Capítulo 18


– VOCÊ VAI CHEGAR sozinha na casa do garoto, Tetê?
– Vou. O que é que tem, pai? É só um trabalho em grupo. A gente não
vai morar lá.
– Os pais dele vão estar em casa? Eu quero falar com eles… Você é a
única menina desse trabalho de História… Quero saber onde está
pisando, mostrar pra eles que você tem pai, família…
Sorri sem mostrar os dentes tortos. Um sorriso pequeno, do meu
modo, mas eu estava genuinamente feliz com a preocupação paterna. Era
a primeira vez que ele se envolvia com meus problemas, com meus
estudos, com minha vida. Se bobear… era a primeira vez que eu estava
sentindo que meu pai era… meu pai.
Engraçado… Mesmo com menos grana, morando de favor na casa dos
meus avós, meus pais pareciam mais leves, mais felizes. Até o
casamento parecia ter melhorado. Como isso era possível? Que bom que
isso era possível. Eu tinha uma família louca, mas com a qual eu me
acostumava mais a cada dia. Até com o ronco do meu biso eu estava me
acostumando.
– Tá bom. Vou te passar o telefone do Davi já, já. Ele mora com os
avós, e, pelo que ele fala, são dois fofos – contei. – Mas o avô está no
hospital, só a avó dele, dona Maria Amélia, vai estar em casa.
– Tá bom, Tetê, me passa o telefone que eu vou falar com ela. Mas eu
já falei com sua avó, e ela vai te acompanhar até a casa desse menino, ok?
– Pai, você não acha que é um pouco de exagero, não?
Mas ele não achou. E, na hora de sair, minha avó disse que a vizinha
do andar de cima, a Zélia, também iria com a gente até a casa do Davi.
Assim elas aproveitavam o passeio e colocavam a conversa em dia.
Subimos um andar, apanhamos a Zélia e, quando pegamos o elevador,
demos de cara com a Lucinha, uma menina que devia ter no máximo uns
18 anos e morava lá no prédio.
– Querida, há quanto tempo! – disse minha avó, sorrindo com toda a
boca.
– Nossa, como está bonita, Lucinha! – cumprimentou Zélia, mais
simpática do que nunca.
– Está aproveitando a tarde ensolarada? Muito agradável o dia de
hoje, não? – puxou papo minha avó.
– Nossa, tá uma delícia. Vou tomar uma água de coco com meu
namorado na praia e depois vamos ao cinema.
– Olha! Você está com namoradinho?
Lucinha baixou os olhos, envergonhada, e fez que sim com a cabeça.
– Que bom, minha querida! – comemorou Zélia. – E que sortudo!
– Ter uma menina como você é uma dádiva nos dias de hoje. Viva o
amor! – gritou minha avó, um tanto exagerada.
– V-viva… – repetiu Lucinha, bem baixinho, um tanto assustada com
a empolgação vespertina das duas. – Tchau, gente. Tchau, Tetê. É Tetê,
né?
– Iiiih! Olha aí, Tetêêêê! Lucinha sabe seu nome e tudo! Que
bacana!!! Viu só? Aos poucos as pessoas ficam sabendo da sua
existência, coisa rechonchuda da vó!
Eu quis tacar um rolo de plástico-bolha na boca da minha avó nesse
minuto, obviamente. Em vez disso, apenas acenei para Lucinha.
A porta do elevador se abriu, saímos todas, e, no que Lucinha se
distanciou de nós, elas iniciaram um diálogo surreal.
– Não dá, né, Zélia?
– Não dá, Djanira!
– Não dá o quê, gente? – eu quis saber.
– Essa pele! Não dá! Tá pior que a sua, Tetê!
– Muito pior! Chega a ser anti-higiênico! – atacou Zélia.
– Agora me diz, como é que essa menina tem namorado?
– Não sei, Djanira. Tanta menina bonitinha encalhada, e ela, com
essa pele e esse nariz do tamanho de um bonde, tem namorado.
Eu estava chocada. Zélia e minha avó eram duas falsianes de
carteirinha.
– E tem bafo. Já sentiu o bafo dela? – perguntou minha avó.
– Ô… – reagiu Zélia.
Lição daquela tarde: os mais velhos também fazem bullying. O
mundo está perdido mesmo.
– A vida é uma injustiça. Uma boa de uma porcaria! – decretou Zélia.
