Bruno bateu de novo, e desta vez com mais
força, e ao fazê-lo ouviu a voz retumbante vinda lá de dentro: “Entre!”.
 Bruno girou a maçaneta e entrou no cômodo, adotando sua típica pose de olhos
arregalados, a boca em formato de um O e os braços estendidos pendendo ao lado do corpo.
O resto da casa podia ser um pouco escuro e melancólico e bastante limitado nas suas
possibilidades de exploração, mas aquele cômodo era outra história. Para começar, o pé-
direito era muito alto e sobre o assoalho havia um carpete no qual Bruno pensou que
poderia afundar. As paredes mal eram visíveis; estavam cobertas de prateleiras de mogno
escuro, repletas de livros, como aqueles que ficavam na biblioteca da casa de Berlim. Havia
janelas enormes na parede diante dele, e no centro de tudo isso, sentado atrás de uma
grande escrivaninha de carvalho, estava o pai, que ergueu os olhos de seus papéis quando
Bruno entrou e abriu um largo sorriso.
 “Bruno”, ele disse, saindo de trás da mesa e cumprimentando o garoto com um sólido
aperto de mão, pois o pai não era do tipo que abraça as pessoas, ao contrário da mãe e da
avó, que pareciam distribuir abraços com uma freqüência grande demais, completando o
serviço com beijos melados. “Meu menino”, acrescentou ele após um instante.
 “Olá, papai”, disse Bruno em voz baixa, um pouco estupefato pelo esplendor do cômodo.
 “Bruno, eu estava indo lá em cima para vê-lo dentro de mais alguns minutos, juro que
estava”, disse o pai. “Só precisava terminar a reunião e redigir uma carta. Vejo que vocês
chegaram bem, não?”
 “Sim, papai”, disse Bruno.
 “Ajudou sua mãe e sua irmã a fechar a casa antiga?”
 “Sim, papai”, disse Bruno.
 “Então, eu estou orgulhoso de você”, disse o pai num tom de aprovação. “Sente-se,
menino.”
 Ele indicou uma ampla cadeira em frente à escrivaninha e Bruno escalou-a, com os pés
próximos ao chão, mas sem tocá-lo, enquanto o pai retornava à sua cadeira atrás da
escrivaninha para encará-lo. Eles não disseram nada um ao outro por um instante, até que
finalmente o pai quebrou o silêncio.
 “E então?”, perguntou ele. “O que acha?”
 “O que eu acho?”, perguntou Bruno. “O que eu acho a respeito do quê?”
 “A nossa nova casa. Gosta dela?”
 “Não”, disse Bruno rapidamente, pois sempre tentava ser honesto e sabia que, se
hesitasse mesmo que por um momento, não teria mais coragem de dizer o que pensava.
“Acho que nós devíamos ir para casa”, acrescentou, destemido.
 O sorriso do pai diminuiu um pouco e ele lançou o olhar sobre a carta por um instante
antes de erguer os olhos novamente, como se quisesse pensar com cuidado na resposta.
“Bem, estamos em casa, Bruno”, disse por fim numa voz gentil. “Haja-Vista é a nossa nova
casa.”
 “Mas quando poderemos voltar a Berlim?”, pergunta Bruno, com o coração apertado
após a resposta do pai. “Lá é muito mais gostoso.”
 “Ora, vamos”, disse o pai, não querendo entrar naquele jogo. “Deixe disso, está bem?”,
pediu ele. “Nossa casa não é uma construção, ou uma rua, ou uma cidade, ou coisa alguma
tão artificial quanto os tijolos e a argamassa. O lar é onde mora a família de alguém, não é
mesmo?”
 “Sim, mas...”
 “E a nossa família está aqui, Bruno. Em Haja-Vista. Ergo, este é o nosso lar.”
 Bruno não entendeu o que significava ergo, mas não precisava entender, pois tinha uma
resposta inteligente para o pai. “Mas o vovô e a vovó estão em Berlim”, ele disse. “E os
dois são parte da nossa família. Então, aqui não pode ser o nosso lar.”
 O pai ponderou sobre isso e acenou com a cabeça. Esperou um longo tempo antes de
responder. “É verdade, Bruno, eles estão lá. Mas você, e eu, e a mamãe e Gretel somos as
pessoas mais importantes da nossa família, e é aqui que moramos agora. Em Haja-Vista.
Agora pare de ficar emburrado por causa disso! (pois Bruno estava fazendo uma cara
deliberadamente emburrada). Você nem mesmo deu uma chance a este lugar. É capaz de
gostar daqui.”
 “Eu não gosto daqui”, insistiu Bruno.
 “Bruno...”, disse o pai com a voz cansada.
