Capítulo 11

NA HORA DO RECREIO, fomos para a quadra com nossos lanches.
Estava rolando um jogo de basquete com o lindo do Erick, o Orelha e o
Samuca, um amigo marrento deles, mas gente boa.
Depois do recreio ia ter aula de Educação Física, então imagine meu
humor. Odeio Educação Física com todas as minhas forças. Nunca levei
jeito para esporte. Com bola, então… Eu sempre fui um desastre. Parece
que tenho manteiga nas mãos e, por isso, era a última a ser escolhida
para um time. Na semana anterior foi um circuito idiota, com corridas,
pulos, flexões e polichinelo. Tem coisa mais estúpida que polichinelo?
Para piorar, naquela manhã fazia um calor senegalês! E eu suo mais que
porca em abatedouro.
Enquanto devorava meu cachorro-quente com muito molho, mostarda
e ketchup, Laís, Valentina e Bianca, outra do séquito da Valentina
Cretina, chegaram na quadra com seus lanches fit. Andavam
empinadas, como se, com o perdão da grosseria, peidassem bombom.
Sabe gente que anda como se estivesse peidando chocolate suíço? Então,
essas três são assim. Eu consegui ouvir o diálogo inteiro. Acho que Sua
Majestade Idiotina falou bem alto de propósito, aliás.
– Vamos sentar aqui? – perguntou Laís.
– Perto dessa horrorosa? Deus me livre! Essa garota fede! – reagiu a
sempre doce Valentina. – E quando não fede usa perfume de quinta!
– Ela tá uns cinco degraus acima na arquibancada, louca! –
defendeu-me Laís.
– Pra você ver como ela fede. Dá pra sentir daqui.
Que mentirosa! Eu não estava fedendo. Juro!
Laís e Bianca gargalharam com sua rainha e a seguiram rumo ao
outro lado da arquibancada. Não demorou muito para que uns garotos se
levantassem para ceder lugar ao trio.
Perdi a fome na hora.
– Não vai parar de comer por causa dessa Valentina, né, Tetê? Se
bem que eu pararia. Você tem que se alimentar direito, querida. Não só
pelo visual, mas pela saúde, sabe? Não pode fazer bem comer salsicha e
pão todo santo dia.
– Você tem razão. Vou passar a trazer umas frutas em vez de gastar
dinheiro na cantina.
– Isso, isso mesm… Boa, Erick! Aêêê!!! Gente, o Erick ar-ra-sa no
basquete – comentou Zeca.
– Espero que ele arrase no trabalho de História também. Se bem
que… Mesmo quando ele comete uns lapsos, os professores o perdoam e
dão notas boas. Eles adoram esse rapaz – comentou Davi.
– Sério? – perguntei.
– Sério.
– Não estou questionando o fato de adorarem o Erick, só tô chocada
com o “rapaz”! – falei.
– É mesmo, Davi, “rapaz” não precisava, mas foi sofisticado, sabia?
Lacrou! – Zeca entrou na brincadeira.
Rimos juntos e voltei meus olhos para a quadra.
– Quem não adora o Erick? – suspirei, com olhos em formato de
coração.
– Eu – rebateu Davi.
– Eu – repetiu Zeca. – Mentira, tô zoando. Adoro esse rapaz! – falou,
tirando onda com a cara do Davi.
Sorri, feliz em me sentir acolhida e querida. E vale dizer que meu
apetite logo voltou.
– Respira, Tetê! Come devagar! Se você não levar a sério a ideia das
frutas, eu vou passar a trazer uns lanchinhos mais saudáveis pra não
ficar se enchendo de bobagem da cantina. Você vai ver a diferença que
faz se alimentar melhor! Vai ficar com o corpitcho delicitcho!
Como não amar o Zeca?
O time do meu lindo ganhou, todos comemoraram com gritos e
aplausos, mas acho que o meu coração foi o único que palpitou de
felicidade. Nossa, que cafona! Mas é verdade! Fiquei tão feliz por ele
com um simples jogo de escola que meu coração disparou. Até porque
ele ficou lindo todo suadinho.
Nem saímos da quadra, pois a aula de Educação Física (argh!) seria
lá mesmo. O professor Almir era um barrigudinho de olhos claros e
postura de general. Falava grosso e, sem muita conversa, sem nem um
bom-dia, mandou a gente aquecer correndo em volta da quadra.
Samantha veio para o meu lado. Eu estava sem o Zeca e o Davi (a aula dos
meninos era separada da nossa), havia perdido Abenebaldo, mas
percebi que poderia ganhar uma nova amiga. A minha segunda-feira não
estava tão ruim assim.
Depois de umas 800 voltas (foram menos, claro, mas eu sou
exagerada) e dez flexões de braço (só tive força para duas), Almir logo
dividiu as turmas em dois times. Não deixou ninguém escolher, ele
formou as equipes e decretou:
– Handebol! Quero ver força, estratégia, foco! Vamboraaaa pro jogo!
Uou!
Sim. Vambora e uou. Com direito a palmas enérgicas. Ele queria ser
o Bernardinho, fato. Fiquei no time da Samantha, minha mais nova
possível futura amiga. Logo no gol (eu que sou a maior mão furada de
todos os tempos). Por que aquele professor estava me expondo ao
ridículo de ficar no gol? Custava me botar no banco? Comecei a suar
