Capítulo 24



Aprendi algumas coisas sobre ser mãe sem realmente ser uma. Por exemplo, independentemente do que disser, é provável que você esteja errado. Se for cruel, desdenhoso ou negligente, marcará quem está sob seus cuidados. Se der apoio e amor, encorajando e elogiando a pessoa até por seus menores feitos – como levantar da cama na hora certa ou conseguir passar um dia inteiro sem fumar – vai estragá-la de diferentes maneiras. Aprendi que se fôssemos pai ou mãe de facto, todas essas coisas aconteciam, mas não tínhamos a autoridade natural que razoavelmente esperamos ter quando alimentamos e cuidamos de alguém.
Com tudo isso em mente, no meu dia de folga falei para Lily entrar no carro e avisei que íamos almoçar. Eu disse a mim mesma que isso provavelmente acabaria muito mal, mas pelo menos seríamos duas para assumir a culpa.
Lily estava muito ocupada observando o celular, com os fones de ouvido, por isso ela só olhou pela janela depois de quarenta minutos. Ela franziu a testa quando nos aproximamos da placa.
— Esse não é o caminho para a casa dos seus pais.
— Eu sei.
— Então aonde vamos?
— Já disse. Almoçar.
Depois de me encarar por tempo suficiente para aceitar que eu não daria detalhes, ela passou alguns minutos olhando pela janela com os olhos semicerrados.
— Nossa, às vezes você é irritante.
Meia hora depois, estacionamos no Crown and Garter, um hotel de tijolos vermelhos que ficava em um parque de oito mil metros quadrados, a cerca de vinte minutos de Oxford. Eu decidira que um território neutro era o melhor caminho. Lily desceu do carro e bateu a porta com força para me dar o recado de que na verdade isso ainda era muito irritante.
Eu a ignorei, passei um batom e entrei no restaurante, e Lily teve que me seguir.
A Sra. Traynor já estava à mesa. Quando a viu, Lily gemeu baixinho.
— Por que estamos fazendo isso de novo?
— Porque as coisas mudam — respondi, empurrando-a.
— Lily. — A Sra. Traynor ficou de pé.
Dava para perceber que ela tinha passado no cabeleireiro, pois seu cabelo recuperara o belo corte. Também usava um pouco de maquiagem, e essas duas coisas conspiravam para deixá-la mais parecida com a Sra. Traynor de antigamente: uma mulher segura de si, que entendia que as aparências eram, se não tudo, pelo menos a base de alguma coisa.
— Olá, Sra. Traynor.
— Oi — resmungou Lily.
A garota não estendeu a mão, mas se sentou na cadeira ao lado da minha. A Sra. Traynor notou isso e deu um breve sorriso, sentou-se e chamou o garçom.
— Este era um dos restaurantes preferidos do seu pai — disse ao colocar o guardanapo no colo. — Nas poucas vezes em que eu conseguia convencê-lo a sair de Londres, era aqui que a gente se encontrava. A comida é muito boa. Recebeu estrelas do guia Michelin.
Dei uma olhada no cardápio: quenelles de turbot com massa recheada de mexilhão e lagostim, peito de pato defumado com cavolo nero e cuscuz israelense. Então torci muito para que, como tinha sido a Sra. Traynor que sugerira o restaurante, ela pagasse.
— Parece cheio de frescura — comentou Lily, sem erguer a cabeça do cardápio.
Olhei para a Sra. Traynor.
— É exatamente o que Will dizia. Mas é muito bom. Acho que vou pedir a codorna.
— Vou querer o robalo — disse Lily, fechando o cardápio encadernado em couro.
Fiquei observando a lista na minha frente. Não havia nada ali que eu ao menos reconhecesse. O que era rutabaga? O que era ravioli de tutano e salicórnia? Considerei pedir um sanduíche.
— Estão prontas para fazer o pedido? — O garçom apareceu ao meu lado.
Deixei as duas pedirem primeiro. Consegui encontrar algumas palavras que eu reconhecia da época que passei em Paris.