 “Karl não está aqui e nem Daniel e nem Marin, e não há outras casas nas redondezas e
nada de bancas de frutas e legumes nem ruas e cafés com as mesas postas do lado de fora, e
ninguém para nos empurrar de poste em poste nas tardes de sábado.”
 “Bruno, às vezes há coisas na vida que temos de fazer e não temos escolha a respeito
delas”, disse o pai, e Bruno percebeu que ele estava se cansando daquela conversa. “E eu
temo que esta seja uma dessas coisas. Este é o meu trabalho, um trabalho importante.
Importante para o nosso país. Importante para o Fúria. Algum dia você entenderá.”
 “Eu quero ir para casa”, disse Bruno. Ele sentia as lágrimas se acumulando nos olhos, e o
que mais queria era que o pai percebesse quão horrível era aquele tal de Haja-Vista e
concordasse que era hora de ir embora.
 “Você precisa entender que já está em casa”, disse ele em vez disso, desapontando
Bruno. “E assim será pelo futuro previsível.”
 Bruno fechou os olhos por um instante. Tinham sido poucas as ocasiões em sua vida nas
quais estivera tão determinado a conseguir o que queria, e certamente ele jamais se dirigira
ao pai com tamanho desejo de que este mudasse de idéia a respeito de alguma coisa, mas a
noção de que teriam de ficar lá, morando um lugar tão horrível onde não havia mais
ninguém para brincar, tudo aquilo era demais par a cabeça do menino. Quando abriu os
olhos, um momento depois, o pai havia saído de trás da escrivaninha e se acomodara numa
poltrona ao seu lado. Bruno o observou abrir uma caixa de prata, retirar um cigarro e batelo
contra a mesa antes de o acender.
 “Eu me lembro de quando era criança”, disse o pai, “lembro que havia certas coisas que
eu não queria fazer, mas quando meu pai dizia que seria melhor para todos se eu
obedecesse, eu simplesmente seguia em frente e fazia o que tinha de ser feito.”
 “Que tipos de coisas eram essas?”, perguntou Bruno.
 “Ah, eu não sei”, disse o pai, dando de ombros. “Não era nada demais. Eu era apenas
uma criança e não sabia o que era o melhor a fazer. Às vezes, por exemplo, eu não queria
ficar em casa e terminar a lição; queria sair pelas ruas, brincando com meus amigos, assim
como você, e hoje eu olho para trás e vejo como eu era tolo.”
 “Então você sabe como eu me sinto”, disse Bruno, esperançoso.
 “Sim, mas eu também sabia que o meu pai, seu avô, sabia o que era melhor para mim e
que eu seria sempre mais feliz se simplesmente aceitasse isso. Acha que eu teria sido tão
bem-sucedido na vida se não tivesse aprendido quando é hora de discutir e quando é hora
de ficar com a boca fechada e seguir ordens? E então, Bruno? O que você acha?”
 Bruno olhou ao redor. Seu olhar se deteve na janela que ficava no canto do cômodo, e,
através dela, ele podia ver a paisagem desoladora para além do vidro.
 “Você fez alguma coisa errada?”, perguntou ele após um instante. “Alguma coisa que
deixou o Fúria bravo?”
 “Eu?”, disse o pai, olhando surpreso para ele. “O que você quer dizer?”
 “Fez alguma coisa ruim no trabalho? Eu sei que todos dizem que você é um homem
importante e que o Fúria tem em mente grandes coisas reservadas a você, mas não acho que
ele o enviaria para um lugar como este se você não tivesse feito alguma coisa pela qual ele
quisesse castigá-lo.”
 O pai riu, o que deixou Bruno ainda mais triste; nada o deixava mais bravo do que
quando um adulto ria dele por não saber alguma coisa, especialmente quando ele estava
tentando descobrir a resposta fazendo perguntas.
 “Você não compreende o significado de uma posição como esta”, disse o pai.
 “Bem, eu não acho que você tenha feito um bom trabalho, se isso significa ter de nos
mudar da nossa bela casa e para longe de nossos amigos e vir morar num lugar tão horrível
quanto este. Acho que você deve ter feito alguma coisa errada e talvez seja melhor pedir
desculpas ao Fúria, e, quem sabe, isso encerre a questão. Talvez ele o perdoe, se você for
bem sincero nos eu pedido.”
 As palavras saíram antes que ele pudesse pensar se eram razoáveis ou não; depois de
ouvi-las flutuando no ar, elas não pareceram o tipo de coisa que ele deveria dizer ao pai,
mas lá estavam elas, já ditas, e não havia nada que pudesse fazer para retirá-las. Bruno
engoliu em seco e, após alguns momentos de silêncio, olhou para o pai, que o encarava com
o olhar pétreo. Bruno lambeu os lábios e desviou os olhos. Ele sentiu que seria má idéia
olhar o pai nos olhos.
