Capítulo 8

NA SEGUNDA-FEIRA SEGUINTE, minha segunda semana de aula,
acordei mais cedo para me arrumar e pedi o perfume da minha mãe
emprestado.
– Você querendo ficar cheirosa?
– É, mãe. O que é que tem? – tentei diminuir a importância.
– Tirando o fato de que você nunca usou perfume na vida? Nada.
Realmente, não tem por que me espantar.
Eu apenas ri.
– Qual você recomenda?
– Esse aqui – respondeu ela, pegando na bancada do banheiro um
vidro com um líquido verde bem cheirosinho. – Tem cheiro de banho.
Tem que colocar bem pouquinho. Vem cá, deixa a mamãe botar.
Carinhosamente, ela borrifou perfume na minha nuca, nos meus
pulsos e um pouquinho no meu cabelo.
– Você tomou banho, Tetê? Ou está querendo camuflar o mau cheiro
com perfume?
– Ai, mãe! Claro que tomei!
Ela se aproximou de mim para me dar um cheiro num lugar sem
perfume e ficou visivelmente feliz, me olhando com cara de boba.
– Que foi, mãe?
– Nada.
– Fala!
– Nada! Só estou feliz de ver você assim.
– Assim como?
– Assim. Leve, serena, sorridente, vaidosa…
– Não tô nada disso!
– Está, sim, senhora. E não tem problema nenhum em admitir que
está, filhota.
Timidamente, olhei para baixo e sorri sem mostrar os dentes. Eu
nunca sorrio mostrando os dentes. Nunca! Mas nesse dia eu quaaaase
mostrei.
– Tchau, mãe. Bom trabalho! – disse antes de sair correndo.
– Ei, mocinha! Não está esquecendo nada?
Voltei, dei um beijo na bochecha dela e corri de novo para sair logo
dali.
Às vezes, acho que as mães têm um chip, uma coisa mágica dentro
delas que sabe praticamente tudo o que se passa com os filhos. Sou filha
única, sempre quis um irmão ou uma irmã para ter um amigo, mas, por
mais que tenham tentado, meus pais não conseguiram engravidar de
novo.
Saí de casa com um pouco mais de calma na segunda semana, depois
de tomar um café da manhã caprichado, com direito a panqueca perfeita

feita por mim.
Assim que eu pisei na escola, meu celular fez plim. Empolgada, olhei
na hora. Era o Zeca mandando uma foto em que o Erick estava de perfil
conversando com Davi e um garoto que eu ainda não tinha decorado o
nome.
Que foto linda, que colégio bom! Obrigada, Brasil, polo norte e
China!


ZECA

Pra você se preparar e se empolgar para
chegar logo e também pra fazer a
sobrancelha. Valentininha, a cretininha, ainda
não chegou. Cadê você?

Eu estava tão feliz por finalmente falar com alguém no WhatsApp!
Adentrei a sala e teclei:


TETÊ

Aquiiiii!


