Caixa de Pássaros - Capítulo 11

Malorie está remando pelo que parecem ser três horas. Os músculos de seus braços queimam.
A água fria balança no fundo do barco, água que ela mesma jogou, pouco a pouco, cada vez que mergulhava os remos. Alguns minutos atrás, a Menina avisou que precisava fazer xixi. A mãe disse que ela podia fazer. Agora a urina da Menina se mistura à água do rio e Malorie sente algo quente batendo em seus sapatos. Está pensando no homem do barco pelo qual passaram.
As crianças, pensa Malorie, não tiraram as vendas. Aquela foi a primeira voz humana que ouviram além das próprias vozes. Mesmo assim, não lhe deram ouvidos.
É, ela as treinou bem. Mas não é bom pensar nisso. Treinar as crianças significa que as deixou tão assustadas que as duas não a desobedecerão sob nenhuma circunstância. Quando era mais nova, Malorie se rebelava contra os pais o tempo todo. Não era permitido comer açúcar em casa. Malorie levava doces escondidos para seu quarto. Não era permitido ver filmes de terror em casa. Malorie descia na ponta dos pés para assistir-lhes na TV à meia-noite.
Quando os pais disseram que ela não podia dormir no sofá da sala, ela levou a própria cama para lá. Essas foram suas aventuras de infância. Os filhos de Malorie não sabem o que é isso. Quando eram bebês, ela os treinou para que acordassem de olhos fechados. Parada, sobre as camas cobertas por arame, com um mata-moscas na mão, ela esperava. Quando acordavam e abriam os olhos, ela batia com força no braço deles. Eles choravam. Malorie estendia a mão e fechava os olhos dos bebês com os dedos. Se mantivessem os olhos fechados, ela levantava a camisa e os amamentava. Recompensa.
— Mamãe — chama a Menina —, aquele era o mesmo homem que canta no rádio?
A Menina está se referindo a uma fita que Felix costumava ouvir.
— Não — responde o Garoto.
— Então quem era? — pergunta a Menina.
Malorie se vira e a encara, para que sua voz fique mais alta.
— Achei que tivéssemos combinado que vocês dois não fariam nenhuma pergunta que não tivesse relação com o rio. Vamos romper esse acordo?
— Não — responde a Menina, baixinho.
Quando tinham três anos, ela os treinou para pegar água no poço. Amarrando uma corda na própria cintura, atou a outra ponta no Garoto. Depois, pedindo que ele tateasse o caminho com os pés, ela o mandou sair, para que fizesse a tarefa sozinho. Malorie ouvia o som do balde sendo erguido com dificuldade. Ouvia o filho se esforçar para trazê-lo de volta para ela.
Muitas vezes escutou o balde escorregar das mãos do Garoto. Sempre que isso acontecia, ela o fazia voltar para tentar de novo.
A Menina odiava aquela tarefa. Dizia que o chão era “muito cheio de buracos” perto do poço. Que parecia haver pessoas morando embaixo da grama. Malorie não deu comida à Menina até que ela concordasse em buscar água.
Na época em que aprenderam a andar, as crianças eram posicionadas em lados opostos da sala de estar. Malorie andava pelo carpete. Quando perguntava: “Onde estou?”, o Garoto e a Menina apontavam. Então ela subia para o segundo andar, descia e perguntava: “Onde estive?” As crianças apontavam. Se erravam, Malorie gritava com elas.
No entanto, elas não erravam com frequência. E logo passaram a não errar nunca.
O que Tom diria sobre isso?, pensa ela. Falaria que você é a melhor mãe do mundo. E você acreditaria nele.
Sem Tom, Malorie só podia confiar em si mesma. E, muitas vezes, sentada sozinha à mesa da cozinha, as crianças dormindo no quarto, ela se fazia a pergunta inevitável:
Será que você é uma boa mãe? Esse tipo de coisa ainda existe?
Agora Malorie sente um leve tapinha no joelho. Fica ofegante. Mas é só o Garoto. Ele quer comida. Do meio do barco, Malorie enfia a mão no bolso da jaqueta e lhe entrega uma trouxinha de comida. Ouve seus pequenos dentes mastigarem as nozes enlatadas que ficaram nas prateleiras do porão por quatro anos e meio, até que ela as pegasse naquela manhã.
Então Malorie para de remar. Sente calor. Muito calor. Está suando como se fosse verão.
Tira a jaqueta e a põe no banco a seu lado. Logo sente outro tapinha leve em suas costas. A Menina também está com fome.
Será que você é uma boa mãe?, pergunta a si mesma de novo, entregando mais uma trouxinha de comida.
Como pode esperar que seus filhos sonhem em chegar às estrelas se não podem erguer a cabeça e olhar para elas?
Malorie não sabe a resposta.

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Atenção: para postar um comentário, escolha Nome/Url. Se quiser insira somente seu nome.

Please, no spoilers!

Expresse-se:
(◕‿◕✿) 。◕‿◕。 ●▽●

⊱✿◕‿◕✿⊰(◡‿◡✿)(◕〝◕) ◑▂◐ ◑0◐

◑︿◐ ◑ω◐ ◑﹏◐ ◑△◐ ◑▽◐ ●▂● 

●0● ●︿● ●ω● ●﹏● ●△● ●▽●

Topo