— Por favor, as joues de boeuf confites.
— Com nhoque de batata e aspargos? É claro, madame.
Carne, pensei. Posso comer carne.
Conversamos sobre amenidades enquanto esperávamos as entradas chegarem. Eu disse à Sra. Traynor que continuava trabalhando no aeroporto, mas estava sendo considerada para uma promoção, e tentei fazer com que isso parecesse uma escolha positiva de carreira, em vez de um grito de socorro. Contei que Lily tinha arranjado um emprego, e quando a Sra. Traynor ficou sabendo qual era, não estremeceu, como, no fundo, eu tinha medo de que fizesse. Em vez disso, apenas assentiu.
— Parece bastante sensato. Não faz nenhum mal sujar as mãos quando estamos começando.
— Mas não tem futuro — disse Lily com firmeza. — A menos que considere que passar a trabalhar na caixa registradora é um avanço.
— Bem, entregar jornais também não tem. Mas seu pai fez isso durante dois anos antes de terminar a escola. Isso nos dá uma ética de trabalho.
— E as pessoas sempre precisam de latas de salsicha — observei.
— Precisam mesmo? — retrucou a Sra. Traynor, e por um instante pareceu horrorizada.
Observamos outras pessoas se acomodarem na mesa ao lado da nossa, dois homens ajudando uma idosa a se sentar com muito alvoroço e reclamações.
— Recebemos seu álbum de fotos — falei.
— Ah, receberam! Eu estava mesmo querendo saber. Você... gostou?
Os olhos de Lily por um instante se fixaram nela.
— Foi legal, obrigada — disse a garota.
A Sra. Traynor tomou um gole de água.
— Quis lhe mostrar o outro lado de Will. Às vezes tenho a impressão de que as circunstâncias da morte dele passaram a ter mais importância do que a própria vida dele. Só queria mostrar que meu filho era mais do que uma cadeira de rodas. Mais do que alguém que morreu daquela forma.
Houve um breve silêncio.
— Foi legal, obrigada — repetiu Lily.
Nossa comida chegou e Lily ficou quieta mais uma vez. Os garçons nos rondavam com muita diligência, enchendo os copos com água quando o nível baixava um centímetro. Uma cesta de pães foi oferecida, retirada e oferecida novamente cinco minutos depois. O restaurante ficou cheio de gente como a Sra. Traynor: bem-vestida, educada, para quem quenelles de turbot era um almoço padrão e não um campo de conversa minado. A Sra. Traynor perguntou sobre a minha família e falou com carinho do meu pai.
— Ele fez um ótimo trabalho no castelo.
— Deve ser estranho não voltar mais lá — falei, depois me repreendi mentalmente, me perguntando se eu havia ultrapassado algum limite.
Mas a Sra. Traynor apenas olhou para a toalha de mesa à sua frente.
— É — concordou, balançando a cabeça, dando um sorriso um pouco mais tenso. Depois, bebeu mais água.
A conversa continuou assim enquanto comíamos as entradas (salmão defumado para Lily e salada para a Sra. Traynor e para mim), engatando e depois morrendo, aos trancos e barrancos como alguém aprendendo a dirigir. Senti certo alívio ao ver o garçom chegar com nossos pratos principais. Meu sorriso desapareceu quando ele colocou o prato na minha frente. Não parecia carne, e sim rodelas marrons empapadas num molho marrom grosso.
— Desculpe — falei para o garçom. — Eu pedi carne.
Ele ficou me encarando por um instante.
— Essa é a carne, madame.
Nós dois olhamos para o meu prato.
— Joues de boeuf? — disse ele. — Bochechas de boi?
— Bochechas de boi?
Ficamos olhando para o meu prato e senti um frio na barriga.
— Ah, claro — falei. — Eu... sim. Bochechas de boi. Obrigada.
Bochechas de boi. Eu estava com nojo de comer aquilo. Não sabia o que podia ser pior. Sorri para a Sra. Traynor e comecei a beliscar o nhoque.
