Capítulo 12

Escrevi para a Sra. Traynor. Não contei sobre Lily, só falei que esperava que ela estivesse bem, que eu já tinha voltado das minhas viagens e em algumas semanas passaria perto da casa dela com uma amiga, portanto gostaria de cumprimentá-la, se possível. Mandei a carta registrada, e achei estranho ficar empolgada quando a enfiei na caixa de correio.
Meu pai me contara pelo telefone que ela saíra da Granta House algumas semanas após a morte de Will. Ele disse que os trabalhadores da propriedade tinham ficado chocados, mas me lembrei de quando vi o Sr. Traynor com Della, a mulher com quem ele estava prestes a ter um filho, e me perguntei quantos deles realmente tinham ficado chocados. Havia poucos segredos numa cidade pequena.
— Ela ficou muito perturbada com tudo isso — disse meu pai. — Assim que a Sra. Traynor foi embora, aquela ruiva foi rápida. Viu uma oportunidade, é claro. Velho simpático, ainda com cabelo, casa grande... Ele não ia ficar solteiro por muito tempo, né? Aliás, Lou, você... não quer ter uma conversinha com sua mãe sobre as axilas dela? Vai ter que trançar os pelos se deixá-los crescer ainda mais.
Fiquei pensando na Sra. Traynor, tentando imaginar como ela reagiria à notícia sobre Lily. Lembrei-me da alegria e da incredulidade no semblante do Sr. Traynor durante o primeiro encontro dos dois. Será que Lily ajudaria a amenizar um pouco a sua dor? Às vezes eu a observava rindo de alguma coisa na televisão, ou apenas olhando fixo pela janela com o pensamento longe, e via Will tão claramente em suas feições – os ângulos precisos do nariz, aquelas maçãs do rosto quase eslavas – que me esquecia de respirar. (Nesses momentos ela costumava resmungar: “Pare de me olhar feito uma maluca, Clark. Você está me assustando.”)
Lily ia ficar duas semanas na minha casa. Tanya Houghton-Miller me ligara para dizer que a família ia passar férias na Toscana, mas Lily não quisera ir.
— Francamente, do jeito que tem se comportado, por mim está ótimo. Ela está me exaurindo.
Eu me dei conta de que, considerando que Lily quase não ficava em casa e que Tanya trocara a fechadura da porta, seria muito difícil que a menina exaurisse alguém, a menos que estivesse batendo na janela da pessoa e cantando uma música triste. Houve um breve silêncio.
— Quando tiver seus filhos, Louisa, talvez você tenha alguma ideia do que estou falando.
Ah, o trunfo de todos os pais. Como é que eu poderia entender?
Ela me ofereceu dinheiro para as despesas de Lily com casa e comida durante o tempo que passassem fora. Senti prazer em responder que nem em sonho eu aceitaria, embora, para ser sincera, recebê-la em casa estivesse custando mais do que eu previra. Lily, no fim das contas, não ficava satisfeita com meus jantares que incluíam torrada com feijão ou queijo-quente. Ela pedia dinheiro, depois voltava com pão artesanal, frutas exóticas, iogurte grego, frango orgânico: coisas básicas em uma cozinha de classe média alta. Lembrei-me da casa de Tanya, de como Lily se posicionara ao lado da enorme geladeira e enfiara, sem pensar, fatias de abacaxi fresco na boca.
— Aliás, quem é Martin? — perguntei a Tanya.
Houve uma pequena pausa.
— É meu antigo companheiro. Aparentemente Lily insiste em visitá-lo, por mais que saiba que não gosto disso.
— Pode me dar o telefone dele? Gostaria de ter certeza de onde ela está. Enquanto vocês estiverem fora, sabe.
— O telefone de Martin? Por que eu teria o número do telefone dele? — resmungou ela, e a linha ficou muda.

