Capítulo 17

ACORDEI DOMINGO na esperança de receber um telefonema ou uma
mensagem do Duduau. Não rolou nem uma coisa nem outra. Ah, tudo
bem. Por que ele ligaria para a louca que tapa a boca e se estabaca no
chão e só fala besteira? Mas a verdade é que eu não conseguia parar de
pensar nele. E cada vez que eu pensava, sentia um frio na barriga. Mas
eu pensava também no Erick, e fiquei imaginando se ele tinha mesmo
terminado com a Valentina, e se estava finalmente livre da cretina. Será
que um dia eu teria uma chance com ele? Nossa, quantos sentimentos
misturados.
Fui para a mesa tomar café e a família estava toda reunida. Parecia
que estavam me esperando para começar o interrogatório.
– Foi boa a festa, filhota? – perguntou minha mãe.
– Maravilhosa! – respondi, feliz da vida.
– Você está tão bonita, minha querida… – disse meu vô lindo.
– Um tipão – ratificou meu biso.
– Obrigada, mas vocês são suspeitos!
– Não precisa de peito nenhum, não fala bobagem, menina! Vocês não
podem dar peito de presente pra essa menina, hein? Peito de silicone é
muito artificial! – desandou a falar meu biso, levando a gente à
gargalhada.
– Que peito, papai? A Tetê falou que VOCÊS SÃO SUSPEITOS!
– Aaaaahhh… – fez ele. – Faz mais sentido mesmo.
– Mãe, peguei o telefone de um dermatologista ótimo. Posso marcar?
– Claro, boneca! Se quiser, eu vou com você.
– Muito bem! Vai se livrar dessas pipocas! – entrou na conversa
minha avó.
– Mamãe! Não fala assim! Ela já tentou da outra vez!
– Tô brincando, Helena. Mas e então, algum namorico ontem?
– Namorico? Vó, quem é que fala namorico? – debochei.
– Eu, ué. E não desconversa. Teve namorico? Teve bitoquinhas?
Suspirei revirando os olhos.
– Não, vó!
– Então o que é esse olho brilhando aí? – perguntou meu avô.
Fiquei azul de vergonha.
– Ih! Olha aí! Eu estava blefando, mas parece que a festa foi boa
mesmo, hein! – decifrou ele.
– Você beijou alguém? – perguntou minha mãe.
– Você ficou? Você ficou com algum, algum, algum garoto? Ficou?
Ficou? Fic…
– Não, pai!
– Mas beijou de língua?
– Vó! Não! Se eu não fiquei eu não beijei ninguém! Ai, gente! Como
vocês são chatos! Vamos mudar de assunto, por favor? Obrigada, de
nada.
Família…
Meu celular fez plim. Dei um pulo. Será que era o Dudu? Ai, meu
estômago esfriou e meu coração disparou.


Mas não era.


SAMANTHA

Amiga, pode falar?


TETÊ

Claro! Você sumiu ontem!

– Filha, celular na mesa neeeem pensar – brigou minha mãe.


TETÊ
Te chamo daqui a pouco.
Vou só terminar de tomar café


Droga! Eu tava doida para saber o que tinha acontecido, se ela sabia
alguma coisa do Erick e da Valentina! Tudo bem que, com a entrada do
Dudu em cena, eu me esqueci disso, mas agora já estava de novo
mortinha de curiosidade. Terminei o café e fui para o quarto.


TETÊ

Já posso falar. Quer por áudio?

SAMANTHA

Agora quem não pode sou eu.
Tô subindo a serra com meus irmãos
e meus pais e enjoo digitando.
A gente se fala segunda.

TETÊ

Segunda?
Eu queria ter colocado um emoji de espanto depois do ponto de
interrogação, mas acho que ela ia me achar fofoqueira. Mas poxa… Como
assim só “segunda”?

SAMANTHA
O sinal é péssimo aqui em Vassouras…

TETÊ

Ah tá


Drogaaaaaaa! O que fazer com a curiosidade? Eu só ia saber
segunda? Que mundo injusto e cruel! Como eu ia saber se o Erick e a
Metidina ainda estavam juntos ou não?
Resolvi ler um pouco, mas eu não conseguia me concentrar muito,
relembrando as cenas da noite anterior. E um sorriso bobo brotava no
meu rosto. Cochilei um pouco à tarde e depois fui ao teatro com meus
avós (sim, eu gosto de teatro). No meio do espetáculo, senti um
tremelique no meu aparelho.
Ah, deve ser a Samantha que conseguiu sinal, pensei. Finalmente
vou saber do casal.

Mas era outra boa notícia.


DUDU

Oi. Tudo bem? Só pra saber se está tudo bem
com a senhorita ou se algum galo resolveu
cantar na sua testa.
O meu coração disparou. Era o Dudu! O espetacular Dudu! O fofo e
inteligente Dudu. Gentil-e-que-abre-a-porta-do-carro Dudu!
Quase morri.


