Capítulo 16

SAMANTHA ESTAVA com a cara péssima. Não. Péééééssima. E o
inusitado aconteceu. Antes mesmo que uma palavra de explicação fosse
dita, Valentina Barraqueirina voou para cima de Samantha e começou a
puxar o cabelo dela. Aquela ali gostava de uma briga, hein?
– Gente, que bafo! Até perdi a vontade de ir no banheiro – comentou
Zeca.
Olhei feio para ele.
– Ah, entendi. Tem que ajudar a separar as moças, né?
– É! – respondi, ríspida.
Zeca e Erick tentaram, sem muito sucesso, separar as duas.
Samantha dava uns tapas barulhentos na Valentina enquanto seu cabelo
era violentamente puxado.
– Parou agora! Parou! – gritou Erick, com a veia saltando do pescoço.
Aliás, que pescoço lindo, ô, lá em casa!
– O que vocês estavam fazendo no banheiro? Anda, conta, Erick! –
pediu a nervosina Valentina.
– Eu estava passando mal!
– Mentira, Samantha! Não tem vodca na festa, botaram água nas
garrafas de bebida, você tomou suco, sua falsa!
– O quê? – estranhou minha amiga, com os olhos arregalados. – Não,
eu fiquei tonta mesmo, não pode ser!
– Não ficou, não! Você simplesmente esperou o Erick sair de perto
de mim pra vir atrás dele com essa desculpa esfarrapada!
Caramba… Samantha era essa pessoa ardilosa mesmo? Cho-ca-da!
– Que horas o Erick veio pro banheiro? – perguntei baixinho para o
Zeca.
– Pouco depois de você cair com o Dudu. Pelo menos ele viu o tombo
do século – respondeu o palhaço, matando minha curiosidade.
O clima estava tenso. Muito tenso.
– Valentina! O que está acontecendo? Estou te procurando há
séculos. Tá tudo bem? – Laís estava muito agitada.
– Não, Laís, não tá tudo bem.
– Valentina, a Samantha passou mal e eu ajudei. Foi só isso – o Erick
insistia.
– Passou mal com suco, Erick? Sério? Você acha que eu caio nessa?
– Eu não tenho por que mentir pra você!
– Então por que está mentindo? – Valentina estava fazendo um
escândalo.
– Ele não está. Juro que passei mal! – explicou Samantha.
Seria ela uma falsa ou uma menina apaixonada? Ou nenhuma das
duas opções? Eu estava confusa.
– Se não tinha bebida, eu então passei mal com outra coisa, mas juro
que vomitei. Você acha mesmo que eu ia seduzir alguém fazendo a
bêbada?
– Acho a sua cara! – Palhacina respondeu na lata.
– Eu também – fez coro Laís.
– Vamos, meu amor. Tá tudo bem agora. – Erick queria dispersar a
confusão.
– Não me venha com “meu amor”, Erick Senna d’Almeida! Isso tá
muito mal explicado, eu não ouvi vômito nenhum!
– Eu ouvi, Valentina. E quase vomitei aqui fora – defendi minha
amiga.
Será que ela era minha amiga mesmo? Ou se aproximou de mim para
tentar conquistar o Erick, pois tinha visto que o divo era sempre tão
gentil, educado e querido comigo?! Como diria Zeca… Que bafo! Mas eu
podia jurar que ouvi barulho de vômito…
– Não vamos discutir aqui, Valentina. A festa é do Orelha e a gente
não quer estragar o dia dele.
– A gente já tava discutindo na pista! O que mudou? Acho que estava
no nosso destino discutir hoje à noite! – reagiu ela, raivosa.
– Vamos lá pra fora. Mas sem gritos, por favor – pediu Erick, já
conduzindo a namorada pelo braço.
Valentina olhou para trás e, enigmática, soltou as seguintes frases:
– Eu sei quem você é, Samantha. Eu sei do que você é capaz.
U-a-u! Mil vezes u-a-u! Fala sério! Esse fim de barraco foi melhor
que a melhor novela mexicana! Zeca e eu ficamos estáticos,
boquiabertos.
– Tô no chão! – comentou Zeca, o exagerado. – Geeeente… Que babado
foi esse?
– Que vergonha! Que vergonha! – Samantha chorou.
– Não fica assim… Você não tem culpa de nada… – consolei.
– Ou tem? – o Zeca deixou escapulir.
Samantha o encarou com ódio.
– Não acredito que você, Zeca, ache que eu posso ter inventado uma
situação dessas pra me aproximar do Erick. A Valentina tudo bem. Mas
você? Que decepção…
– Ué, Samantha. Ficou estranha mesmo essa história. Até porque
parece que você e o Erick já tiveram um rolo no passado, não tiveram? –
questionou Zeca.
