Capítulo 13

O bebê do Sr. Traynor nasceu no dia seguinte. Meu telefone tocou às seis e meia da manhã e, por um breve e terrível instante, achei que algo ruim tivesse acontecido. Mas era só o Sr. Traynor, ofegante e choroso, anunciando num tom ligeiramente incrédulo e exclamativo:
— É uma menina! Três quilos e novecentos! E é perfeita!
Ele me contou como ela era linda e parecida com Will quando bebê, me disse que eu devia conhecê-la logo e depois me pediu para acordar Lily. Fiz isso e a observei escutar, com sono e em silêncio, a notícia de que ganhara uma... uma... (eles demoraram um pouco a se dar conta disso) uma tia!
— Tudo bem — disse ela, por fim. E, depois de ficar mais um tempo ouvindo, acrescentou: — Sim... claro.
Lily encerrou a ligação e me devolveu o telefone. Seus olhos encontraram os meus, em seguida ela se virou com sua camiseta amassada e voltou para a cama, fechando a porta do quarto com força.

* * *

Às dez e quarenta e cinco da manhã, previ que o vendedor de plano de saúde já bem embriagado estava a uma rodada de ser barrado do voo. Enquanto me perguntava se devia sinalizar isso, um casaco familiar e reflexivo apareceu no bar.
— Não tem ninguém precisando de assistência médica aqui. — Eu me aproximei dele devagar. — Pelo menos não por enquanto.
— Nunca me canso dessa roupa. Nem faço ideia do motivo.
Sam se sentou num banco e apoiou os cotovelos no balcão.
— A peruca é... interessante.
Ajeitei minha saia de Lurex.
— Eletricidade estática é meu superpoder. Quer um café?
— Obrigado. Mas não posso ficar muito tempo.
Sam verificou o rádio e o guardou de volta no bolso do casaco. Preparei um americano para ele, tentando não demonstrar como estava feliz em vê-lo.
— Como você sabia onde eu trabalhava?
— Tivemos um chamado no portão quatorze. Suspeita de ataque cardíaco. Jake me disse que você trabalhava no aeroporto e, sabe, não foi exatamente difícil localizá-la...
O executivo ficou quieto por um instante. Eu já havia reparado que Sam era o tipo de homem que deixava os outros um pouco inibidos.
— Donna está dando uma olhada no Duty Free. Em bolsas.
— Então já atendeu seu paciente?
Ele sorriu.
— Não. Eu ia perguntar como faz para chegar ao portão quatorze depois de me sentar para tomar um café.
— Muito engraçado. Salvou a vida dele?
— Dei uma aspirina e alertei-a que tomar quatro espressos duplos antes das dez da manhã não era uma ideia muito boa. Fico lisonjeado que você tenha uma visão tão empolgante do meu dia de trabalho.
Não consegui conter o riso. Entreguei o café. Ele deu um gole, agradecido.
— Bem, eu queria saber... Você topa ter outro não encontro qualquer hora dessas?
— Com ou sem ambulância?
— Definitivamente sem.
— Podemos discutir adolescentes problemáticos?
Percebi que eu estava enrolando um cacho de cabelo de náilon com os dedos. Pelo amor de Deus. Eu estava brincando com um cabelo que nem sequer era meu cabelo de verdade. Larguei-o.
— Podemos discutir o que você quiser.
— O que está pensando em fazer?
Ele fez uma pausa longa o suficiente para me deixar corada.
— Jantar? Na minha casa? Hoje à noite? Prometo que se chover não vou te obrigar a sentar na sala de jantar.
— Combinado.
— Busco você às sete e meia.
Sam estava tomando o último gole do café quando Richard apareceu, olhou para ele e depois para mim. Eu continuava encostada no bar, bem próxima dele.
— Algum problema? — perguntou.
— Nenhum — respondeu Sam, que, ao se levantar, ficou uma cabeça mais alto que Richard.
Alguns pensamentos fugazes passaram pelo semblante do meu patrão, e foram tão óbvios que consegui perceber a sequência deles. Por que esse paramédico está aqui? Por que Louisa está parada, sem fazer nada? Eu gostaria de dar uma bronca nela por não estar ocupada, mas esse homem é muito grande e não estou entendendo muito bem essa dinâmica, o que me deixa um pouco desconfiado desse cara. Isso quase me fez cair na gargalhada.
— Então... hoje à noite. — Sam assentiu para mim. — E pode continuar de peruca? Gosto de você inflamável.
Um dos executivos, corado e satisfeito, recostou-se na cadeira de tal forma que sua barriga esticou as costuras da camisa.
— Você vai nos dar uma lição sobre os malefícios do álcool?
Os outros riram.
— Não, vão em frente, cavalheiros — disse Sam, cumprimentando-os. — Vejo vocês daqui a um ou dois anos.
Observei-o seguir para a área de embarque, encontrando-se com Donna em frente à livraria. Quando me virei para o bar, Richard estava me encarando.
— Preciso dizer, Louisa, que não aprovo você socializando no local de trabalho — disse ele.
— Ótimo. Da próxima vez, digo para ele ignorar o ataque cardíaco no portão quatorze.
Richard cerrou o maxilar.
— E o que ele disse sobre você usar a peruca mais tarde, fique sabendo que essa é uma propriedade do Shamrock and Clover Irish Themed Bars Inc. Portanto, você não tem permissão para usá-la fora do trabalho.
Dessa vez não consegui me conter e comecei a rir.
— Jura?
Até ele teve a delicadeza de corar um pouco.
— Política da empresa. É considerado uniforme.
— Poxa, que droga — falei. — Acho que terei que comprar minhas próprias perucas de dançarina irlandesa. Ei, Richard! — chamei quando ele começou a voltar furioso para sua sala. — Para ser justo, isso significa que você não pode sair para dançar com a Sra. Percival usando essa camisa polo?