– Ninguém presta, ninguém vale nada, ninguém leva nada a sério! –
completou minha avó.
Claro. O mundo inteiro não valia nada, só elas, com todo aquele amor
para dar. Tsc, tsc, tsc… Diante do meu silêncio, vovó falou:
– Viu só como foi bom vir com a vovó e com a Zélia? A gente papeia,
vê o movimento e você ainda se diverte. Porque eu e Zélia somos ótimas!
Do balacobaco! – comentou, com zero modéstia. – Não foi muito melhor
vir com a gente do que andar sozinha por Copacabana?
Não, não foi. Não foi nada legal ver minha avó resmungando e
maldizendo a vida e ainda falando mal de uma pessoa tão inofensiva.
Mas em silêncio eu estava e em silêncio continuei.
Chegamos ao prédio do Davi, me despedi das duas (apesar da
insistência da vovó para ir comigo até o apartamento) e subi.
A casa dos avós dele era uma graça, cheia de fotos dos dois na parede,
em quadrinhos delicados. Que casal lindo… Até suspirei. Quem atendeu
a porta foi a avó do Davi, dona Maria Amélia, que me recebeu com os
braços abertos e um elogio ao meu pai.
– Que pessoa simpática, o Reynaldo Afonso, seu pai. É tão raro ver
pais preocupados assim hoje em dia. A juventude está tão desgarrada da
família…
Fiquei felizona. Felizona, tipo, quase de sorrir com os dentes à
mostra, sabe?
– Ele é fofo mesmo… – corroborei. – Fui a primeira ou a última a
chegar?
– Só falta o Erick. O Zeca já está lá dentro com o Davi.
– Ah…
– Eu levo você lá, querida.
– Claro. É… O… O D-dudu… Ele não tá em casa?
– Ah, você conhece o Dudu?
– Conheci na festa do Orelha.
– Tão lindo o meu Dudu… Ficou no hospital com o avô para que eu
pudesse descansar um pouco. Aquelas camas de acompanhantes são um
martírio para a coluna da gente!
– Ah…
Eu fiquei tão triste com aquela informação… Tão triste. Egoísta! Em
vez de achar muito legal o garoto estar fazendo companhia para o avô, só
consegui pensar na pena que era os meus olhos não cruzarem com os
dele. Como eu queria olhar para aqueles olhinhos apertadinhos de novo
e matar a saudade enorme que eu estava sentindo…
– Meus netos são uma bênção divina, Tetê.
– O Davi tem verdadeira adoração pela senhora.
– Tetê! Olá! – saudou Davi, aparecendo na sala. – Vejo que você e
minha avó já se conheceram.
– Já…
E nesse momento tocou a campainha. Era Erick, o lindo. Erick, o
maravilhoso, tinha chegado no recinto! E eu teria algumas horas perto
dele sem a bestina da namorada por perto! E meu coração deu uma
acelerada.
Ele entrou, cumprimentou a avó do Davi e veio nos cumprimentar.
Quando ele me deu dois beijinhos na bochecha eu quase desmaiei. E
voltei a mim com a voz escandalosa do Zeca, que ia aparecendo na sala e
bradando:
– Erick, que pena que você não trouxe sua simpática namorada! Nós
todos gostamos tanto dela…
Eu quis rir alto. Mas não ri. Fiz a fina e só sorri.
– Namorada? Que namorada?
Pausa! Pausa, Brasil, polo norte e China!
Que namorada? O Erick disse “Que namorada?”!
Se isso fosse uma novela mexicana, a música de fundo subiria e o
capítulo acabaria com o close nos meus olhos arregalados. Como “Que
namorada?”, se eles estavam juntinhos e apaixonados hoje de manhã?!
– Gente, mas o que aconteceu? Vocês estavam no maior grude mais
cedo na escola! – Zeca, sempre ele!, disse tudo o que eu queria ter dito.
– Explique-se, Erick Senna d’Almeida!
Ok, esse “explique-se” eu jamais teria coragem de dizer.
E, nesse exato momento, meu celular fez plim. Quem poderia ser?
Seria a Samantha? Ou a Valentina, me atacando e colocando em mim a
culpa do fim de seu relacionamento sério por causa do lance da porta do
banheiro?
Gulp!
Não, não era nem Samantha nem Valentina. Ufa!
Era o doido do Zeca, que estava na minha frente, mas arrumou um