* * *

Algo mudara desde que eu conhecera Lily. Eu não aprendera apenas a acomodar aquela bagunça típica da adolescência no meu apartamento quase vazio, na verdade tinha começado a realmente gostar de ter Lily na minha vida, ter com quem comer, alguém para se sentar ao meu lado no sofá, comentar sobre o que estivéssemos assistindo na televisão ou fazer uma expressão neutra quando me oferecesse algo que ela mesma cozinhara. Bem, como é que eu deveria saber que as batatas da salada de batata tinham que ser cozidas? É salada, pelo amor de Deus.
No trabalho, passei a prestar atenção nos pais desejando boa noite aos filhos antes de uma viagem a negócios – Seja bonzinho com sua mãe agora, Luke... Você foi... É mesmo? Você é um garoto muito esperto! – e nas discussões sobre a guarda dos filhos sendo sussurradas ao telefone: Não, não falei que podia buscá-lo na escola aquele dia. Eu estava indo para Barcelona... Estava, sim... Não, não, você simplesmente não ouve.
Eu não conseguia acreditar que a pessoa poderia dar à luz um bebê, amá-lo, educá-lo, e dezesseis anos depois dizer que estava tão exasperada que trocara as fechaduras da casa para que o filho não conseguisse mais entrar.
Aos dezesseis anos, a pessoa ainda era uma criança, sem dúvida. Apesar de toda aquela pose, eu enxergava a criança que existia em Lily. Ela estava presente nos momentos de empolgação e entusiasmo inesperado. Estava ali nos dias de mau humor, no ato de experimentar várias roupas na frente do espelho do meu banheiro e no sono abrupto e inocente.
Pensei em minha irmã e no amor descomplicado que ela sentia por Thom. Pensei em meus pais, sempre estimulando, apoiando e se preocupando com Treena e comigo, embora já fizesse tempo que nós duas éramos adultas. Nesses momentos eu sentia a ausência de Will na vida de Lily, assim como sentia na minha. Você devia estar aqui, Will, eu pensava. Era de você que ela realmente precisava.

* * *

Reservei um dia de folga, o que era um ultraje, de acordo com Richard.
(“Faz só cinco semanas que você voltou. Não entendo por que precisa sumir de novo.”) Sorri, fiz uma reverência como uma dançarina irlandesa agradecida e, mais tarde, ao chegar em casa, encontrei Lily pintando uma das paredes do quarto de hóspedes de um tom muito forte de verde-jade.
— Você disse que queria alegrar o apartamento — explicou ela, quando fiquei parada boquiaberta. — Não se preocupe. Paguei a tinta do meu bolso.
— Bem. — Tirei a peruca e desamarrei os sapatos. — Termine tudo esta noite, porque amanhã é meu dia de folga — falei, depois de já ter vestido a calça jeans — e vou lhe mostrar algumas das coisas de que seu pai gostava.
Ela ficou imóvel, deixando a tinta cor de jade pingar no carpete.
— Que coisas?
— Você vai ver.

* * *

Passamos o dia andando de carro e nossa trilha sonora era a playlist do iPod de Lily, que em um instante tocava uma música muito triste sobre amor e perda e, no outro, um cântico furioso de furar os tímpanos que destilava ódio à humanidade. Enquanto dirigia, dominei a arte de bloquear mentalmente o barulho e focar na estrada. Lily, sentada ao meu lado, balançava a cabeça no ritmo da batida e de vez em quando batucava no painel. Era bom que ela estivesse se divertindo. Quem é que precisava dos dois tímpanos funcionando, afinal de contas?
Começamos por Stortfold e visitamos o lugar em que Will e eu costumávamos nos sentar para comer, as áreas para piquenique nos campos acima da cidade, os bancos preferidos dele no terreno do castelo, e Lily teve a delicadeza de tentar não parecer entediada. Para ser justa, era bem difícil que alguém se entusiasmasse com alguns campos. Então me sentei e lhe contei como e quando o conheci, falei que Will quase não saía de casa, mas que, com um misto de subterfúgio e teimosia, eu o fizera sair algumas vezes.
— Você tem que entender que seu pai detestava depender de alguém — falei. — E sair não só significava que ele precisava contar com outra pessoa, mas também que seria visto dependendo de outros.
— Mesmo se fosse você.
— Mesmo se fosse eu.
Ela ficou pensativa por um instante.
— Eu odiaria que me vissem desse jeito. Nem gosto que me vejam de cabelo molhado.
Visitamos a galeria, onde ele tentara me explicar a diferença entre a arte moderna “boa” e a “ruim” (eu ainda não sabia reconhecer), e ela fez careta para quase tudo exibido ali. Demos uma olhada na loja de vinhos em que ele me fizera provar diferentes tipos da bebida (“Não, Lily, não vamos fazer uma degustação hoje”), depois fomos até o estúdio de tatuagem onde ele me convencera a me tatuar. Ela perguntou se eu podia lhe emprestar dinheiro para que ela fizesse uma (quase chorei de alívio quando o homem falou que menores de idade não tinham permissão), então pediu para ver minha abelhinha. Essa foi uma das poucas ocasiões que senti que eu realmente a impressionara. Ela riu quando contei o que Will escolhera tatuar: uma data de validade no peito.
— Você tem o mesmo senso de humor terrível que ele — falei, e ela tentou não demonstrar sua satisfação com isso.
Nesse instante, o proprietário, entreouvindo nossa conversa, mencionou que tinha uma foto.
— Guardo fotos de todas as tatuagens que fazemos — disse ele sob o seu bigode retorcido e com gel demais. — Gosto de ter um registro. Só me diga a data.
Ficamos ali paradas em silêncio enquanto ele folheava o fichário de plástico. E lá estava a foto, de quase dois anos antes, um close daquele desenho em preto e branco, gravado com capricho na pele cor de caramelo de Will. Fiquei olhando para a fotografia e a lembrança me deixou sem fôlego. O pequeno retângulo preto e branco, o que eu limpara e secara com um pano macio, no qual passara protetor solar e encostara o rosto. Eu teria esticado o braço para tocar a foto, mas Lily se antecipou, passando delicadamente seus dedos com unhas roídas na imagem da pele do seu pai.
— Acho que vou fazer uma — disse ela. — Igual à dele, quer dizer. Quando eu tiver idade para isso.
— E aí, como ele está?
Lily e eu nos viramos. O tatuador estava sentado na sua cadeira, esfregando um antebraço muito colorido.
— Eu me lembro dele. Não recebemos muitos tetraplégicos aqui. — Ele sorriu. — Esse cara é uma figura, não é?
De repente senti um nó na garganta.
— Ele morreu — disse Lily de repente. — Meu pai. Ele morreu.
O tatuador estremeceu.
— Desculpe, querida. Eu não fazia ideia.
— Posso ficar com a foto?
Lily já havia começado a retirá-la do fichário.
— Claro — respondeu ele depressa. — Pode pegar se quiser. Aqui, leve uma capinha plástica também. Caso chova.
— Obrigada — disse ela, enfiando a foto debaixo do braço.
Enquanto o homem gaguejava outro pedido de desculpas, saímos da loja.