* * *

Cheguei em casa e não encontrei sinal de Lily, exceto por um pacote de cereal na bancada da cozinha e, inexplicavelmente, um monte de terra no corredor. Tentei ligar para ela, mas ninguém atendeu, e me perguntei como algum dia encontraríamos equilíbrio entre Pais Superansiosos, Pais Preocupados em Nível Normal e Tanya Houghton-Miller. Fui logo tomar banho e me arrumei para o encontro que, definitivamente, não era um encontro.

* * *

Estava chovendo – o céu desabara pouco depois de chegarmos ao campo de Sam – e mesmo tendo corrido a pequena distância da moto até o vagão de trem, ficamos ensopados. Fiquei parada pingando enquanto ele fechava a porta ao entrar, me lembrando da sensação desagradável de estar com as meias úmidas.
— Fique aí — disse ele, secando as gotas em sua cabeça com a mão. — Não pode continuar com essas roupas molhadas.
— Esse parece o início de um filme pornô muito ruim — comentei.
Sam ficou imóvel e me dei conta de que de fato tinha dito aquilo em voz alta. Dei um sorriso, mas saiu um pouco amarelo.
— Tudo bem — tranquilizou ele, erguendo as sobrancelhas.
Sam desapareceu no fundo do vagão e voltou um minuto depois com um suéter e uma calça de moletom.
— A calça de jogging do Jake. Acabou de ser lavada. Mas talvez não seja muito típico de uma estrela pornô. — Ele me entregou. — Meu quarto fica lá atrás, se quiser se trocar. Ou o banheiro, que é naquela porta ali, se preferir.
Entrei no quarto dele e fechei a porta. Acima da minha cabeça, a chuva fazia barulho ao bater no teto do vagão, encobrindo as janelas com uma torrente de água sem fim. Pensei em fechar as cortinas, depois lembrei que não tinha quem pudesse me ver, ninguém além das galinhas, que estavam amontoadas para se proteger da chuva e mal-humoradas por terem que sacudir as gotas das penas. Tirei a blusa e a calça jeans encharcadas e me sequei com a toalha que ele me entregara com as roupas. Só por diversão, me exibi pela janela para as galinhas. Depois me dei conta de que isso era algo que Lily faria. As aves não pareceram impressionadas. Levei a toalha ao rosto e, culpada, senti o cheiro, como se eu estivesse cheirando uma droga proibida. Tinha sido lavada recentemente, mas de alguma forma ainda carregava um odor masculino. Eu não sentia um cheiro parecido desde Will, o que me desestabilizou por um instante, então larguei a toalha.
A cama de casal ocupava quase todo o quarto. No lado oposto, um armário estreito era usado como guarda-roupa e, organizadamente empilhados no canto, havia dois pares de botas. Repousavam na mesa de cabeceira um livro e, ao lado, uma fotografia de Sam com uma mulher sorridente, que estava com o cabelo louro preso no alto da cabeça em um coque bagunçado. Ela passara o braço em volta dos ombros dele e sorria para a câmera. Não tinha a beleza de uma top model, mas havia algo fascinante em seu sorriso. Parecia ter sido uma mulher muito sorridente, uma versão feminina de Jake. De repente, senti uma tristeza esmagadora por ele e tive que desviar os olhos antes de também ficar triste por minha causa. Às vezes eu tinha a sensação de que todos nós estávamos no mesmo mar de sofrimento, relutando em admitir para os outros até que ponto estávamos apenas acenando ou já nos afogando. Eu me perguntei se a relutância de Sam em falar sobre a esposa espelhava a minha. E sabia que, na hora que nos abríssemos e deixássemos escapar qualquer murmúrio de nossa tristeza, esse sentimento se multiplicaria rapidamente, se tornando uma nuvem que esmagaria todas as outras conversas.
Dei uma conferida na minha aparência e respirei fundo.
— Tenha uma noite agradável — murmurei, recordando as palavras do Grupo Seguindo em Frente. Permita-se momentos de felicidade.