jeito de comentar comigo à parte. E eu adorei.


ZECA
Ele terminou com a Insuportaveldina!
CHO-KI-TOOOO!


TETÊ

 ZECA

Vou apurar melhor.

TETÊ
Oba!

 – Tô off-white, Erick! Conta esse bafo a-go-ra! O que fez você
terminar com a Bruxina? – Zeca fez o prometido, perguntando
justamente o que eu gostaria de saber.
– Acabou, ué. Mas não tô a fim de falar sobre isso, valeu? – ele
encerrou, sendo elegante e discreto.
– Claro – disse Davi, mais elegante ainda.
E eu quis matar o Davi! E o Zeca também quis, com certeza.
Não! Não é isso que tem que acontecer agora!, eu berrava em
pensamento. Agora é a hora de demonstrarmos preocupação com o
amigo, de oferecer ombros e ouvidos. Não é possível que só eu queira
saber algumas informações do Erick. Coisa pouca. Coisas banais do
tipo: como eles terminaram? Por quê? Foi por mensagem? Whatsapp?
Olho no olho? Celular? Quando exatamente? Que horas? Onde? Que
palavras foram ditas? Era definitivo ou tinha chance de volta? Rolou
discussão ou foi civilizado? Quanto tempo durou a conversa? O que os
dois estavam vestindo? Teve choro? De que parte? De quem foi a
iniciativa do término? Teve “Não! Por favor, não!!!”? Vocês ficarão
amigos ou inimigos para sempre?
– Sério? Ninguém quer saber mais nada? – perguntei.
Ah! Não resisti. Eu sou humana, pô!
– Garotos não desenvolvem esse tipo de assunto, Tetê – explicou

Davi.

TETÊ
Que saco ser garoto!




ZECA
Uó! U-Ó!

TETÊ
Tô morreeeeendo de curiosidade!

ZECA
E eu então?

E assim, desse jeito besta, o assunto término-do-Erick morreu. Ficou
mortinho no chão da sala do Davi. Mas…


ZECA adicionou SAMANTHA ao grupo
CONFUSÃO E GRITARIA

 ZECA
Você sabe de alguma coisa, Samantha?

SAMANTHA
Não! Sei de quê? O que aconteceu?
Que confusão? Que gritaria?

ZECA
Metidina e Erick terminaram, muléééé!

TETÊ
Ele te contou?

SAMANTHA
Não! Claro que não!




– Larga esse celular, gente! Bora fazer o trabalho! – pediu Erick.


CONFUSÃO E GRITARIA

 SAMANTHA
Posso adicionar a Laís no grupo?

ZECA
Óbvio que não, doida. Ela é a melhor amiga da
Vaquina!

SAMANTHA
Parece que foi bapho!

TETÊ
Oba! Conta! Conta tudo!

SAMANTHA
Não sei de nada. Só sei que ela já mudou
o status dela no Face pra solteira.



 ZECA
Que mais? Nenhuma indireta para alfinetar
ele?
Nada relacionado a você? Ou nem isso você
sabe?

SAMANTHA
Nem isso eu sei. Rsrsrs! Mas acho que
não, né? A festa foi sábado e eles chegaram
apaixonados hoje na escola…

ZECA
Você é péssima detetive. Péssima! Tchau!


   Zeca saiu do grupo


Ai, ai! Esse Zeca me mata de rir!


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