 Depois de alguns minutos silenciosos e desconfortáveis, o pai se ergueu lentamente da
poltrona ao seu lado e voltou para trás da escrivaninha, deixando o cigarro no cinzeiro.
 “Eu me pergunto se você está sendo muito corajoso”, ele disse em voz baixa após um
momento, como se estivesse remoendo o problema na cabeça, “em vez de simplesmente
desrespeitoso. Talvez não seja uma coisa tão ruim, afinal.”
 “Eu não quis dizer...”
 “Mas agora você ficará em silêncio”, disse o pai, elevando a voz e interrompendo-o,
porque nenhuma das regras que normalmente se aplicavam à vida familiar valia para ele.
“Eu tive grande consideração pelos seus sentimentos neste caso, Bruno, porque sei que esta
mudança é difícil para você. E escutei o que você tinha a dizer, muito embora a sua
juventude e a falta de experiência o obriguem a formular as coisas de maneira tão insolente.
E você reparou que eu não reagi a nada disso. Mas é chegado o momento de você
simplesmente aceitar o fato de que...”
 “Eu não quero aceitar nada!”, gritou Bruno, piscando surpreso, pois não sabia que iria
pronunciar aquelas palavras em voz alta. (Foi de fato uma enorme surpresa para ele.) Ele
ficou um pouco nervoso e se preparou para fugir correndo caso fosse necessário. Mas nada
parecia irritar o pai naquele dia – e se Bruno fosse honesto, teria de admitir que raramente o
pai ficava bravo; ele ficava quieto e distante e sempre conseguia o que queria no fim das
contas -, e, em vez de gritar com ele ou persegui-lo pela casa, ele apenas balançou a cabeça
e indicou que a conversa havia chegado ao fim.
 “Vá para o seu quarto, Bruno”, disse ele numa voz tão baixa que o menino soube
imediatamente que ele falava sério agora, e então se levantou, as lágrimas de frustração se
formando nos seus olhos. Ele caminhou na direção da porta, mas, antes de abri-la, voltou-se
para o pai e fez uma última pergunta.
 “Pai?”, começou ele.
 “Bruno, eu não vou...”, começou o pai, irritado.
 “Não é isso”, disse Bruno rapidamente. “Eu só quero fazer uma outra pergunta.”
 O pai suspirou, mas indicou que ele deveria fazê-la e, então, seria o fim daquele assunto,
sem mais discussões.
 Bruno pensou sobre a pergunta, procurando formulá-la com precisão desta vez, para que
não soasse mal-educada ou pouco colaborativa. “Quem são todas aquelas pessoas do lado
de fora?”, disse ele finalmente.
 O pai inclinou a cabeça para a esquerda, parecendo um pouco confuso por causa da
pergunta. “São soldados, Bruno”, disse ele. “E secretários. Empregados do gabinete. Você
já os viu antes, é claro.”
 “Não estou falando deles”, disse Bruno. “Quero saber daquelas pessoas que eu vejo da
minha janela. As que moram nas cabanas, lá longe. Estão todas com as mesmas roupas.”
 “Ah, aquelas pessoas”, disse o pai, acenando com a cabeça e sorrindo levemente.
“Aquelas pessoas... Bem, na verdade elas não são pessoas, Bruno.”
 Bruno franziu o cenho. “Não são?”, perguntou ele, sem saber o que o pai queria dizer
com aquilo.
 “Bem, não são pessoas no sentido em que entendemos o termo”, prosseguiu o pai. “Mas
você não deve ser preocupar com elas agora. Elas não têm nada a ver com você. Não há
nada em comum entre você e elas. Apenas adapte-se à nova casa e comporte-se bem, é tudo
o que eu peço. Aceite a situação na qual você se encontra e tudo ficará muito mais fácil.”
 “Está bem, papai”, disse Bruno, insatisfeito com a resposta.
 Ele abriu a porta e o pai o chamou de volta por mais um instante, levantando-se e
erguendo uma sobrancelha como se o menino tivesse esquecido alguma coisa. Bruno
lembrou-se assim que o pai fez o sinal, e disse a frase e o imitou com exatidão.
 Ele juntou os pés e ergueu o braço direito no ar antes de bater um calcanhar no outro e
dizer numa voz tão profunda e clara quanto possível – tão parecida com a do pai quanto ele
conseguia fazer – as palavras que dizia sempre que saía da presença de um soldado.
 “Heil Hitler”, disse, o que Bruno presumia ser outra forma de dizer: “Bem, até logo,

tenha uma boa tarde”.

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