Comemos praticamente em silêncio. A Sra. Traynor e eu estávamos ficando sem assunto. Lily falava pouco e era agressiva quando dizia alguma coisa, como se estivesse testando a avó. Brincava com a comida feito uma adolescente relutante que tinha sido arrastada para um almoço muito elegante com adultos. Eu dava pequenas garfadas no meu prato, tentando não ouvir a vozinha que gritava no meu ouvido: Você está comendo bochechas! Bochechas de verdade!
Por fim, pedimos café. Quando o garçom foi embora, a Sra. Traynor colocou o guardanapo em cima da mesa e disse:
— Não consigo mais fazer isso.
Lily ergueu a cabeça. Olhou para mim e depois para a Sra. Traynor.
— A comida está muito boa e é ótimo saber sobre o trabalho de vocês e tudo o mais, porém isso realmente não vai nos levar a lugar algum, vai?
Eu me perguntei se ela estava prestes a ir embora, se Lily havia exigido muito. Vi a expressão surpresa de Lily e percebi que ela estava pensando a mesma coisa. Mas, em vez disso, a Sra. Traynor empurrou a xícara com o pires e se debruçou sobre a mesa.
— Lily, não vim para impressioná-la com um almoço chique. Vim pedir desculpas. É difícil explicar meu estado no dia em que você apareceu, mas o encontro infeliz não foi culpa sua. Quero me desculpar por você ter sido apresentada a esse lado da sua família de forma tão... inadequada.
O garçom chegou com o café e a Sra. Traynor ergueu a mão sem se virar.
— Pode nos dar licença por uns dois minutos, por favor?
Ele recuou depressa com a bandeja. Fiquei imóvel na cadeira. A Sra. Traynor, com o rosto tenso e a voz urgente, respirou fundo.
— Lily, perdi meu filho, seu pai, e na verdade provavelmente o perdi algum tempo antes de ele morrer. A morte dele destruiu todos os alicerces da minha vida: meu papel de mãe, minha família, minha carreira e até minha fé. Para ser sincera, me senti como se tivesse entrado num buraco negro. Mas descobrir que ele tinha uma filha, que tenho uma neta, me fez pensar que talvez nem tudo esteja perdido. — Ela engoliu em seco. — Não vou dizer que você me devolveu parte dele, porque isso não seria justo. Você tem, como já percebi, uma personalidade única. Com você ganhei uma nova pessoa para dar o meu afeto. Espero que me ofereça uma segunda chance, Lily. Porque eu gostaria muito, não, droga, eu adoraria, que pudéssemos conviver. Louisa me contou que você tem personalidade forte. Bem, precisa saber que isso é de família. Então provavelmente vamos bater de frente algumas vezes, assim como acontecia com seu pai. Mas, caso o encontro de hoje não dê em nada, achei que você precisava saber disso. — Ela segurou a mão de Lily e a apertou. — Estou muito feliz de conhecer você. O simples fato de você existir mudou tudo completamente. Minha filha, sua tia Georgina, está chegando no mês que vem para conhecê-la, e já andou perguntando se um dia nós duas poderíamos ir a Sydney passar um tempo com ela. Na minha bolsa tem uma carta que ela escreveu para você. — Ela baixou o tom de voz: — Sei que nunca poderemos compensar a ausência do seu pai e sei que não estou... Bem, ainda tenho que superar algumas coisas, é verdade, mas... você acha que... talvez consiga encontrar espaço para uma avó bem difícil?
Lily ficou olhando para ela.
— Você poderia pelo menos... tentar? — A voz da Sra. Traynor falhou um pouco nessa última frase.
Houve um longo silêncio. Eu conseguia ouvir meu coração batendo. Lily olhou para mim e, depois do que pareceu uma eternidade, virou-se para a Sra. Traynor.
— Você gostaria... que eu ficasse na sua casa?
— Se você quisesse, sim. Eu gostaria muito.
— Quando?
— Quando você pode vir?