TETÊ

Nenhum galo cantou na minha testa.
Ela continua só com as espinhas mesmo


DUDU

Que bom que nenhum galo apareceu! Te
atrapalho?

TETÊ

Hum, estou no teatro com meus avós.


DUDU

Desculpa!
Vai lá. Mais tarde a gente

se fala.


TETÊ

Não! Posso falar agora!
Ainda não tocou o terceiro sinal!


Tarde demais. Perdi Dudu. Droga! E perdi para sempre porque ele
não fez nenhum contato mais. Deve ter se arrependido de trocar
mensagens comigo. Ou devia ter mil coisas melhores para fazer do que
falar comigo pelo WhatsApp. Passei o resto da noite esperando uma
mensagem dele que nunca mais chegou. E não consegui tirá-lo da
cabeça.
Na segunda-feira, todos os comentários na escola eram sobre a festa
do Orelha. E sobre a briga da Valentina, da Samantha e do Erick,
obviamente. Não sei como as pessoas ficaram sabendo, mas o fato é que o
MUNDO soube do barraco do banheiro, e agora toda a escola se fazia a
mesma pergunta: Erick e Samantha ficaram ou não ficaram, afinal? Era
viagem da cabeça da Valentina?
– Geral comentando o barraco! – fofocou Zeca. – Geral querendo
saber de Valerick.
Eu ia dar minha opinião, mas nessa hora meu celular apitou.


 DAVI
Tetê, não vou conseguir ir à aula, mas está
tudo certo pra hoje à tarde lá em casa, ok?

TETÊ
Ok, mas tá tudo bem?

DAVI
Ontem à noite meu avô passou
mal e teve que vir pro hospital.
Edema pulmonar. De novo.



Caramba! Por ISSO o Dudu não fez mais contato comigo ontem…
Tadinhos! E os dois têm que cuidar sozinhos do avô e resolver um monte
de coisas. E são tão novinhos! Eu não sei se eu conseguiria fazer isso


TETÊ
Puxa… Quer ajuda?

DAVI
Obrigado. Meu irmão tá aqui comigo.

A gente se fala mais tarde. Bjs


Ai, Dudu estava lá com ele. Dudu. E eu me perdi de novo nos meus
pensamentos.
De repente, Erick entrou na sala e a sensação que eu tive foi de que
todo mundo meio que prendeu a respiração. Mas ele não chegou
sozinho! Chegou de mãos dadas com a Valentina, que estava com o nariz
mais empinadino que nunca. Então, eles ainda eram namorados? E eles
não tinham terminado nem brigado?
Que decepção…
O casal 20 sentou no fundo da sala, como era de costume. E ambos
pareciam mais apaixonados que nunca. Mas, ao contrário de outras
manhãs, estavam silenciosos. Nem um pio da voz estridente da Chatina.
Que estranho…
Não demorou muito para chegar Samantha, que adentrou o recinto
com Orelha. Não! Eles não estavam ficando, só chegaram na mesma hora!
De novo geral prendeu a respiração. Todo mundo olhando sem piscar
para o casal e para Samantha. Para Samantha e para o casal. Para o casal,
para Saman… Ah, você entendeu.
Valentina virou de costas e abraçou Erick. Samantha parecia bem.
Sem culpa, sem ressentimentos. Sentou-se ao meu lado.
– E aí? Como foi seu domingo? – perguntou ela, como se nada tivesse
acontecido.
– M-meu domingo? Ótimo. E o seu? – respondi, tentando aparentar
naturalidade.
– Melhor impossível. Adoro serra com calor. Tô até com marquinha
de biquíni, olha.
– Arrã. Marquinha, ok.
Não resisti e fui direto ao ponto:
– Tá todo mundo sabendo da sua briga com a Valentina…
– Eu sei. Mas tenho que ignorar e fingir que não estou morta de
vergonha e destruída por dentro. E você, como amiga, precisa me ajudar
a parecer natural – ela falou, mostrando a maturidade que eu já tinha
percebido nela.
– Claro.
– Ri!
– O quê?
– Finge que eu contei uma coisa engraçadíssima pra você, Tetê!
Anda! Ri! – implorou ela, baixinho.
E eu dei uma gargalhada que, sinceramente, mereceria o Oscar de
Melhor Gargalhada Falsa. Arrasei. Simplesmente descobri naquele
momento um dom inato meu. Nasci para dar gargalhadas falsas. Com
direito a tapa na mesa e tudo. Foi muito engraçada mesmo a não história
que a Samantha me contou. Que sucesso! Descobri que podia ser uma
excelente atriz naquele minuto.
– Menos, Tetê. Tá doida? – bronqueou Samantha.
Tudo bem, se dependesse dela eu não ganharia o Oscar de Melhor
Gargalhada Falsa. Escrevi para ela no caderno: #chata #insensível.
Mostrei e ela fez uma careta para mim. O professor chegou e o clima
tenso e pesado da sala logo foi amenizado. Mas o relógio naquela manhã
andou a passo de cágado!



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