Limpei o rímel borrado ao redor dos olhos, observando no espelhinho que não havia muito o que fazer pelo meu cabelo. Então vesti o enorme suéter de Sam, tentando ignorar a intimidade esquisita de usar as roupas de um homem, depois coloquei a calça de Jake e olhei meu reflexo no espelho.
O que acha, Will? É só uma noite agradávelNão precisa significar nada, não é?
Sam riu quando apareci, arregaçando as mangas do casaco.
— Você parece ter uns doze anos.
Entrei no banheiro, torci minha calça, minha camisa e minhas meias na pia, em seguida, pendurei-as sobre a cortina do chuveiro.
— O que está cozinhando?
— Bem, eu ia preparar uma salada, só que esse tempo já não combina mais com salada. Então estou improvisando.
Ele tinha colocado uma panela com água fervendo no fogo, e as janelas estavam embaçadas.
— Você come massa, não é?
— Como qualquer coisa.
— Excelente.
Ele abriu uma garrafa de vinho e serviu uma taça para mim, fazendo sinal para que eu me sentasse no banco. A mesinha na minha frente havia sido posta para dois, e senti um leve frisson ao reparar nisso. Não havia mal nenhum em curtir um momento, um pequeno prazer. Eu já tinha saído para dançar, me exibido para algumas galinhas e estava prestes a aproveitar uma noite com um homem que queria fazer um jantar para mim. Era possível dizer que tudo isso era um progresso.
Talvez Sam tenha percebido minha luta interna, porque esperou que eu desse o primeiro gole e, mexendo algo no fogo, perguntou:
— Aquele era o chefe de quem você falou? O homem de hoje?
O vinho estava delicioso. Tomei mais um gole. Eu não me atrevia a beber ao lado de Lily, pois poderia baixar a guarda.
— Era.
— Conheço o tipo. Se serve de consolo, daqui a cinco anos ele vai ter uma úlcera no estômago ou uma pressão tão alta que vai causar disfunção erétil.
Eu ri.
— Essas possibilidades são estranhamente reconfortantes.
Por fim, Sam se sentou, me mostrando uma tigela fumegante de massa.
— Saúde — disse ele, erguendo um copo d’água. — E agora me conte o que está acontecendo com essa garota perdida.
Ah, era um alívio muito grande ter alguém com quem conversar. Eu estava tão desacostumada a estar com pessoas que realmente ouviam – diferente daquelas, no bar, que só queriam escutar o som da própria voz – que falar com Sam foi uma revelação. Ele não me interrompeu, nem deu opinião, nem disse o que eu devia fazer. Escutava, assentia e enchia minha taça de vinho. Até que, por fim, quando já estava tarde, ele disse:
— Você assumiu uma enorme responsabilidade.
Recostei-me no banco e coloquei os pés para cima.
— Acho que não tenho escolha. Fico repetindo aquela sua pergunta: o que Will ia querer que eu fizesse? — Bebi outro gole. — Só que é mais difícil do que eu imaginava. Achei que eu fosse apenas levá-la para conhecer os avós, todo mundo ficaria encantado e teríamos um final feliz, como naqueles programas de reencontro na televisão.
Sam observou as próprias mãos. Olhei para ele.
— Você acha que sou louca por estar me envolvendo.
— Não. Muita gente vai atrás da própria felicidade sem pensar no estrago que deixa para trás. Você não acreditaria na garotada que resgato nos fins de semana: bêbada, drogada, pirada, o que for. Os pais estão focados em seus próprios assuntos ou desapareceram de vez, então essa juventude vive num vácuo e faz escolhas ruins.
— É pior do que costumava ser?
— Vai saber... Só sei que vejo esses garotos muito confusos. E que o psiquiatra que atende os jovens no hospital tem uma lista de espera enorme. — Ele deu um sorriso irônico. — Mas chega de falar. Preciso colocar as galinhas para dormir.
Fiquei com vontade de perguntar como alguém que parecia sensato podia ser tão indiferente aos sentimentos do próprio filho. Quis lhe perguntar se ele sabia como Jake estava infeliz. Mas ia parecer que eu estava querendo comprar briga, considerando o jeito como ele falava e o fato de ter cozinhado um jantar muito bom para mim... Eu me distraí com as aves entrando, uma de cada vez, no galinheiro. Ele voltou, trazendo os leves aromas do quintal e um ar mais frio, e então o momento passou.