* * *

Almoçamos em silêncio numa cafeteria que servia café da manhã o dia inteiro. Sentindo que o clima daquele dia estava passando, comecei a falar. Contei a Lily o que eu sabia sobre a vida amorosa de Will, sobre sua carreira, revelei que ele era o tipo de homem que nos fazia ansiar por sua aprovação, fosse com algo que o impressionasse ou fazendo-o rir com alguma piada idiota. Falei como ele era quando o conheci e como mudara, amolecera o coração, começando a encontrar alegria nas pequenas coisas, ainda que várias dessas pequenas coisas parecessem envolver zombar de mim.
— Eu não me aventurava muito quando se tratava de comida, por exemplo. Minha mãe faz basicamente dez pratos que ela passou os últimos vinte e cinco anos alternando. E nenhum envolve quinoa. Nem capim-limão. Ou guacamole. Mas seu pai comia qualquer coisa.
— E agora você também come?
— Na verdade, ainda experimento guacamole a cada dois meses, mais ou menos. Por ele.
— Você não gosta?
— O sabor é bom, acho. Só não consigo superar o fato de que parece algo que saiu do nosso nariz.
Contei sobre a ex-namorada dele e que, no casamento dela, me sentei no colo de Will enquanto girávamos pela pista de dança na sua cadeira de rodas motorizada, fazendo a noiva resfolegar a bebida pelo nariz. (“Sério? No casamento dela?”) Dentro daquela pequena cafeteria superaquecida, evoquei a presença do pai de Lily da melhor forma que pude, e, talvez, por estarmos longe de todos os problemas de casa, ou porque seus pais estavam em outro país, ou devido ao fato de que, pela primeira vez, alguém estava lhe contando histórias descomplicadas e engraçadas sobre ele, Lily riu, fez perguntas e assentiu várias vezes, como se minhas respostas tivessem confirmado algo em que ela já acreditava. Sim, sim, ele era desse jeito. Então talvez eu seja também.
E enquanto conversávamos tarde adentro, deixando nossas xícaras de chá esfriarem à nossa frente, a garçonete cansada oferecendo mais uma vez para retirar o que sobrara da torrada que havíamos levado duas horas para comer, me dei conta de outra coisa: pela primeira vez, eu estava me lembrando de Will sem qualquer tristeza.
— E você?
— Eu o quê?
Coloquei o último pedaço na boca, olhando para a garçonete, que me encarou como se esse fosse um motivo para voltar.
— O que aconteceu com você depois que meu pai morreu? Quer dizer, parece que você fazia muito mais coisas com ele, mesmo que estivesse preso a uma cadeira de rodas, do que faz agora.
O pão virou uma gosma na minha boca. Tive que me esforçar para engolir. Por fim, quando a torrada desceu, falei:
— Faço coisas. Tenho andado ocupada, só isso. Trabalhando. Quer dizer, quando a gente trabalha em turnos, é difícil fazer planos.
Ela ergueu um pouco as sobrancelhas, mas não disse nada.
— E meu quadril continua doendo muito. Ainda não estou boa para fazer alpinismo. — Lily mexeu seu chá preguiçosamente. — Minha vida é agitada. Quer dizer, cair de um telhado não é muito monótono. É bastante emoção para um ano só!
— Mas não é fazer alguma coisa, é?
Ficamos quietas por um instante. Respirei fundo, tentando acalmar o súbito zumbido em meus ouvidos. A garçonete, se colocando entre nós duas, pegou os pratos vazios e, com um leve ar de triunfo, os levou para a cozinha.
— Ei — falei. — Já contei sobre a vez que fui com seu pai à corrida de cavalos?