Eu nunca tinha visto Camilla Traynor sem estar no controle da situação, para dizer o mínimo, mas naquele instante seu rosto se contorceu. Ela esticou a outra mão na mesa. Após um segundo de hesitação, Lily a segurou e as duas apertaram os dedos uma da outra por cima da toalha branca, como se fossem sobreviventes de um naufrágio. Enquanto isso, o garçom esperava com a bandeja, sem saber quando poderia voltar a servir com segurança.

* * *

— Eu a trago de volta amanhã à tarde.
No estacionamento, Lily esperava ao lado do carro da Sra. Traynor. Ela comera duas sobremesas: o petit gâteau dela e o meu (a essa altura eu tinha perdido completamente o apetite) e examinava com displicência o cós da sua calça jeans.
— Tem certeza?
Eu não sabia muito bem para qual delas eu dirigira a pergunta. Eu tinha noção de como essa nova entente cordiale era frágil, de como era fácil dar errado.
— Ficaremos bem.
— Não trabalho amanhã, Louisa — gritou Lily. — O primo de Samir vai aos domingos.
Era estranho deixá-las ali, apesar de Lily estar com um sorriso radiante. Eu queria dizer “nada de fumar”, “nada de palavrão” e talvez até “que tal se a gente fizer isso depois?”, mas Lily acenou e, quase sem olhar para trás, sentou no banco do carona do Golf da Sra. Traynor.
Já era. Estava fora das minhas mãos. A Sra. Traynor se virou para se juntar a ela.
— Sra. Traynor? Posso perguntar uma coisa?
Ela parou.
— Pode me chamar de Camilla. Acho que já superamos as formalidades, não é mesmo?
— Camilla, você chegou a falar com a mãe de Lily?
— Ah, sim, falei. — Ela se abaixou para arrancar a grama de um canteiro. — Eu disse a ela que esperava passar bastante tempo com Lily no futuro. E que sabia muito bem que, aos olhos dela, eu não era nenhum modelo de mãe. Mas, para ser sincera, nenhuma de nós parecia ser exemplar nesse papel, e cabia a ela considerar, pela primeira vez, colocar a felicidade da filha à frente da dela.
Talvez eu tenha ficado boquiaberta.
— “Cabia” é uma palavra excelente — comentei, quando consegui falar.
— Não é? — Ela se empertigou. Notei um brilho travesso e imperceptível em seus olhos. — Sim. Bem. As Tanya Houghton-Miller desse mundo não me assustam. Acho que vamos nos dar muito bem, Lily e eu.
Eu estava prestes a voltar para o meu carro, mas dessa vez a Sra. Traynor me deteve.
— Obrigada, Louisa. — Ela manteve a mão no meu braço.
— Eu não fi...
— Fez, sim. Sei muito bem que tenho muito a lhe agradecer. Espero que algum dia eu possa retribuir.
— Ah, não precisa. Estou bem.
Seus olhos procuraram os meus e ela abriu um pequeno sorriso. Reparei que seu batom estava perfeito.
— Bem, ligo para você amanhã para combinar a hora de deixar Lily em casa.
A Sra. Traynor enfiou a bolsa embaixo do braço e voltou para o carro, onde Lily a esperava.
Observei o carro desaparecer e então liguei para Sam.

* * *

Um urubu sobrevoava preguiçosamente o campo, planando com suas asas enormes no azul cintilante do céu. Eu havia me oferecido para ajudar Sam a assentar alguns tijolos, mas tínhamos feito apenas uma fileira (eu ia lhe entregando os tijolos). O calor sufocante era tão grande que ele sugerira que tomássemos uma cerveja gelada durante o intervalo e, de certa forma, depois de termos passado algum tempo deitados na grama, acabou sendo impossível tornarmos a nos levantar. Eu contara a história das bochechas de boi e ele passara um minuto inteiro rindo, tentando ficar sério quando protestei que se ao menos tivessem dado outro nome para o prato, quer dizer, é como ser informado de que estamos comendo bumbum de galinha ou algo assim. Eu estava estirada ao lado dele, escutando os pássaros e o delicado farfalhar da relva, observando o sol cor de pêssego se pôr delicadamente no horizonte. E, quando estava conseguindo não me preocupar com a possibilidade de Lily já ter usado a expressão escravo de boceta com a Sra. Traynor, percebi que a vida não era de todo ruim.