Ele serviu mais vinho e eu bebi. Eu me permiti aproveitar o aconchego daquele pequeno vagão de trem e a sensação de estar de barriga cheia, enquanto ouvia Sam falar. Contou sobre as noites que passou segurando as mãos de idosos que não queriam fazer alvoroço do seu estado de saúde e sobre as metas de gestão que desanimavam todo mundo, dando a impressão de que não estavam fazendo o trabalho para o qual haviam sido treinados. Escutei, absorta num mundo distante do meu, observando suas mãos animadas traçarem círculos no ar, seu sorriso triste quando achava que se levava muito a sério. Continuei observando as mãos dele. Sem parar.
Corei ligeiramente quando percebi para onde meus pensamentos se encaminhavam e tomei mais um gole do vinho para disfarçar.
— Onde Jake está?
— Não tenho visto muito ele. Deve estar na casa da namorada, acho. — Ele pareceu triste. — Ela tem uma família no estilo dos Waltons, com milhares de irmãos e uma mãe que passa o dia inteiro em casa. Ele gosta de ficar lá. — Sam tomou outro gole de água. — Então, cadê Lily?
— Não sei. Mandei duas mensagens de texto, mas ela não se deu o trabalho de responder.
A mera presença dele. Era como se ele tivesse o dobro do tamanho e o dobro da vivacidade dos outros homens. Meus pensamentos ficavam à deriva, atraídos por seus olhos, que se estreitavam um pouco enquanto ele ouvia, como se tentasse confirmar que estava me entendendo perfeitamente... A barba despontava do seu queixo e seu ombro marcava a lã macia do suéter. Meu olhar sempre voltava para suas mãos, apoiadas na mesa, tamborilando distraidamente. Mãos muito competentes. Lembrei-me da ternura com que segurara minha cabeça, do jeito que eu me agarrara a ele na ambulância, como se fosse a única coisa me ancorando. Ele me olhou e deu um sorriso interrogativo, fazendo algo derreter dentro de mim. Acho que não seria má ideia, desde que eu ficasse de olho aberto, não é?
— Quer um café, Louisa?
Ele tinha um jeito específico de olhar para mim. Neguei com a cabeça.
— Quer...
Antes que eu pudesse pensar, me debrucei sobre a mesinha, estiquei o braço para alcançar sua nuca e o beijei. Ele hesitou apenas por um instante, depois se inclinou para a frente e retribuiu o beijo. A certa altura, acho que alguém derrubou uma taça de vinho, mas eu não conseguia parar. Queria beijá-lo para sempre. Bloqueei todos os pensamentos sobre o que estava acontecendo, o que significava, em que outra confusão eu poderia me meter. Vamos, viva, falei para mim mesma. E o beijei até deixar a parte racional de lado e me tornar um impulso, viva apenas para fazer o que eu queria com ele.
Sam recuou primeiro, um pouco atordoado.
— Louisa...
Um talher caiu no chão. Eu me levantei e ele fez o mesmo, me puxando para perto. De repente estávamos fazendo um estardalhaço pelo pequeno vagão de trem, nos agarrando e nos beijando, e, ah, meu Deus, o perfume, o sabor e o toque dele eram como minúsculos fogos de artifício explodindo por todo o meu corpo, pedaços de mim que eu considerara mortos se reacendendo. Sam me pegou no colo e me enrosquei nele, sentindo sua corpulência, força e seus músculos. Beijei seu rosto, sua orelha, meus dedos se emaranharam em seu cabelo macio e escuro. Até que ele me colocou no chão, nos deixando bem próximos, os olhos fixos nos meus, com uma expressão interrogativa.
Eu estava ofegante.
— Não tiro a roupa na frente de ninguém desde... o acidente — falei.
— Tudo bem. Tenho treinamento médico.
— Estou falando sério. Não estou na minha melhor forma.
De repente fiquei com vontade de chorar.
— Quer que eu faça você se sentir melhor?
— Essa é a frase mais piegas que eu já...