– Bota sua mochila na mesa e vai falar com ele, anda! – ordenou Zeca
ao me ver.
– Com ele? Ele quem?
– Dã! O Erick, sua mocoronga!
– Claro que não! – sussurrei, enquanto me sentava do lado dele,
morta de vergonha.
– Vai, burra!
– Não me chama de burra!
– Eu te chamei de mocoronga um segundo atrás.
– Mocoronga tudo bem. Burra, não!
– Tá bem! Vai logo, anta! – disse ele, entre os dentes.
– Para, Zeca! – pedi baixinho.
– Olha quem chegou, Daviiii! – gritou ele, abanando os dois imensos
braços. Parecia um chimpanzé atacado por 500 pulgas. – Chama essa
garota pra ficar com você. Tô aqui com minha mãe no WhatsApp e ela tá
me tirando a concentração. Não consigo teclar e falar ao mesmo tempo!
Anda, rala, sua mandada!
Eu fiquei completamente sem ação. E vermelha.
– Chega aí, Tetê – chamou Erick.
Sim! O Erick me chamou. E ele se lembrava do meu nome depois de
um fim de semana inteiro sem falar comigo! Como era lindo, meu Deus!
– E-eu?
– Só tem você de Tetê aqui. Ou eu deveria te chamar de… cabelo? –
completou ele, bonitinho.
– Chama de peid…
– Fica quieto, Orelha! Deixa a menina! – brigou o sonho de todas as
garotas da face da Terra.
Eu ia acordar em 3, 2… Mas não. Não era um sonho. Erick tinha
mesmo dito meu nome, Erick queria minha companhia, Erick me
defendeu da zoação que seu amigo Orelha (agora eu sabia como se
chamava o garoto) queria fazer. Se era pena ou não, tô nem aí. Meu
príncipe tinha falado meu nome…
Andei na direção dos três tentando aparentar normalidade, tentando
com todas as forças fingir que não estava explodindo de alegria por
dentro. Aquela cena era inédita na minha vida. Um garoto disse meu
nome. Um garoto bonito disse meu nome. O garoto mais bonito do mundo
disse meu nome! Eu vibrava mais a cada passo em sua direção.
– Oi… – falei, louca para virar um avestruz e botar minha cabeça no
primeiro buraco.
– E aí, beleza? – cumprimentou o tal do Orelha.
– Beleza, rirrirri… – Eu fiz rirrirri. Sou uó! Uóóó!
– Esse é o Orelha. Orelha, essa é a Tetê.
– Orelha mesmo? – estranhei.
– Na verdade meu nome é Pablo.
– Mas com essa orelha não dá pra te chamar de outra coisa, cara! –
Erick implicou.
– Bom… Orelha é bem melhor que Dumbo, meu apelido de infância.
– Que bom que você leva na boa – comentei.
– Tem que levar, né? Olha o tamanho da minha orelha! Dá pra ver da
Lua, de tão imensa.
– Eu sou o Erick, a gente se conheceu semana passada lembra? – fez
graça o minideus.
– Claro que lembro… Rirrirri… – Outro rirrirri. Como eu sou
péssima com gente, meu Deus!
– E aí, beleza? – o minideus Erick perguntou.
– B-be-beleza… Rirrirri. – Outro rirrirri? Droga, Tetê!
– O Davi você também já conhece, né?
– Daviiii! – exclamei, ao abraçar efusivamente meu melhor amigo.
Não me pergunte por quê, mas eu abracei o Davi! Eu praticamente
me joguei em cima do Davi, como se ele fosse uma pessoa muito próxima
que eu não encontrava havia anos, e apertei com força o pobre do garoto
enquanto dava minipulinhos. Que vergonha!
Ele se assustou. Claro. Não é todo dia que uma louca se joga nos
braços dele e dá pulinhos (que ele não retribuiu, aliás).
– Isso tudo é saudade? – perguntou Erick. – Aí, hein, Davi!
– Para com isso, cara – disse meu melhor amigo, desvencilhando-se
de mim. – Eu e a Tetê somos apenas amigos.
Alguém podia congelar o tempo para aquela cena não acabar nunca?
O Davi disse a palavra amigos. A-mi-gos. Zerei a vida.
– Atchim!
– Saúde, Erick – fui educadamente fofa.
Nossa, até espirrando ele era um divo.
Novo espirro.
Mais um.
Outro.
Espirro mais lindoooo! Own…
– Tá gripado? – perguntei, sem conseguir disfarçar o brilho nos
meus olhos.
– Não. Isso é alergia. Acho que é seu perfume.
– Meu perfume? – perguntei, arrasada.
– Tem alguma coisa que… que… ATCHIM! – O coitado estava com o
nariz vermelho já.
– Ai, meu Deus, desculpa! – pedi, sem jeito e sem saber o que fazer.
– Nada, não precisa se desculpa-a-a-aaatchim!
– Minha mãe tem alergia a essas paradas de cheiro também –
comentou Orelha.
– Eu… eu vou lá pra frente. Desculpa! – exclamei, constrangida.
E ao me virar para fugir dali correndo e parar a crise de espirros do
meu príncipe, fui saudada com um banho de refrigerante frio. Não, não
foi de água fria, foi de refrigerante frio. Gelado. Gostoso mesmo.
– Teanira, mil desculpas! – disse quem? Quem? Valentina
Estupidina, claro.
– Desculpa? Você jogou a Coca-Cola de propósito! – Davi partiu em
minha defesa.
– Valentina! – Erick repreendeu.
– O que foi, amor?
– Eu vi! – gritou Davi.
– Quem é você, mesmo? – ela perguntou para Davi com a maior
arrogância.
– Você sabe quem eu sou, Valentina.
– Claro que sabe. O Davi estuda com a gente há uns cinco anos e
mora no meu prédio desde pirralho. Você sabe exatamente quem é ele –
o Erick falou meio irritado.
– Amor, você não acha que eu faria um absurdo desses, né? –
questionou a bela, indo na direção do mais belo dos belos e tascando
nele um selinho que me matou de inveja. – Mas acho que te salvei, né?
Ela tá usando lavanda e você não suporta lavanda.
– Eu tenho alergia a alguns tipos de lavanda. É bem diferente de não
suportar.
– Quer ajuda, Tetê? – ofereceu Valentina, toda dissimulada.
– Não, obrigada.
– Eu tenho uma camiseta que trago para colocar depois da aula de
Educação Física. Até te emprestaria, mas certamente não cabe em você.
Sou P e você deve ser GG – ela fez questão de falar para jogar na minha
cara.
– Na maioria das lojas eu sou M… – disse, tímida, triste, com raiva,
com tudo de ruim corroendo meu peito ao mesmo tempo.
Desgraçada. Será que ia começar tudo de novo nessa escola? Será que
meu pesadelo ia ter início novamente?
É… Estava tudo indo bem demais para ser verdade mesmo.

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