— Às vezes, quando as coisas estão boas assim, penso que eu poderia não me dar o trabalho de construir a casa — disse Sam. — Poderia apenas ficar deitado num campo até envelhecer.
— Bom plano. — Eu estava mascando um talo de grama. — Só que o chuveiro de água da chuva vai parecer bem menos agradável durante o inverno.
Senti a risada dele, que mais pareceu um ronco abafado.
Saí do restaurante e fui direto encontrá-lo, inexplicavelmente desestabilizada pela ausência inesperada de Lily. Eu não queria ficar sozinha no apartamento. Quando estacionei diante da porteira do campo de Sam, continuei sentada no carro até o motor morrer e observei-o, feliz da vida, passando cimento em cada tijolo e pressionando-o no seguinte, enxugando o suor da testa com sua camiseta desbotada, e senti algo relaxar dentro de mim. Ele não comentou nada sobre o ligeiro mal-estar das nossas últimas conversas e fiquei grata por isso.
Uma nuvem solitária vagava pelo céu azul. Sam aproximou mais a perna da minha. Seus pés tinham o dobro do tamanho dos meus.
— Eu me pergunto se a Sra. Traynor tirou aquelas fotos da gaveta dela. Sabe, para Lily.
— Fotos?
— O álbum de fotos. Contei para você. Ela não tinha nenhuma foto de Will em lugar algum quando Lily e eu estivemos na casa dela. Fiquei bastante surpresa quando mandou o álbum, porque uma pequena parte de mim questionara se ela tinha destruído todos.
Ele ficou em silêncio, refletindo.
— É estranho. Mas, agora que estou pensando nisso, também não tenho nenhuma foto de Will exposta. Talvez a gente simplesmente demore um pouco a... ser capaz de encarar as fotografias de novo. Quanto tempo levou para você colocar de volta a foto da sua irmã ao lado da cama?
— Nunca tirei a foto dela. Gosto de ter o retrato dela ali, especialmente com sua aparência de sempre. — Ele ergueu o braço acima da cabeça. — Ela costumava me dizer as coisas na lata. Era uma típica irmã mais velha. Quando acho que fiz algo errado, olho para a foto dela e ouço sua voz. Sam, seu cabeça oca, ande logo com isso. — Ele virou o rosto para mim. — E, sabe, faz bem para o Jake ver a mãe dele por aqui. Ele precisa saber que falar sobre ela não é um problema.
— Talvez eu tire um retrato da gaveta. Para Lily vai ser bom ter fotos do pai no apartamento.
As galinhas estavam soltas, e a alguns passos dali duas delas tiritaram na terra, arrepiando as penas e se sacudindo, levantando pequenas nuvens de poeira. Dava para perceber que as aves tinham personalidade. Havia a marrom mandona, a amorosa com a crista pintada, a pequena bantam que precisava ser retirada da árvore toda noite e levada para dormir no galinheiro.
— Acha que eu devia mandar uma mensagem para ela? Para ver como as coisas estão?
— Para quem?
— Lily.
— Deixe as duas. Elas devem estar bem.
— Sei que você tem razão. É esquisito. Fiquei observando Lily naquele restaurante e ela é muito mais parecida com ele do que eu tinha me dado conta. Acho que a Sra. Traynor, Camilla, também notou isso. A cada maneirismo de Lily, ela piscava, impressionada, como se de repente estivesse se lembrando de coisas que Will fazia. Teve um momento em que Lily ergueu uma sobrancelha e nenhuma de nós conseguiu desviar os olhos dela. Porque foi igualzinho a como ele fazia.
— E o que você quer fazer esta noite?
— Ah... qualquer coisa. Você escolhe. — Eu me espreguicei, sentindo a grama fazer cócegas no meu pescoço. — Eu poderia apenas ficar deitada aqui. Não tem problema se você cair delicadamente em cima de mim em algum momento.