Ele levantou a camisa, exibindo uma cicatriz roxa de cinco centímetros na barriga.
— Aqui. Há quatro anos fui apunhalado por uma australiana com problemas mentais. Esse aqui. — Ele se virou para mostrar um enorme hematoma verde e amarelo na base das costas. — Levei um chute de uma mulher bêbada sábado passado. — Ele estendeu a mão. — Dedo quebrado. Prendi na maca quando fui levantar um paciente acima do peso. E, ah, sim... aqui. — Ele exibiu o quadril, ao longo do qual havia uma pequena linha prateada com as reentrâncias da sutura bem visíveis. — Marca de perfuração de procedência desconhecida numa briga de boate na Hackney Road ano passado. Os policiais nunca descobriram o culpado.
Observei sua firmeza e suas inúmeras cicatrizes.
— O que é essa aqui? — perguntei, tocando com delicadeza uma cicatriz menor em um dos lados da barriga. Sua pele estava quente embaixo da camisa.
— Essa? Ah. Apêndice. Eu tinha nove anos.
Observei seu torso, depois seu rosto. Então, sustentando seu olhar, tirei o suéter devagarinho pela cabeça. Estremeci de forma involuntária, mas eu não sabia dizer se foi por causa do ar mais frio ou do nervosismo. Ele se aproximou, ficando a centímetros de mim, e delicadamente passou o dedo pelo contorno do meu quadril.
— Eu me lembro disso. Lembro que deu para sentir a fratura bem aqui. — Ele percorreu minha barriga nua com o dedo e meus músculos se contraíram. — E aqui. Estava começando a ficar arroxeado. Tive medo de que tivesse lesionado algum órgão. — Ele encostou sua palma quente ali e fiquei sem ar.
— Nunca pensei que as palavras “lesionado algum órgão” pudessem parecer tão sensuais.
— Ah, ainda nem comecei.
Sam me fez andar de costas devagarinho até sua cama. Sentei-me com os olhos fixos nos seus, e ele ajoelhou, descendo as mãos pelas minhas pernas.
— E depois teve isso. — Ele pegou meu pé direito, que tinha uma cicatriz de um tom forte de vermelho bem em cima. Acompanhou afetuosamente a linha com o polegar. — Aqui. Quebrado. Lesão de tecido mole. Essa deve ter doído.
— Você se lembra de muita coisa.
— Eu não seria capaz de reconhecer a maioria das pessoas na rua no dia seguinte. Mas você, Louisa, bem, você eu não esqueci. — Ele abaixou a cabeça e beijou o dorso do meu pé, depois subiu lentamente as mãos pelas minhas pernas e apoiou uma de cada lado, ficando acima de mim, sustentando o próprio peso. — Mas não tem nada doendo agora, não é?
Neguei com a cabeça, sem dizer nada. Eu não me importava mais. Não queria saber se ele era um mulherengo compulsivo ou se estava fazendo um jogo. Eu estava tão sufocada de desejo que, na verdade, não ligava se ele quebrasse meu outro lado do quadril.
Sam se aproximou de mim, centímetro por centímetro, e me deitei de costas, me esparramando na cama. A cada movimento, minha respiração ficava mais curta, até que não consegui ouvir nada além dela no silêncio.
Ele me encarou, depois fechou os olhos e me beijou devagar e com ternura. Sam me beijou e jogou o peso em cima de mim, me permitindo sentir a deliciosa impotência do desejo, a rigidez de um corpo no meu. Nós nos beijamos, seus lábios em meu pescoço, sua pele na minha, até me deixar tonta, até me fazer arquear involuntariamente o corpo, as pernas enroscadas nele.
— Ai, meu Deus — falei, ofegante, quando paramos para recuperar o fôlego. — Queria que você não fosse totalmente errado para mim.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Isso é... hum... sedutor.
— Você não vai chorar depois, vai?
Ele piscou.
— Hã... não.
— E só para você saber, não sou nenhuma obsessiva esquisita. Não vou seguir você por aí depois. Nem pedir que Jake me conte alguma coisa enquanto você estiver no chuveiro.
— É... bom saber disso.
E depois de estabelecermos as regras gerais, me virei para ficar por cima dele e o beijei até esquecer tudo o que tínhamos acabado de falar.