– Não, a gente nunca teve nada! Nada! – respondeu ela, aos prantos. –
Eu quero ir embora. Vou ligar pro meu pai pra ele me buscar.
– Ai, Zeca, para. A Samantha já falou que eles não tiveram nada. E se
ela falou, a gente acredita nela, não é, Zeca? – falei, cerrando os dentes
para consolar a menina. – E tem mais. O Erick não faria isso. Ele não
trairia a namorada. Ele é um cara legal – ponderei.
– Tá certo, é verdade. Desculpa, Samantha. Bom, mas agora a vontade
de ir ao banheiro voltou. Já volto – disse Zeca, entrando pela porta do
banheiro masculino.
Sozinha com Samantha, dei a mão para ela.
– Quer conversar?
– Quero chorar. Posso? Ou será que vão duvidar do meu choro
também? – ela espetou.
– Ninguém vai duvidar de mais nada, fica tranquila…
E Samantha desatou a chorar por alguns minutos. Eu só esperei. E
tentei consolar, abraçando-a. Quando ela se acalmou um pouco, tentei
engatar uma conversa.
Em alguns minutos, o Zeca voltou saltitante.
– Migas! Não acredito que vocês ainda estão aqui! Vamos já dançar
pra esquecer esse barraco. Adoooooro essa música – falou, como se
surgisse de uma nuvem de purpurina.
E foi nos puxando endiabrado, já separando nosso abraço e nos
arrastando para a pista onde todos dançavam “Worth it”, do Fifth
Harmony, como se não houvesse amanhã.
– Vou lavar meu rosto. Encontro vocês lá.
– Beleza, Samantha. Vem, Tetê!
E Zeca (sempre ele!) me puxou pelo braço.
– Que foiê? Que cara é essa? Ela te contou alguma coisa? – perguntou
ele, o futriqueiro.
– Não, né?! Tava só chorando, tadinha.
– Sei… Mas essa aí não me engana, não! Mas chega desse assunto!
Vamos dançar, Tê!
Quando chegamos na pista, Dudu me esperava com um copo de
refrigerante na mão.
– Onde você estava? Peguei pra você, mas já deve estar quente.
Own… O refri era para mim! Que garoto mais fofo! E eu pensando no
Erick e em todas as informações que eu tinha acabado de ouvir.
– Assim que passar outro garçom eu pego um mais gelado pra você.
– Obrigada…
– Que foi? Você de repente ficou dispersa…
– Nada… É que… – Eu não conseguia tirar os olhos da parte externa
do salão, onde Valentina e Erick discutiam gesticulando muito.
Como eu queria ser uma mosca para saber o que estava acontecendo.
Dudu virou-se para trás:
– Que foi? O casal discutindo tirou sua atenção daqui?
– Mais ou menos… Desculpa… É que acabei de presenciar uma cena
louca e queria saber o desfecho dela.
– Se quiser ir lá pra fora eu vou com você. – Ele foi cavalheiro.
– Imagina…
O que eu poderia fazer lá fora? Por que eu queria tanto ir lá para
fora quando do lado de dentro estava tão bom? Fiquei tão obcecada com
o Erick – e com a Valentina, confesso – que não dei atenção para aquele
menino lindo, educado, que falava que nem um senhor de 75 anos, irmão
do meu amigo Davi. E que era um charme. E que me tratava com tanta
delicadeza… Por que é que a gente é assim?!
– Vamos ficar aqui… Me fala de você. Como foi morar em Minas?
– Foi bom, só não terminou muito bem. Prefiro falar disso outro dia.
E você? Me fala de você…
Então eu falei. Pela primeira vez na vida, alguém parecia de verdade
querer saber de mim. E foi tão bom… Falamos de vida, estrelas, café com
leite, pudim, cheiro de chuva, música, livros (ele também leu A culpa é
das estrelas umas mil vezes, olha que máximo!), antialérgicos, perebas
em geral (sim, perebas), família, caspa (sim, caspa), espinhas (elas
atazanaram o Dudu uma época da vida, então eu fiquei com esperança.
Ele até me deu o contato do dermatologista dele), sapato apertado,
guarda-chuva estampado, carnaval com Netflix, os intermináveis 90
minutos do futebol… Como o assunto rendia com ele! Nem vi o tempo
passar. E tampouco me lembrava da existência do casal Valerick.
– Você devia fazer locução. Sua voz é tão doce – elogiou Dudu.
Doce?! Minha voz? Que elogio original… Ownnnnn…
– Nossa, que lindo. Obrigada. Nunca ninguém disse isso da minha
voz.