antes mesmo de a bola aparecer. Puro nervosismo. Só para ajudar a bola
a escorregar ainda mais das minhas mãos.
– Não faz isso, profe! Meu time vai perder! – implorei.
E eu vou ser mais odiada ainda!, quis acrescentar.
– Quero que todo mundo jogue em todas as posições. Na próxima aula
você fica no ataque.
– Não quero… – choraminguei.
– Não quer? Não quer? Dez flexões, então – ordenou o general.
Ele adorava esse papel de mau.
– Desculpa, não era pra você ouvir, achei que tinha falado só na
minha cabeça – confessei, já me encaminhando para a rede.
Começou o jogo. Laís passou a bola para Bianca, que passou para
Valentina, que passou para Laís de novo, que passou para Fafá, que
driblou Samantha e fez o primeiro gol contra meu time. Levei bronca
das meninas e prometi ficar mais atenta e me esforçar ao máximo. Não
demorou muito para que eu levasse outro e mais outro. Eu estava roxa de
vergonha, sentindo-me a pior goleira do mundo. Eu nunca quis ser
goleira! Estava mentalmente repetindo o mantra “vou agarrar todas”,
“vou agarrar todas”, quando ouvi uma frase nada agradável.
– Segura essa, baleia com cara de cavalo!
Depois da agressão verbal, Valentina usou toda sua força e me deu
uma bolada no peito tão forte que quase arrancou a alma do meu corpo.
Fiquei alguns segundos sem respirar.
Mesmo com dor, comemorei. Sim! Eu agarrei!!!!! Logo a bola da
Valentina Metidina! Mil exclamações se fazem necessárias! Pela
primeira vez na vida eu tinha agarrado uma bola!!! E pulei,
desengonçada, de olhos fechados como se não houvesse amanhã.
– Gorda! – gritou Valentina, sempre tão fina.
– Gorda feliz que sabe agarrar!
Não, claro que não tive coragem de dizer isso. Mas disse em
pensamento e já me deu um alívio danado.
Por outro lado, Samantha puxou o corinho mais fofo do mundo:
– Te-tê! Te-tê! Te-tê!
Own… Tudo bem que ninguém fez coro com ela. Mas o que vale é a
intenção!
A bola foi ao ar de novo e logo o nosso time fez gol! Yes! Agora o
placar marcava três a um. Valentina Muito Vaquina estava bem
irritada. Ficava perto do gol me olhando com desprezo e dizendo coisas
como “Me aguarde, Teanira!”. Depois veio uma nova bolada dela, dessa
vez na minha cabeça. E doeu muito.
– Ai!
– Ai o quê? Deixa de ser fresca, sua gorda! – disse ela, carinhosa
como sempre.
Quando o meu time já tinha virado (não estávamos ganhando por
mérito meu, as meninas do time adversário que arremessavam mal,
mesmo. Ainda bem!), outro ataque de Valentina. Dessa vez ela
praticamente entrou com bola e tudo no gol e meteu a cabeça na minha
boca. Para me defender, dei um empurrãozinho nela, para que ela se
afastasse e eu pudesse colocar a mão na boca e ver se estava sangrando.
Claro que estava. A mistura de gengiva, cabeçada, força e aparelho não
podia dar em outra coisa.
– Você tinha que me agradecer, baleia. Devo ter endireitado seus
dentes horrorosos.
– Valentina, por que você tá me tratando assim? – fiz uma tentativa
sincera.
– O quê? Repete se você tem coragem! – Ela usou todo o potencial da
sua garganta para gritar.
Almir apitou ao avistar o barraco armado e veio correndo na nossa
direção.
– Sério, não entendo. Não fiz nada pra você…
– Ah, é?
– É! – respondi com toda a coragem que encontrei dentro de mim.
– É você que é tudo isso que tá falando de mim! Isso e mais um
pouco. Sua falsiane louca!
E então ela partiu para cima de mim. E começou a puxar meu cabelo,
a me arranhar, até soco na barriga ela me deu. E eu só pedia para ela
parar, sem sucesso. Eu sentia dor, mas a dor maior era pela injustiça. O
meu consolo era a esperança de que o professor Almir chegasse e
tomasse providências ao testemunhar aquele teatro ridículo. Eu não via
a hora de aquela menina levar uma bronca. Merecia, veio para cima de
mim do nada, forjou um ataque verbal que nunca cometi…
– Acabou a palhaçada agora! – Almir botou ordem na quadra.
Ufa!
– As duas para a coordenação! Agora!
– As duas?! – repeti, chocada, de olhos arregalados, com uma revolta
no peito que não podia descrever.
– Como assim? Ela que me atacou, me xingou, disse coisas horríveis,
você não viu? – disse a dissimuladina. – Eu só me defendi.
Caramba! Que mentirosa! Eu não estava acreditando que ela era
capaz de tanto teatro!
– Eu… eu…
– Fala, Tetê! Conta pro Almir que você que começou! – A cara de pau
provocou.
– Eu… Eu… – eu não sabia o que dizer.
– Eu que mando nisso aqui e as duas vão agora para a coordenação –
o professor deu a sentença.

Nunca senti tanta vergonha, revolta e tristeza.

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