Capítulo 3

UMA SEMANA SE PASSOU desde a minha consulta com o psiquiatra
e o fatídico domingo antes do primeiro dia de aula chegou. Passei o dia
arrumando meu material e sofrendo por antecipação. Porque, para uma
pessoa tímida, que foi ignorada e muitíssimo zoada com apelidos
hilários (só que não) e piadinhas inacreditáveis na escola anterior,
mudar de colégio pode ser um pesadelo. Para uma pessoa que, além
disso, tem a autoestima no pé, se acha feia e desajeitada, e transpira
mais que a maioria das pessoas, mudanças como essa são mais que um
pesadelo: são uma trágica realidade.
Em vez de me alegrar com a possibilidade de fazer novos amigos, eu
só conseguia pensar em como lidar com meus futuros haters. Desabafei
na mesa de jantar à noite, para tentar receber o apoio de quem mais me
ama: minha família.
– Calma, ninguém vai implicar com você, minha querida! – Foi fofo
meu bisavô.
– É, você ficou ótima depois que cortou um pouco o cabelo. Aliás, até
que enfim, né? Estava feio, quebrado, sem vida... – comentou minha mãe.
– Está melhor mesmo, até emagreceu um bocadinho desde que vocês
se mudaram – complementou minha avó. – Foi só um bocadinho, mas já
é um começo.
– Não foi só um bocadinho, não. Você emagreceu bem, meu amor –
vovô José saiu em minha defesa.
– Você vai tirar de letra a escola nova – deu força meu pai.
– Se fizer o buço, então… vai arrasar! Vai sambar na mariola! –
minha mãe voltou ao velho assunto.
– Buço nem pensar, mãe. Mas o que seria mesmo “sambar na
mariola”?
– Ué, não é assim que vocês, aborrescentes, falam? – ela disse, se
achando a mais moderna da cidade.
– Não, claro que não!
– É sim! É bombar, fazer sucesso, ser feliz sem medo, alegria em
estado bruto!
– Mãe, quem são os adolescentes que estão falando com você? Precisa
trocar urgente de referência.
Alguém tem uma família mais sem noção que a minha? Não foram
poucas as vezes em que, ao longo dos meus 15 anos, eu me questionei se
existe bullying familiar. Mas talvez minha família tenha boas intenções
e seja só sem noção mesmo.
– Ah! E agora que você está usando desodorante todos os dias, a Tetê
do Cecê morreu. Morreu! – vibrou minha avó.
– Mãe! Não acredito que você contou pra ela! – bronqueei.
– Para mim e para todo mundo na reunião de condomínio – minha
avó entregou.
– Você falou desse apelido medonho na REUNIÃO DE
CONDOMÍNIO?! POR QUÊ?! – perguntei, absolutamente indignada.
– Calma, o enfoque não foi o apelido! Eu valorizei o fato de você ser
cheirosa, usar desodorante todos os dias, não ser mais a Tetê do Cecê.
Porque quero que os adolescentes do prédio te acolham, minha filha.
Que te recebam como a princesa que você é mas não sabe. Você precisa
ser bem recebida quando descer para o play ou para a academia. Já
estamos aqui há quase três meses e você não tem intimidade com
ninguém. Não briga com a mamãe. Foi para o seu bem…
– Ai, mãe… ai… Para o meu BEM? Tem certeza? Você quer que eles
me acolham por pena e acha que isso é me querer bem? – Eu estava cada
vez mais chocada.
– Claro! É um ótimo começo – vovó respondeu pela mamãe.
Àquela altura, já estávamos todos aos gritos. Tanto que até meu
bisavô escutou e se meteu na conversa:
– Isso é. Com pena todo mundo fica bacana, as pessoas sorriem,
ficam solícitas, se oferecem para ajudar, para brincar… –
complementou ele.
– Brincar? Eu não brinco mais, biso. Eu tenho 15 ANOS!!!
– Já? Como o tempo passa né…? Mas você é nossa eterna criança! –
disse ele, sorridente.
Minha família é inacreditável!
– Você não vai se sentir excluída nessa escola, querida. – E foi o fofo
do meu avô que trouxe as coisas de volta para a normalidade. – Ela é
uma das melhores aqui da Zona Sul, tem ótimos professores e é muito
bem frequentada. Vovô e vovó não economizaram. A sua educação
merece nosso investimento. Você é uma menina muito inteligente, Tetê.
Eu achava legal os dois ajudarem meus pais com grana nessa época
de vacas magras. Os meus avós estavam sendo demais (apesar de a vovó
ser sem noção). Além de teto, comida e roupa lavada, ainda estavam
pagando a mensalidade da escola, que certamente não era barata. Ah, os
avós…
A verdade é que nunca entendi por que eu era excluída no antigo
colégio. As pessoas simplesmente não gostavam de mim ou apenas
fingiam que eu era invisível. Antes de Tetê do Cecê eu tive outros
apelidos ao longo da minha vida escolar: “Melancia”, “Quatro-olhos”,
“Tanajura”, “Cabeção”, “Piaçava”. Delícia de vida!
Cogitei trocar de escola uma época, mas cheguei à conclusão de que
não adiantaria nada. Adolescentes cruéis são cruéis em qualquer lugar.
Cheguei a pensar em desabafar com meus pais, mas eles não
entenderiam e achariam que eu estava fazendo drama. Mas não era só
isso. Também não queria ocupar a vida deles com meus problemas (eles
já tinham muitos).
– Aliás, Tetê, falando em “fazer as coisas para o seu bem”, você
precisa decidir se vai ou não fazer terapia.
– Tudo bem, mãe. Eu prometo que vou pensar com carinho na
possibilidade de fazer, sim.
Mamãe ficou toda entusiasmada.
– Jura? Tá vendo? Minha filha é maluca, mas é sensata – disse
minha sempre doce e carinhosa progenitora.
Tem que rir para não chorar com essa minha família, viu?
– Mas tem que ser com o doutor Romildo – falei, impondo como
condição.
– Aquele péssimo que disse que você nem precisa de remédio? –
mamãe perguntou.
– Não, o cara sensato que além de terapeuta é psiquiatra e que disse
que eu não deveria fazer terapia obrigada, só por livre e espontânea
vontade – respondi.
– Não achei ele lá grandes coisas. Mas fico feliz que você vá pensar
em fazer terapia – completou ela, antes de ir para o quarto acompanhar
sua série preferida, como fazia todos os domingos à noite. – E nada de
ficar acordada até tarde, Tetê. Tem que dormir cedo para acordar bem
para a aula amanhã!
– Ok, dona Helena Mara. Boa noite pra vocês! Agora vem cá: ninguém
vai elogiar minha deliciosa sobremesa de creme de queijo com
goiabada?
– Sim, Tetê, está maravilhosa, como sempre! – meu avô falou.
– Eu quero mais um pouco! – minha avó pediu.
– Maravilhosa! – Meu pai piscou para mim.
Se tinha um momento em que minha família inteira concordava era
na hora de gostar da minha comida. E aquela sobremesa sempre fazia


sucesso!



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