– Bando de insensíveis. Insensíveis e surdos – brincou ele.
E eu ri como se o Dudu tivesse contado a melhor piada do mundo.
Alguma coisa acontecia dentro de mim. Alguma coisa qualquer
estranha. Maravilhosamente estranha. Estranhamente maravilhosa.
– Vocês não vêm? – perguntou Davi, aproximando-se da gente.
– Pra onde? – Dudu e eu perguntamos em coro.
– Cantar parabéns, ué!
– Já?
Caramba! O tempo realmente tinha voado. O Orelha era o
aniversariante mais empolgado do mundo. Cantava animadamente
parabéns para ele mesmo e se deu o primeiro pedaço do bolo.
– Agora vocês se virem! – avisou, antes de voltar para a pista. – A
festa continua, meu povo! Só cantei parabéns pra velharada que quer
dormir.
– Velha é a sua avó, menino! – brincou a avó do Orelha, uma senhora
muito elegante de cabelos loiros.
– Mals aí, vobs! – Orelha se desculpou.
Vobs! Eu ameeeeei vobs!
– Eles foram embora! – anunciou Zeca
– Quem foi embora? – perguntei sem entender direito.
– Como “quem”? O Erick, seu lindo, e a Valentina, sua horrendina,
que brigaram.
– Brigaram?
– Sim. Valentina jura que Samantha e o Erick ficaram, Tetê. Ela
estava furiosa. Foi uma discussão... – ele soltou.
– Jura? Cadê a Samantha, aliás?
– Foi embora também. Saiu à francesa, não falou com ninguém.
Gente, mas você não viu nada? O papo com o Dudu tava bom, né? – ele
perguntou, em um tom bem insinuante.
– Tava… – respondi sorrindo.
– Hum… Tô achando que Erick, seu lindo, perdeu.
– Paraaaa! – bronqueei, dando um tapinha no Zeca.
– Tô pensando em ir daqui a pouco também. O Dudu ofereceu carona
mais cedo pra gente, e eu já te fiz o favor de aceitar por nós dois tá? De
nada. Teu bofe dirige, amor! Boy magia com carro tem peso dois!
– Que horror, Zeca!
Nesse momento, chegou Dudu com um pedaço de bolo para ele e
outro para mim. Ele trouxe bolo para mim! Quase derreti. Fomos
apreciar a vista enquanto saboreávamos o sensacional bolo com recheio
de doce de leite e damasco. Massa leve, perfeita, sem granulado, que eu
odeio, doce sem ser enjoativo. Dos melhores bolos que comi na vida.
– Bom demais estar aqui com vocês. Mesmo eu me achando o tiozão
da galera – comentou Dudu.
– Que tiozão? Você tem 18 com cara de 16, garoto louco! – disse Zeca.
– Viu? Ninguém acredita quando eu digo que você tem 18. Carinha
de menino. Acho até que pareço mais velho que você – falou Davi.
– Também não exagera, Davi! – brinquei.
Eu estava tão gaiata e piadista. Que noite incrível!
Na hora de ir embora, fomos até o estacionamento para pegar o carro,
eu, Zeca, Davi e Dudu. E eu fiquei abismada quando o Dudu
simplesmente abriu a porta do carro para a minha pessoinha! Sim! Ele
é ESSE tipo de garoto! E me fez sentar na frente, ao lado dele. Vagalumes
dourados saíram do meu estômago. Ai, que delícia de sensação! Que
inédita sensação!
Assim que entramos no carro do Dudu, o Davi apagou no banco de
trás. Dormia e babava como se estivesse na cama. Morro de inveja de
quem dorme assim, rápido. Morro. Primeiro o Dudu deixou o Zeca,
depois foi a minha vez. Ele parou na frente do meu prédio e olhou bem
para mim.
– Foi um prazer conhecer você melhor, Tetê – disse ele.
– O prazer foi meu…
– Espero te ver mais vezes.
– Eu também. A gente vai se ver esta semana. Tenho um trabalho pra
fazer com seu irmão que tá marcado na sua casa.
– Oba!
Ai, meu Deus!!! Ele disse “oba”!
Apenas sorri. Aos poucos eu começava a aprender que quando não
temos nada de bom a ser dito é melhor ficarmos calados.
– Boa noite, Dudu – falei sorrindo.
– Não vai me dar um beijo?
Oi? O quê? Como? Quando? Onde? Que pergunta é essa?! Nossa
Senhora dosCupidos Errantes, me ajuda!!! O meu sangue subiu para a
cabeça e, mesmo com o ar congelante do carro, eu suava toda. Bunda,
cabeça, nariz, sola dos pés. Que beijo? Esse menino quer me beijar?