* * *

Uma hora e meia depois, eu estava deitada de costas encarando, atordoada, o teto baixo. Minha pele pinicava, meus ossos estalavam, eu sentia dor em lugares que não sabia que podiam doer, mas fui tomada por uma extraordinária sensação de paz, como se meu âmago tivesse simplesmente fundido e ganhado uma nova forma. Não tinha certeza se algum dia conseguiria me levantar dali.
Nunca se sabe o que vai acontecer quando se cai de uma grande altura.
Definitivamente essa não era eu. Corei ao relembrar os últimos vinte minutos. Será que eu tinha mesmo... e eu... Repassei minhas lembranças. Eu nunca tinha feito sexo daquele jeito. Não nos sete anos que passei com Patrick. Era como comparar um sanduíche de queijo com... o quê? Com a haute cuisine mais incrível de todas? Com um filé enorme? Acabei rindo sem querer e tapei a boca com a mão. Eu me sentia completamente diferente.
Sam cochilava ao meu lado. Virei a cabeça e olhei para ele. Ah, meu Deus, pensei, admirando seu rosto, seus lábios. Era impossível olhar para ele e não sentir vontade de tocá-lo. Considerei aproximar um pouco mais o rosto e a mão para poder...
— Ei — disse ele baixinho, os olhos estremunhados de sono.
De repente me dei conta...
Ai, meu Deus. Eu me tornei uma delas.

* * *

Nós nos vestimos em silêncio. Sam se ofereceu para preparar um chá para mim, mas falei que eu devia voltar, pois precisava ver se Lily estava em casa.
— A família dela está de férias e tal.
Passei os dedos pelo meu cabelo embaraçado.
— Claro. Ah. Você quer ir agora?
— Sim... por favor.
Peguei minhas roupas no banheiro, me sentindo inibida e ficando sóbria de repente. Eu não podia deixá-lo perceber como eu estava desestabilizada. Cada parte de mim estava focada em tentar me distanciar dele novamente, e isso me deixava sem jeito. Quando saí do banheiro, Sam já tinha se vestido e estava arrumando o resto das coisas do jantar. Tentei não olhar para ele.
Desse jeito era mais fácil.
— Posso ir para casa com as suas roupas? As minhas continuam molhadas.
— Claro. Só... Esquece.
Ele mexeu numa gaveta e estendeu um saco plástico. Peguei-o e ficamos ali parados no escuro.
— A noite foi... legal.
— Legal. — Ele ficou me olhando como se tentasse entender alguma coisa. — Tudo bem.

* * *

Enquanto andávamos de moto pela noite úmida, tentei não apoiar a cabeça nas costas de Sam. Ele quis me emprestar uma jaqueta de couro, embora eu tivesse insistido que não precisava. Depois de alguns quilômetros, esfriou mais e fiquei feliz por estar de casaco. Chegamos ao meu apartamento às onze e quinze, embora eu tenha conferido novamente no relógio, por via das dúvidas. Eu tinha a sensação de já ter vivido várias vidas desde que ele me buscara.
Desci da moto e comecei a tirar a jaqueta dele. Mas Sam abaixou o descanso da moto com o calcanhar.
— Está tarde. Pelo menos me deixe levar você até lá em cima.
Hesitei.
— Tudo bem. Se esperar um pouco, posso devolver suas roupas.
Tentei parecer despreocupada. Ele deu de ombros e me acompanhou até a porta.

