Capítulo 12


NÃO POSSO ACREDITAR, filha! – bronqueou meu progenitor. – No
segundo mês de aula tem uma carta de advertência da escola?!
Em casa, na hora do almoço, com meu pai, meu biso e meus avós à
mesa, fui obrigada a entregar aquele papel idiota, que era a prova de
mais uma injustiça que eu sofria na vida, por causa daquela cretina que
resolveu implicar comigo e eu não sabia nem bem por quê.
– A Marta foi jogar em Angola? Logo a Marta? Que pena…
– Claro que não, papai – retrucou minha avó. – Sua bisneta levou
uma advertência.
– Por quê, querida? – quis saber meu avô.
– Porque se meteu em briga, seu José – explicou meu pai. – Na outra
escola era ignorada e nesta se mete em confusão? Qual o seu problema,
Tetê?
– Calma, Reynaldo. Deixa a menina explicar o que aconteceu. Tenho
certeza de que não foi culpa sua, querida. Vovô conhece bem a neta que
tem.
Eu amo tanto meu avô… Tanto, mas tanto… Então eu contei do jogo,
das boladas, que eu só estava me defendendo, que a menina me chamou
de gorda e tal, fez um teatrinho para justificar as agressões…
– Você não está gorda. Está só cheinha, já disse…
– Vó, meu peso é a última coisa que me incomoda nesse corpo
ridículo que eu tenho…
– Não fale nunca mais assim, Tetê. É até pecado falar uma coisa
dessas. Você tem saúde, isso é o que mais importa – confortou meu avô
(sempre ele!).
– Meu amor, essa menina é uma desqualificada. Simulou uma
discussão para te incriminar. Eu acho que vale você ir à escola para
colocar os pingos nos is, Reynaldo Afonso – sugeriu minha avó.
– Não! Por favor, não! Só vai piorar ele ir lá me defender. Vai parecer
que eu sou uma fraquinha que precisa do papai pra ser alguém.
– Então chama essa garota aqui pra eu dar uma coça nela! – brincou
meu biso. – Só assim ela vai aprender.
Meu pai assinou a carta de advertência contrariado e eu, mais
contrariada ainda, guardei na minha mochila para entregar para a
coordenadora no dia seguinte. E passei o resto da tarde fechada no meu
quarto lendo, lambendo minhas feridas, ouvindo “Clocks”, do Coldplay,
seguidas vezes. (Am I part of the cure? Or am I part of the disease?, diz
a letra. E eu? Sou parte da cura ou da doença? Da doença, certamente,
concluí sem titubear.) Estava triste com o que tinha acontecido, triste
com o rumo que as coisas estavam tomando, triste com o futuro incerto.

Mas existe futuro certo?

