Capítulo 1







NUMA BELA MANHÃ de sol, acordei maluca. Abilolada. Louca. Doida
varrida. Destrambelhada. Não que eu ache. Não que eu mesma pense
isso. A enfática e pausada afirmativa quem fez foi minha mãe, logo no
café da manhã, ao avisar que tinha marcado um psiquiatra para mim na
tarde daquele dia.
Na minha opinião, quem precisava de psiquiatra mesmo era o resto
da família, não eu. Duvido que algum médico desse um atestado de
sanidade mental para eles.
– Pra que você acha que eu preciso de um psiquiatra, mãe? –
perguntei, com a maior paciência, tentando levá-la a sério.
– Porque você não está normal, Tetê! – esclareceu mamãe,
suuuuperfofa.
– Como assim, não estou normal? Você acha de verdade que eu estou
maluca? – Ai, Senhor, me dê forças…
– Está? Você é maluca, Tetê! Desde que nasceu! – entrou na conversa
minha avó Djanira, megaultrablaster fofa, carinhosa mesmo, às
gargalhadas. (É, gargalhadas! Sonoras gargalhadas.)
– Posso saber por que vocês estão me achando maluca? Assim, quais
os motivos concretos que levaram vocês a essa brilhante conclusão?
– Tetê, repara: você não ri, está sempre de cara amarrada, de mal
com a vida, não conversa, não tem amigos, não namora, vive pelos cantos,
só quer saber de ouvir músicas tristes, de ver filmes tristes e de ler
livros tristes – enumerou minha mãe. Pausou para respirar e
continuou: – E não faz esportes, não sai, não dança, não pega sol, não
come jujuba, não gosta de Nutella, não faz a unha, não depila o buço. Só
fica feliz na cozinha. Onde já se viu? Você acha isso normal?
Então tá. Então eu agora era anormal. Oficialmente maluca.
E bigoduda.
Pelo menos para a minha família. Esse era o diagnóstico, e eles
queriam também um atestado médico.
Quanto à cozinha, vale uma explicação: eu AMO cozinhar. Só penso
em comida e, modéstia lá longe, eu ar-ra-so no forno e fogão. Sou
praticamente uma Troisgros de saia. (Se bem que não uso saia nem sob
tortura, morro de vergonha das minhas pernas.) Cozinhar é uma coisa
que eu posso fazer sozinha, sem ninguém me julgando, e ainda tem a
vantagem de poder comer o resultado depois. Então é tipo meu hobbie,
meu passatempo.
Ao chegar à mesa do café, papai mal se sentou e eu logo quis saber a
opinião dele:
– Pai, por acaso você também é da ala que me acha maluca?
– Ãhn? Maluca? Você? Claro que não, Tetê – ele respondeu com a
maior naturalidade.
– Ah, obrigada! – agradeci aliviada. Alguém sensato no recinto.
Pelo menos uma pessoa sã enxergava que de anormal eu não tinha
nada! Eu sou só uma adolescente, poxa!, respirei mais tranquila. Mas
ele continuou a falar, para minha tranquilidade ir embora.
– Você está tristonha porque não namora, minha filha.
Ah, não posso acreditar no que eu estou ouvindo…
– Exatamente o que eu falei! – minha mãe entrou na conversa. – As
meninas da idade dela namoram, saem, se divertem…
– E isso não é problema nenhum, Tetê. Deixa as meninas da sua
idade namorarem. Você não precisa beijar ninguém pra ser feliz.
Puxa, quanto bom senso! Se bem que eu até que precisava beijar,
algo que nunca tinha feito na vida, mas não era esse o ponto em questão.
Quero dizer, não era só esse o ponto.
– Sei que ser sozinha causa mesmo uma certa tristeza. Mas, acredite,
um dia um garoto vai gostar de você. Você não vai ser rejeitada para
sempre. Digo, não vai se sentir rejeitada para sempre.
Agora eu era rejeitada também? Poxa, pai… Que coisa bacana de
dizer… Só que não!
– Pai, eu não namoro porque não conheci ninguém interessante até
agora – tentei ver se engatava uma conversa “normal”, mas já bem
irritada…
– E o Joaquim aqui do prédio, que vive atrás de você? – questionou
minha mãe.
– Vocês são doidos mesmo! Ele tem 12 anos! E eu tenho 15,
esqueceram? – reagi, beirando um ataque de nervos.
– Nossa, jurava que ele tinha mais! – comentou mamãe, fingindo
estar espantada.
– Ô Helena, o Joaquim não é aquele magrelão comprido filho da
Jurema? – minha avó perguntou.
– Esse mesmo! – mamãe respondeu.
– Ah, é um partidão, Tetê! Qual o problema da idade? Ele é alto,
boba! Passa por 15 fácil, fácil! E gosta de você, não reparou, não? –
pontuou minha avó.
– Deixa a menina, gente! – vovô José partiu em minha defesa, como
era de costume.
Vovó ignorou vovô:
– Que “deixa” nada! Isso é amor! Queridinha, os pais do Joaquim
têm boa situação financeira. Vale a pena investir, hein? Vamos todos na
próxima festinha de aniversário dele?
Levantei da mesa sem falar mais nada e fui correndo para o meu
quarto, chocada com o diálogo daquela família biruta. E só saí na hora
de ir para a consulta com o tal psiquiatra, que também era psicólogo –
depois minha mãe me contou. Quem sabe ele me ajudava pelo menos a
me acalmar e me ensinava a lidar com tanto doido que tinha à MINHA
volta. Se ele era médico de maluco, pelo menos devia ter experiência

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