Mas eu sou BV! Completamente BV!
E ele veio para cima de mim! Ai, não! Não! Não tô pronta! Não sei se
quero! Quero! Não quero! Quero, sim! Ai, que vergonha! Fecho o olho?
Faço um biquinho com a boca? Abro a boca? Escondo a boca? Então eu
tapei a boca com uma das mãos. Sim, eu fiz isso e não gostaria de
desenvolver esse assunto por motivo de… vergonha.
– Que foi?
– O quê? – perguntei, sem disfarçar meu espanto misturado com
nervosismo, ainda com a boca tapada.
– Por que você colocou a mão na boca? Achou que eu ia te beijar sem
seu consentimento?
– Você não ia me beijar?
– Eu só queria me despedir. Ainda se despede com dois beijinhos
aqui no Rio, não é?
Tetê, sua anta! Sua louca de pedra! Sua doida varrida!, gritei
mentalmente. Óóóbvio que ele só queria me dar dois beijinhos. Só eu,
louca, para achar que aquele projeto de Ashton Kutcher ia querer
beijar essa boca horrorosa que eu tenho!
– Claro, beijar pra se despedir eu quis dizer… Mas me deu dor de
dente! – foi o melhor que eu consegui inventar na hora.
– Sério? Quer que eu te leve na farmácia pra comprar um
analgésico?
Ownnnn… Para de ser tão fofo!
– Não, imagina! Obrigada… Tem em casa. Um beijo, tchau – disparei,
engolindo as palavras e a vergonha e saindo rapidamente do carro.
Mas não acaba aqui. Não, claro que não. A história é sobre mim: Tetê,
a garota atolada.
Ao saltar do carro, eu tropecei e caí na calçada (sim, caí na calçada
de cara no chão), de tão afobada que estava.
Droga! Eu faço tudo errado! Tudo errado! Que ódioooooo!
Dudu saiu do carro rapidamente, deu a volta e logo veio me acudir.
Coisa lindaaaa!
– Está tudo bem? Você se machucou?
– Não! Tô bem. De repente quebrei um dente, mas ele tava doendo,
mesmo – fiz piada.
– Você caiu de cara no chão. Vem cá, deixa eu ver – pediu,
aproximando-se de mim e colocando as duas mãos no meu rosto.
Eu conseguia sentir sua respiração. Estávamos literalmente
respirando o ar um do outro.
Eu tremia por dentro.
– Foi só o susto – decretou. – Seu rosto continua lindo e intacto.
– Obrigada…
– Vai lá. Vou esperar você entrar.
E eu corri para a portaria como a Cinderela corre no baile antes de
dar meia-noite. A sensação era de que eu estava flutuando.
E de repente eu já estava na sala de casa, e nem sei como cheguei lá.
Não vi elevador, não vi como abri a porta, não vi mais nada. Só despertei
do meu transe quando ouvi a voz do meu pai, que me recebeu com tom
de bronca:
– Tetê! Você demorou!
– Que susto, pai!
– Posso saber por que não ligou? A gente não tinha combinado que
você me ligaria pra te buscar?
– Mas a gente voltou com o irmão do Davi. Ele tem 18 e dirige. E não
bebe.
– Tá bem. Mas não faz mais isso! Fiquei preocupado.
– Desculpa… Foi a minha primeira festa, pai…
– Eu sei.
– Dancei e tudo, acredita?
– Você? É mesmo?
– Vou tomar um banho e dormir. Tô morrendo de sono. Boa noite,
paizinho.
Dei uns passos na direção do banheiro e parei.
– Pai… Me dá um abraço?
– Claro, meu amor…
E a gente ficou um tempão ali abraçadinhos. Abraço esmagado,
abraço gostoso demais da conta… Como há muito tempo eu não dava nele.
E aquele abraço me lembrou de quando eu era criança e ele me protegia
dos meus medos, dos perigos, do escuro, e me dava carinho por motivo
nenhum. Como era bom!
– Segunda eu tenho uma entrevista. Torce para o papai arrumar
emprego logo? Não quero ser um inútil. E quero te dar uma vida bacana
de novo, que você tenha um quarto só seu…
– Ô, pai… Eu sei… Mas você tem que parar de apostar. Esse negócio
de cavalo é tão caído.
– Eu sei, querida. Pode ficar tranquila. Aprendi a lição. Nunca mais
piso no jóquei – afirmou. – Torce por mim?
– Vai dar certo. Já deu – incentivei. – Te amo, tá?
– Também te amo.
No banho, a água quente caía na minha cabeça e amornava meu
coração.

Que noite! Que noite…

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