Capítulo 30

– JÁ FAZ OITO MESES que tudo isso aconteceu, mas esses fatos todos
foram um marco na minha vida. Eu mudei totalmente depois disso tudo,
sabe? E agora acho que sei lidar de uma maneira totalmente diferente
com minha família, com as pessoas ao meu redor, com meus amigos.
Como eu amo ter amigos! Também estou entendendo melhor meus
sentimentos, principalmente o amor. A gente costuma pôr a culpa das
coisas nos outros e em geral espera que os outros mudem, que o mundo
mude, mas a verdade que eu descobri é que nada muda. Mas se a gente
der um passo, um passinho que seja em direção a fazer algo diferente
pela gente mesma e modificar quem a gente é, plim! A mágica acontece e
tudo muda ao nosso redor! Até as pessoas mudam! Na verdade, eu acho
que o que muda é nosso jeito de ver tudo. Não acha não, Romildo?
Arrã
Bom, parece quem nem todo mundo muda… Só “Arrã” ainda…
– Posso te chamar de Romildão? Porque em pensamento eu sempre
te chamei de Romildão. E agora a gente já tem intimidade o suficiente,
né? Faz praticamente um ano que a gente se conhece!
– Pode, Tetê! – ele falou rindo. – Faz um ano, mas é sua segunda
sessão, né? Aliás, fico muito feliz que você tenha decidido continuar a
terapia, apesar desse “pequeno” intervalo.
– Pois é, mas agora tudo está bem diferente! Eu tenho tanta coisa pra
falar, tanta coisa pra entender! Não sou mais aquela menina tão tímida,
sabe? Mas deixa eu te contar. Depois de um bom tempo indecisa sobre
perdoar ou não a ex-Metidina e de acreditar no seu pedido de perdão, a
Laís se aproximou de mim, do Zeca e do Davi e seguiu a vida tranquila.
Depois até conseguiu conversar com a Valentina e deixou o passado no
passado. Ela não podia mudar o que já tinha acontecido, né? Então o
jeito era seguir em frente. Achei inteligente da parte dela. E a
Valentina, quem diria, foi fofa, falou que estragou o passado da Laís e
que agora tudo o que ela queria fazer era ter um presente da melhor
maneira possível. Own…
– Você acha que a Valentina se arrependeu mesmo, Tetê?
– Olha… Parece, sabe? Valentina continua amiga da Bianca e ainda
mais amiga da Laís. Não acho que o arrependimento foi atuação, como
muitos acharam que era. As lágrimas foram reais, não fingimento. O
sofrimento era sincero e a ex-Metidina pelo jeito mudou de vez, sim.
Parece outra pessoa. Nunca soubemos por que ela agia da forma que
agia. Nunca entendemos por que ela tinha virado um pequeno monstro.
Não temos a quem culpar. E ela também não, é uma incógnita que
provavelmente vai assombrá-la por muitos e muitos anos. E talvez nem
tudo na vida tenha explicação. Na verdade, nada tem explicação. Eu acho
que ela vai precisar de muita terapia…
– Sim, seria muito importante pra ela. Mas, como eu sempre digo,
depende de a pessoa querer.
– Ah! Babado dos babados, Romildão! Laís ficou com o Orelha na
minha festa de aniversário. Sim, eu dei uma festa no salão do meu
prédio, convidei as pessoas e elas foram! Em peso! E era meio de
novembro, em plena época de provas! Quer felicidade maior que essa?
Se Orelaís, é assim que geral tá shippando eles, vai virar um casal, não
sabemos ainda. Mas tem muita gente shippando. Cê sabe o que é
shippar, Romildão?
– Aquele negócio de computador? Chip? – Ele deu um sorrisinho
maroto.
– Para, Romildooo. Tá zoando, né?
– Eu sei o que é, Tetê – ele falou rindo alto. – Atendo muitos
adolescentes, lembra?
– Sei… Bom, mas cê acredita que até o Erick e a Valentina ficaram
amigos de novo? Bons amigos, vamos deixar claro. Gosto disso. Gente
civilizada. E mesmo depois de ele e a Samantha começarem a namorar.
Te contei isso já, Romildão?
– Não. Mas isso aqui é terapia ou é revista de fofoca?