* * *

No fim da escada já ouvíamos a batida da música que chegava até o corredor. No mesmo instante soube de onde vinha. Fui mancando energicamente pelo corredor, parei diante do apartamento e abri a porta devagar. Lily estava de pé no meio da sala, com um cigarro numa das mãos e uma taça de vinho na outra. Usava o vestido amarelo florido que eu comprara numa loja vintage, na época em que me importava com o que vestia. Fiquei olhando... e é possível que eu tenha tropeçado ao notar o que mais ela estava usando, pois senti Sam me segurar pelo braço.
— Bela jaqueta, Louisa!
Lily apontou para o próprio pé. Estava usando meus sapatos verdes brilhosos.
— Por que não usa esses aqui? Você tem todas essas roupas loucas e só usa, tipo, calça jeans e camiseta todo dia. Muuuito sem graça!
Ela voltou para o meu quarto e saiu um minuto depois segurando um macacão de lamê dourado estilo anos 1970 que eu costumava combinar com botas marrons.
— Quer dizer, olhe só para isso! Estou invejando muito esse macacão.
— Tire isso — falei, por fim.
— O quê?
— Essa meia-calça. Tire logo. — Minha voz saiu abafada e irreconhecível.
Lily olhou para a meia-calça preta e amarela.
— Mas, falando sério, você tem roupas realmente vintage aqui. Da Biba, DVF. Aquela peça roxa que parece da Chanel. Sabe quanto valem todas essas coisas?
— Tire logo.
Talvez Sam tenha notado minha súbita severidade, pois começou a me empurrar para a frente.
— Olhe, por que não vamos para a sala e...
— Não saio daqui até ela tirar essa meia-calça.
Lily fez uma careta.
— Nossa, não precisa surtar por causa disso.
Tremendo de raiva, fiquei observando Lily tirar minha meia-calça de abelhinha, dando chutes quando prendeu no seu pé.
— Não rasgue!
— É só uma meia-calça.
— Não é só uma meia-calça. Foi um... presente.
— Mesmo assim é só uma meia-calça — resmungou a menina.
Ela finalmente tirou a meia-calça amarela e preta, largando-a embolada no chão. Vindo do outro quarto, eu conseguia ouvir o barulho de cabides batendo um no outro, enquanto presumivelmente o resto das minhas roupas eram recolocadas no lugar às pressas.
Pouco depois, Lily apareceu na sala. De calcinha e sutiã. Ficou esperando até ter certeza de ter atraído nossa atenção, depois colocou lenta e ostensivamente um vestido curto pela cabeça, remexendo-se quando passou por seus quadris estreitos e brancos. Então sorriu docemente para mim.
— Vou para a balada. Não me espere acordada. Prazer em revê-lo, Sr...
— Fielding — completou Sam.
— Sr. Fielding.
Ela sorriu para mim, mas aquilo não era sorriso coisa nenhuma. E saiu batendo a porta.
Dei um suspiro trêmulo, depois fui pegar a meia-calça. Eu me sentei no sofá e a estiquei, alisando-a até ter certeza de que não havia nenhum fio puxado nem furos de cigarro.
Sam sentou-se ao meu lado.
— Você está bem? — perguntou.
— Sei que você deve me achar louca — falei, por fim —, mas foi um...
— Não precisa explicar.
— Eu era uma pessoa diferente. A meia-calça significava que... eu era... ele me deu... — Minha voz falhou.
Ficamos sentados ali no apartamento silencioso. Eu sabia que devia dizer alguma coisa, mas fiquei sem palavras e com um nó na garganta.
Tirei a jaqueta de Sam e lhe entreguei.
— Está tudo bem — falei. — Você não precisa ficar.
Senti os olhos dele fixos em mim, mas não desviei os meus do chão.
— Vou deixar você sozinha, então.
E antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele foi embora.

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Atenção: para postar um comentário, escolha Nome/Url. Se quiser insira somente seu nome.

Please, no spoilers!

Expresse-se:
(◕‿◕✿) 。◕‿◕。 ●▽●

⊱✿◕‿◕✿⊰(◡‿◡✿)(◕〝◕) ◑▂◐ ◑0◐

◑︿◐ ◑ω◐ ◑﹏◐ ◑△◐ ◑▽◐ ●▂● 

●0● ●︿● ●ω● ●﹏● ●△● ●▽●

Topo