Esperei que ele risse, mas isso não aconteceu. Em vez disso, falou:
— Então... vamos... conversar sobre nós dois?
— Nós dois?
Ele puxou um pedaço da grama com os dentes e respondeu:
— Sim. Só pensei... Bem, eu queria saber o que você acha que está acontecendo aqui.
— Você nos faz parecer um problema de matemática.
— Só estou tentando garantir que a gente não tenha mais nenhum desentendimento, Lou.
Observei-o jogar fora a grama e pegar outra.
— Acho que estamos numa boa. Bem, não vou mais acusar você de estar negligenciando seu filho. Nem de ter um monte de namoradas.
— Mas você ainda não está se soltando.
Isso foi dito com delicadeza, mas senti como se tivesse levado um chute.
Apoiei-me no cotovelo, para olhá-lo de cima.
— Estou aqui, não é? Você é a primeira pessoa para quem eu ligo no fim do dia. A gente se vê quando pode. Eu não chamaria isso de não estar me soltando.
— É. A gente se vê, transa e come algumas coisas gostosas.
— Achei que, no fundo, esse fosse o relacionamento dos sonhos de todos os homens.
— Não sou todos os homens, Lou.
Passamos um tempo nos olhando em silêncio. Eu já não me sentia mais relaxada. Tinha a impressão de ter sido colocada numa posição chata, na defensiva.
Ele suspirou.
— Não fique com essa cara, não estou querendo me casar nem nada. Só estou dizendo... Nunca conheci uma mulher que tivesse menos vontade de discutir a relação. — Ele usou a mão para proteger os olhos do sol, franzindo-os ligeiramente. — Tudo bem se você não quiser que isso seja uma coisa de longo prazo. Quer dizer, tudo bem, não, mas só queria ter uma ideia do há na sua cabeça. Acho que, com a morte de Ellen, me dei conta de que a vida é curta. Não quero...
— Não quer o quê?
— Perder tempo com uma coisa que não vai dar em nada.
— Perder tempo?
— Escolhi mal as palavras. Não sou bom nisso. — Ele ergueu o corpo.
— Por que isso tem que ser alguma coisa? Nós nos divertimos juntos. Por que não podemos simplesmente deixar rolar e, sei lá, ver o que acontece?
— Porque sou humano, está bem? E já é difícil demais estar com uma pessoa que continua apaixonada por um fantasma sem que ela também aja como se não estivesse usando nosso relacionamento apenas para sexo. — Ele ergueu a mão, tapando os olhos. — Nossa, não consigo acreditar que acabei de dizer isso em voz alta.
Minha voz, quando saiu, estava falhando um pouco:
— Não estou apaixonada por um fantasma.
Dessa vez, Sam não olhou para mim. Apenas se sentou e esfregou o rosto.
— Então deixe ele ir, Lou.
Sam se levantou pesadamente e foi até o vagão, e eu fiquei ali olhando para suas costas.

* * *

Lily chegou na noite seguinte, um pouco bronzeada. Entrou no apartamento com sua chave e, antes de desabar no sofá, passou pela cozinha, onde eu estava tirando a roupa da máquina de lavar enquanto me perguntava pela décima quinta vez se ligava ou não para Sam. Fiquei parada perto da bancada, observando-a apoiar os pés na mesa de centro, pegar o controle remoto e ligar a televisão.
— E aí, como foi? — perguntei depois de um instante.
— Bem.
Esperei que ela dissesse algo mais e me preparei, achando que fosse jogar o controle remoto no chão e sair resmungando: Essa família é impossível.
Mas ela apenas mudou de canal.
— O que vocês fizeram?
— Nada de mais. Conversamos um pouco. Na verdade, cuidamos do jardim. — Ela se virou, apoiando o queixo nas suas mãos, que estavam no encosto do sofá. — Ei, Lou. Ainda tem aquela granola com nozes? Estou faminta.

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