* * *

Com um timing impecável, meu carro superaqueceu na estrada, a sessenta quilômetros de Londres. Lily reagiu de forma surpreendentemente otimista. Na verdade, ela estava curiosa.
— Nunca andei num carro que enguiçasse. Nem sabia que isso ainda acontecia.
Essa declaração me deixou boquiaberta (meu pai estava sempre rezando em voz alta para sua velha van, prometendo gasolina premium, calibragens regulares dos pneus, amor infinito, se o veículo voltasse para casa). Então Lily me contou que seus pais trocavam de Mercedes todo ano.
Principalmente, acrescentou ela, por causa do estrago no interior de couro feito por seus meios-irmãos.
Ficamos paradas no acostamento, esperando o reboque chegar e sentindo meu pequeno carro sacudir esporadicamente quando os caminhões passavam. Por fim, ao decidir que ficaríamos mais seguras fora do veículo, subimos o declive na beira da estrada e nos sentamos na grama, observando o sol da tarde baixar e se pôr no outro lado da ponte da estrada.
— Então, quem é Martin? — perguntei depois de esgotarmos todo o assunto envolvendo o problema do carro.
Lily puxava a grama ao seu lado.
— Martin Steele? Foi com ele que cresci.
— Pensei que tivesse sido com Francis.
— Não. O Pentelho só surgiu quando eu tinha sete anos.
— Sabe, Lily, você deveria parar de chamá-lo assim.
Ela me olhou de soslaio.
— Tudo bem. Você deve ter razão. — Deitou-se no gramado e sorriu docemente. — Vou chamá-lo de Pelospubianos, então.
— Nesse caso vamos continuar com Pentelho. Como é que você ainda visita esse cara?
— Martin? É o único pai de quem realmente me lembro. Minha mãe começou a namorar com ele quando eu era pequena. Ele é músico. Muito criativo. Lia histórias e tal, escrevia músicas sobre mim, esse tipo de coisa. Eu simplesmente...
Ela deixou a frase incompleta.
— O que aconteceu? Entre sua mãe e ele?
Lily pegou um maço de cigarros na bolsa e acendeu um. Deu uma tragada e, quase deslocando a mandíbula, soltou uma longa faixa de fumaça.
— Um dia cheguei da escola com a babá e minha mãe apenas avisou que ele tinha ido embora. Ela disse que os dois haviam concordado que ele precisava ir porque não estavam mais se dando bem. — Deu outra tragada. — Parece que ele não se interessava pelo crescimento pessoal dela ou não compartilhava da mesma visão de futuro. Papo furado. Acho que ela apenas conheceu Francis e sabia que Martin nunca lhe proporcionaria o que ela queria.
— E o que ela queria?
— Dinheiro. E uma casa grande. E a chance de passar o dia fazendo compras, reclamando com as amigas, alinhando os chacras ou o que for. Francis ganha uma fortuna fazendo operações de private banking no private bank dele com todos os outros banqueiros private. — Ela se virou para mim. — Então, basicamente, um dia Martin era meu pai, quer dizer, eu o chamava de papai até ele sair de casa, e, no outro, não era mais. Era ele quem me levava para a creche, a escola e tudo o mais, até que minha mãe decidiu que estava cansada dele. Quando cheguei em casa ele simplesmente... tinha sumido. A casa era dela, então ele teve que sair. Assim do nada. E não tenho permissão de me encontrar com ele, nem mesmo de falar sobre ele, porque só estou trazendo à tona coisas desagradáveis sendo difícil. E é óbvio que ela está muito angustiada e sofrendo demais. — Nesse instante Lily fez uma ótima imitação da voz de Tanya. — E quando fiquei realmente brava, minha mãe me disse que não adiantava ficar tão chateada porque ele nem era meu pai verdadeiro. Então essa foi uma boa maneira de descobrir.
Fiquei olhando para ela.