– Ai, Romildoo, tenho que te atualizar da minha vida, né?
– Tô brincando, pode falar tudo, Tetê! É pra falar!
– Ai, ufa! Porque agora eu falo tudo mesmo, em alto e bom som! Bom,
uns dias depois de todas aquelas bombásticas revelações que eu te
contei antes, a Samantha quase surtou quando Erick perguntou: “Quer
namorar comigo?” E agora Samantha e ele formam o novo casal 20 de que
se tem notícia. Estão juntos ainda e parecem genuinamente felizes.
Embora ela acredite que ele tomou jeito e não vai fazer nada de errado
dessa vez, a minha alma desconfiada não leva tanta fé no Erick assim.
Acho que se aconteceu uma vez pode acontecer muitas mais, mas não
falo sobre isso com minha amiga. Sei que as pessoas mudam. Taí a
Valentina, que não me deixa mentir. E como ninguém prevê o futuro,
espero que minha amiga viva o agora e continue muuuito feliz com o
oficialmente seu lindo, seu divo, seu deuso Erick.
– E seus outros amigos, Tetê, os mais próximos? Zeca e Davi, né?
– Sim! Bom, Zeca também deixou de integrar o time dos solteiros! No
fim do ano, ele arrumou um namorado, o Emílio, que não é da escola. Um
cara um pouco mais velho, mas completamente apaixonado por ele. E, ao
contrário de namorados anteriores que machucaram o coração do meu
amigo, o Emílio é como ele, de boa e bem resolvido com sua sexualidade.
Tudo bem, eu sei que não tem nada mais cafona que falar “machucar o
coração”, mas eu não encontrei palavras melhores. Porque foi
exatamente assim que o Zeca descreveu suas relações anteriores. O Davi
continua ainda sem namorada, mas deixou o Zeca “cuidar” dele, como
fez comigo, depois de um bom tempo negando a “transformação”. Aos
poucos foi cedendo e trocou a armação de óculos de velho por uma (bem)
mais moderna, cortou o cabelo, deu uma renovada no guarda-roupa.
Segundo o Zeca, as camisas dele eram muito compridas, o que fazia ele
ter um aspecto de “pigmeu subnutrido”, seja lá o que isso signifique.
Ah, mas foi lindo ver o Davi se sentir cada vez mais confiante.
“Sabe, Romildão, cheguei à conclusão de que todos precisam de um
Zeca na vida. Não para mudar simplesmente. Mas para a gente se aceitar
e se gostar como a gente é. O que ele mostrou para nós dois é que não dói
e não custa tentar sair da nossa zona de conforto. Se ficar ruim, a gente
volta para ela. Mudar só um pouquinho por fora pode mexer um muitão
por dentro.”
– Poxa, Tetê, eu não saberia dizer melhor!
– Thanks, doc! – falei, dando uma piscadinha.
– E sua família?
– Ah, meu pai está bem feliz no emprego novo, pelo menos é o que ele
fala, e eu quero acreditar com todas as minhas forças. Mamãe continua a
mesma, mas cada vez mais carinhosa comigo. Te falei que a gente mudou
de casa? SIM! Papai alugou um apartamento na Constante Ramos, em
Copa mesmo, perto do colégio e de todos os meus amigos. Amigos! Eu
tenho amigos! Continuo tendo amigos!!! Não é incrível eu poder falar
isso? Isso merece mil pontos de exclamação! E não me importo de ficar
repetitiva. Eu tenho amigos. Eu tenho amigos. Eu tenho amigos.
“E eu tenho uma família muito linda! Os meus avós e meu biso
continuam deliciosamente fofos, felizinhos, fofoqueiros. Tudo bem,
fofoqueira é mais a minha avó. E resmungões. E meu biso agora adora
trocar notas por moedas comigo. E eu AMO passar tempo com ele. Morar
em Copa, pertinho deles, fez toda a diferença. Agora eu sinto que somos
uma família de verdade e não quero perder isso jamais.
“Depois da morte do seu Inácio cheguei à conclusão de que temos
que abraçar nossos avós sempre! Todos os dias, se possível! Decidi
seguir o exemplo do Davi de convivência total, de aproveitamento
máximo da companhia dos meus velhinhos! Nada a ver com o medo de
perdê-los. Tudo a ver com a delícia de tê-los por perto.”