                                                            ***
No dia seguinte, fiz de tudo para não trocar nem um olhar com a
Idiotina e evitei ao máximo estar no mesmo ambiente que ela nos
intervalos das aulas. Mas na hora do recreio tive a infelicidade de dar
de cara com essa pessoa odiosa chamada Violentina ao sair do banheiro.
Ela olhou bem para o meu rosto e disse olhando nos meus olhos:
– Só não encho essa sua cara horrenda de tapa porque não quero
sujar minhas mãos com um ser desprezível como você.
Aí não aguentei. Não era possível eu deixar a Ciniquina sair por
cima da situação e ainda achar que metia medo em mim. Respirei fundo,
tomei coragem e fui atrás dela. Ah! Fui mesmo! E chamei:
– Valentina! Valentina!
Mas a Metidina nem se incomodou. Continuou andando pelo pátio. E
eu berrei:
– Para de fingir que não está me ouvindo! Olha pra mim!
Ela se virou com a cara mais esnobe do mundo, com aquele cabelo de
comercial de xampu, e não disse nada. Segui em frente, acreditando que
estava fazendo o certo. E soltei:
– Por que você me trata assim?
– Você não entendeu ainda? Então eu vou fazer a caridade de te
explicar. São vários motivos. O primeiro: você dá em cima do meu
namorado descaradamente desde o primeiro dia de aula. O segundo:
você fede. Terceiro: você é feia. Quarto: você é sem graça. Quinto: você
me dá nojo. Sexto: seus dentes me irritam. E tem muitos outros motivos,
mas não vou ficar aqui perdendo mais tempo me explicando pra você.
E a única frase que consegui dizer depois de todas as agressões foi…
– O que te fez ficar amarga assim?
– Amarga!? Ih, garota, sai de mim! Não quero que ninguém me veja
conversando com você, não! Que mico!
E ela disparou andando na minha frente. Eu podia sentir seu ódio em
cada célula do meu corpo. Se ela pudesse, com certeza me daria de novo
uma bolada no peito. Fiquei paralisada ali no meio do pátio, pensando
no que eu poderia fazer para mudar aquela situação. Será que a vida
toda eu seria rejeitada pelas pessoas populares? O que havia de errado
comigo? Então, de repente ouvi uma voz.
– Não liga. Ela não é amarga.
Levei um susto.
Era Samantha.
– Na boa, cara, eu não entendo você! – esbravejei. – Se isso não é
amargo, é o quê? Doce é que não é, pelo amor de Getúlio!
– Quem é Getúlio?
– Deixa pra lá, é uma longa história – respondi, com uma parte de
mim satisfeita por ter pegado a mania do Zeca, mas ainda intrigada com
o que a Samantha tinha dito. – Mas me explica: por que você defende
tanto ela?
– Porque teve um tempo em que todo mundo meio que pegava no pé
dela, sabe? – Samantha explicou, para o meu espanto.
– Pegavam no pé? Dela? Da Valentina Mentirosina? – falei, sem
acreditar no que eu tinha acabado de ouvir.
– Ela sempre foi muito bonita, e meio marrenta também…
– MEIO? – debochei.
– Tá… Bem marrenta. Mas era na dela, não tinha amigas… O povo
isolava ela legal. Só os meninos se aproximavam. Aí umas meninas
começaram a falar que ela era… Que ela era… sabe?
– Era o quê? Assaltante? Mandadora de nudes? Vaca?
Hermafrodita? Parida por uma jararaca? – ironizei.
– É, por aí mesmo. A palavra tem a ver com bicho sim… – Samantha
estava sem jeito de me dizer.
– É o que eu tô pensando? O povo dizia que ela era… era… piranha? –
pronunciei a última palavra em um tom mais baixo.
– Isso mesmo. Ela ficou com uma fama péssima, andava triste pelos
cantos, chorava escondida no banheiro. O pai dela veio na escola e tudo,
porque ela pediu pra sair quando começou a se sentir excluída.
– E aí?
Uau! Eu estava louca para saber o fim da história! Aquele assunto
me interessava muito. Não tinha ideia de que gente bonita também
podia sofrer bullying. Como assim a Valentina sabia o que era se sentir
excluída e fazia o mesmo comigo e com outras pessoas? Será que não
tinha aprendido nada, a Valentina Burraldina?
– E aí que não adiantou. Mas…
– Mas o quê? Deixa de suspense, Samantha! Conta logo! – pedi,
curiosa ao extremo.
– Daí que a sorte virou pro lado de Valentina Coitadina e ela
começou a namorar o Erick no ano passado. Então todo mundo começou a
bajular a Cretina. Todos passaram a shippar os dois. Erickina. Ou
Valerick, como preferir.
Claro que não foi a Samantha que disse isso, né?
– Zecaaaa! Você estava ouvindo nossa conversa? – bronqueei, aos
risos.
– Claro! Fofoca boa a gente tem que ouvir. Pra ver se a sua versão
teve algum upgrade.
– E teve? – questionou Samantha.
– Não. Depois disso ela começou aos poucos a botar as asinhas de
fora de novo e virou a rainhazinha da escola. Erick já era o rei. Só que
ele sempre foi humilde e por isso querido por geral. Já a Metidina…
– Não entendo como uma pessoa que sofreu não aprende a lição. Ela
devia ser bem mais legal – pensei alto.
– Ela é insegura! Eu acho que ela ataca pra se defender, pra evitar
virar alvo de novo, sabe? – Samantha teorizou.
– Samantha, eu não te entendo! Você é muito boazinha, sabe? A
garota era sua amiga, deixou de ser do nada, hoje te hostiliza e você
segue defendendo a maluca? Eu, hein?! – Zeca atacou.
– Eu não gosto de fazer mal, de julgar ninguém… Sou assim… –
argumentou, fofaaaaa!
Nesse instante seu celular tocou. Era a mãe da Samantha.
– Vou ter que atender! Daqui a pouco a gente se fala, ou então
encontro vocês na sala.
Zeca fez uma cara esquisita e hilária como todas as caras que ele
fazia. Exagerado, careteiro.
– Que foi? – perguntei para ele.
– Ela não é essa santa toda, não, tá, Tetê? Parece que já teve um rolo
com o Erick…
– Jura? E ele já estava com a Valentina? Ele traiu a Valentina com
ela? Foi antes de ele ficar com a Valentina? Quem deu em cima de
quem? Quando? Como? – perguntei, com olhos arregalados de surpresa.
Aquele recreio era o mais animado da minha vida.
– Ah, Tetê, muita pergunta! Não sei de nada… Não me comprometa!
Só sei que deu ruim e elas se afastaram. Mas acho que nenhuma delas é
mocinha nem vilã nessa história, sabe? Abre o olho, japonesa!
Rimos. O sinal tocou e eu fiquei com a pulga atrás da orelha.

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