— E logo depois surge Francis na nossa porta, com buquês de flores e o que ele chama de passeios em família, durante os quais fico basicamente segurando vela até que as babás me levam embora enquanto eles ficam se agarrando em algum hotel de luxo que aceita criança. Então, seis meses depois, ela me leva ao Pizza Express. Acho que está querendo me agradar, ou talvez Martin tenha voltado, mas minha mãe diz que vai se casar com Francis, o que é maravilhoso, e ele vai ser o pai mais incrível de todos para mim, e “devo amá-lo muito”.
Lily soltou um anel de fumaça para o alto, observando-o se expandir, ondular e sumir.
— Mas você não amou.
— Eu o odiava. — Ela me olhou de soslaio. — Dá para saber quando alguém apenas tolera você. Mesmo quando a gente é pequena. Ele nunca me quis, só queria minha mãe. Até consigo entender isso. Quem quer ter a filha de outro homem por perto? Então, quando ela teve os gêmeos, me mandaram para o colégio interno. Pronto. Problema resolvido.
Seus olhos ficaram cheios d’água, e eu quis me aproximar dela, mas Lily abraçou os próprios joelhos e ficou olhando fixo para a frente. Continuamos ali em silêncio por alguns minutos, observando o tráfego ficar mais pesado lá embaixo enquanto o sol começava a se pôr.
— Eu o encontrei, sabe. — Encarei Lily. — Martin. Quando eu tinha onze anos. Ouvi uma das minhas babás proibindo a outra de me contar que ele tinha passado lá em casa. Então falei que ela precisava me dizer onde ele morava ou eu contaria à minha mãe que ela estava roubando. Procurei o endereço, que ficava a quinze minutos a pé lá de casa. Pyecroft Road, conhece?
Neguei com a cabeça.
— Ele ficou feliz em ver você?
Ela hesitou.
— Muito feliz. Quase chorou, na verdade. Disse que sentia muito a minha falta, que era horrível ficar longe de mim e que eu podia visitá-lo sempre que quisesse. Mas já estava com outra pessoa e eles tinham um bebê. E quando aparecemos na casa de alguém que tem um filho pequeno e, tipo, uma família de verdade, nos damos conta de que não fazemos mais parte da família dessa pessoa. Ficamos sobrando.
— Tenho certeza de que ninguém achou...
— Ah, bem. Enfim, ele é muito gente boa e tudo, mas falei que não poderia mais vê-lo. Era esquisito demais. E, sabe, ainda disse: Não sou sua filha de verdade. Mas ele continua me ligando. É burrice. — Lily balançou a cabeça com raiva. Permanecemos sentadas ali, até que ela olhou para o céu. — Sabe o que realmente me deixa chateada? — Esperei. — Ela mudou meu nome quando se casou. O meu nome. E ninguém sequer se deu o trabalho de me perguntar. — Sua voz falhou um pouco. — Eu nem queria ser uma Houghton-Miller.
— Ah, Lily.
Ela se apressou para enxugar o rosto com a palma da mão, como se estivesse sem graça por ser vista chorando. Deu outra tragada no cigarro, depois apagou-o na grama e fungou ruidosamente.
— Mas hoje em dia Pelospubianos e minha mãe discutem o tempo todo. Eu não ficaria surpresa se eles também se separassem. Se isso acontecer, sem dúvida teremos que nos mudar de novo, trocar de nome, e ninguém vai poder falar nada por causa do sofrimento dela e da sua necessidade de seguir em frente emocionalmente ou seja lá o que for. E, daqui a dois anos, vai surgir outro Pentelho e meus irmãos serão Houghton-Miller-Branson ou Ozymandias ou Toodlepip ou qualquer coisa dessas. — Ela deu um meio sorriso. — Felizmente, a essa altura já terei ido embora há muito tempo. Não que ela vá notar.
— Acha mesmo que ela te despreza assim?
Lily virou a cabeça. Seu olhar era muito sábio para alguém da sua idade, mas também era de cortar o coração.
— Acho que minha mãe me ama. Só que ama mais ela mesma. Ou como poderia ter feito tudo isso?

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