– Bom, me fala mais do seu namoro. Porque a primeira coisa que você
me contou é que não era mais BV! É Dudu, né? Irmão do Davi?
– É! Dudu… Ah… Eu sigo completamente apaixonada pelo irmão do
meu melhor amigo. E o melhor: ele diz que está cada dia mais
apaixonado por mim! Dudu, meu namorado, é o melhor amigo, o melhor
parceiro que eu poderia ter. Ele me incentivou a malhar! Sim, eu agora
malho, Romildooo! Endorfina! A gente corre juntos todos os dias. Cê
reparou que eu emagreci?
– Claro, né, Tetê? Quem não repararia?
– Já foram dez quilos! E olha, mesmo suada e nojenta depois dos
treinos, ele segura meu rosto com as duas mãos pra dizer que eu sou a
pessoa mais linda do mundo. O meu amor também ama cozinhar, e a
gente passa horas juntos inventando receitas saudáveis, pouco
engordativas mas muito deliciosas.
– Parabéns, hein, Tetê!
– Dudu também tem feito uma coisa muito linda: é a pessoa que mais
me incentiva a escrever um livro pra contar minha história e publicar
as confissões que escrevi ao longo da vida no meu diário. Morro de
vergonha, mas os professores sempre elogiaram a minha escrita, eu amo
escrever e acho que, mesmo que eu não consiga ser publicada, vale a
pena tentar. Descobri ao longo desse ano que é bom correr riscos. Já sei
até o título: Confissões de uma garota excluída, mal-amada e um pouco
dramática. Talvez “um pouco” venha entre parênteses, tenho que
pensar ainda. Mas acho que a minha história pode ajudar muita gente
por aí. Porque no fundo todo mundo se sente um pouco excluído e malamado,
todo mundo tem seu drama. Seus dramas. A gente não está na
pele do outro pra sentir. Porque até aquela menina que todos achavam
incrível, como a Valentina, tem problemas. Ou a Samantha. Ou a Laís. E
com meu livro eu posso mostrar que quando a gente não se entrega e não
se abate com o bullying, dá pra viver tranquilamente, é só entender que
é apenas uma fase. Que passa. Pode até demorar, mas passa. Tudo passa.
“Aprendi também que a nossa história fortalece a gente. Tudo muda
o tempo todo, já cantou o Lulu. E muda quando menos esperamos. Um
dia, quando a menina que mora em mim, que se sentiu por muito tempo
excluída, tiver coragem de mostrar em palavras o que passou e se isso
ajudar alguém, nem que seja só uma pessoa, já vai ter valido a pena,
como diz meu maravilhoso namorado, Dudu. Meu príncipe Dudu. Que
ama minhas comidinhas. Agora estamos viciados no pão de queijo

magrinho.


“Tenho medo e vergonha só de pensar em outras pessoas lendo o que
eu escrevi. Preciso estar pronta para críticas e coisa e tal, mas sei que
posso transformar sofrimento em palavras de apoio e incentivo. E
também sei que tenho só 16 anos e não sei nada sobre publicar. Mas
sonhar não custa nada, né? Nem que o livro seja lido apenas pelos meus
amigos e minha família. Já vou me sentir realizada.
“Estou confiante como nunca estive, Romildão, e descobri que se
sentir invisível uma vez na vida não quer dizer que a gente vá se sentir
invisível para sempre. Sigo ouvindo Adele, Avril, Sam Smith, Demi
Lovato, Coldplay e Radiohead, lendo livros repetidas vezes, vendo
filmes tristes mil vezes, mas… sou tão mais feliz do que da primeira vez
que a gente conversou… Tão mais feliz…
– Bom, Tetê, você está tão bem e feliz que acho que vou até te dar alta!
– Romildão disse, brincando e rindo.
– Pode parar, Romildooo! Agora eu é que estou achando você maluco!
Você precisa de um psiquiatra! – fiz graça. – Agora é que vai ser bom
fazer análise! E eu me chamo TEANIRA, esqueceu? TE-A-NI-RA! Isso já
é problema suficiente pra eu precisar de terapia até pelo menos 2047!!



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