Capítulo 9

Liguei na hora do almoço de terça-feira, quando os controles de tráfego aéreo francês e alemão fizeram uma greve conjunta de um dia, o que deixou o bar quase vazio. Esperei Richard ir ao atacadista, depois fiquei parada no saguão, diante do último banheiro feminino antes da segurança, e procurei no meu celular o número que eu nunca tinha sido capaz de apagar.
Chamou três, quatro vezes, e só por um instante fui tomada pelo desejo avassalador de apertar ENCERRAR CHAMADA. Mas uma voz masculina atendeu, as vogais entrecortadas, familiar.
— Alô?
— Sr. Traynor? É Lou.
— Lou?
— Louisa Clark.
Um breve silêncio. Era possível ouvir o barulho abafado das suas lembranças sendo despertadas apenas pelo meu nome e tive uma sensação estranha de culpa. Eu o vira pela última vez junto ao túmulo de Will, um homem prematuramente envelhecido, endireitando toda hora os ombros enquanto se esforçava para suportar o peso da dor.
— Louisa. Bem... Nossa. Isso é... Como você está?
Cheguei para o lado e deixei Violet passar com seu carrinho. Ela me deu um sorriso cúmplice, ajeitando o turbante roxo com a mão livre. Reparei que tinha bandeirinhas da Inglaterra pintadas nas unhas.
— Estou muito bem, obrigada. E o senhor?
— Ah... você sabe. Na verdade, também estou muito bem. A situação mudou um pouco desde a última vez em que nos vimos, mas está tudo... sabe...
Aquela vacilação dos modos cordiais do Sr. Traynor quase me fez titubear. Respirei fundo.
— Sr. Traynor, estou ligando porque preciso muito conversar com o senhor sobre uma coisa.
— Achei que Michael Lawler tivesse resolvido todas as questões financeiras. — Seu tom de voz se alterou um pouco.
— Não tem a ver com dinheiro. — Fechei os olhos. — Sr. Traynor, pouco tempo atrás recebi uma visita de alguém que acho que o senhor precisa conhecer.
Uma mulher esbarrou nas minhas pernas com sua mala de rodinhas e articulou em silêncio um pedido de desculpas.
— Tudo bem. Não há maneira simples de fazer isso, então vou dizer de uma vez. Will teve uma filha, e ela apareceu na minha porta. Está desesperada para conhecer o senhor.
Um longo silêncio.
— Sr. Traynor?
— Desculpe. Pode repetir o que acabou de dizer?
— Will teve uma filha. Ele não sabia. A mãe é uma antiga namorada da época da faculdade que resolveu não contar nada. Ele teve uma filha, que me encontrou e quer muito conhecê-lo. Tem dezesseis anos. O nome dela é Lily.
— Lily?
— É. Já falei com a mãe dela e parece ser verdade. O nome dela é Miller. Tanya Miller.
— Eu... não me lembro dela. Mas Will teve, sim, várias namoradas.
Outro longo silêncio. Quando ele voltou a falar, estava com a voz embargada.
— Will teve... uma filha?
— Sim. Sua neta.
— Você... acha mesmo que é filha dele?
— Conheci a mãe dela, ouvi o que tinha a dizer e, sim, acho que é mesmo filha dele.
— Ah. Ah, nossa.
Dava para ouvir uma voz ao fundo.
— Steven? Steven? Você está bem?
Outro silêncio.
— Sr. Traynor?
— Desculpe. É só que... Estou um pouco...
Levei a mão à cabeça.
— É chocante. Eu sei. Desculpe. Não consegui pensar num jeito melhor de contar. Eu não queria simplesmente aparecer na sua casa se...
— Não. Não, não se desculpe. É uma notícia boa. Uma notícia extraordinária. Uma neta.
— O que está acontecendo? Por que está se sentando desse jeito? — A voz ao fundo parecia preocupada.
Sr. Traynor tapou o fone com a mão.
— Estou bem, querida. De verdade. Eu... Daqui a pouco explico tudo.
Mais conversa abafada. E depois ele voltou a se dirigir a mim, a voz ficando insegura de repente.
— Louisa?
— Oi.
— Você tem certeza absoluta? Quer dizer, isso é muito...
— Absoluta, Sr. Traynor. Estou disposta a explicar melhor para o senhor, mas ela tem dezesseis anos, é cheia de vida e, bem, quer muito saber mais sobre a família que não conhecia.
— Ah, minha nossa. Ah, minha... Louisa?
— Estou aqui.
E, quando ele voltou a falar, meus olhos ficaram cheios d’água.
— Como... como vou conhecê-la? Como posso conhecer... Lily?

* * *

Fomos até lá de carro no sábado seguinte. Lily estava com medo de ir sozinha, mas não ia confessar isso. Só me disse que seria melhor se eu explicasse tudo ao Sr. Traynor porque “gente velha tem mais facilidade para falar com gente velha”.
Viajamos em silêncio. Eu estava quase passando mal de nervoso por ter que entrar outra vez na casa dos Traynor, mas não podia explicar isso à carona ao meu lado. Lily não disse nada.
Ele acreditou em você?
Respondi que sim, que achava que ele tinha acreditado. Embora fosse prudente fazer um exame de sangue, só para tranquilizar todo mundo.
Ele realmente pediu para me conhecer, ou foi você que sugeriu?
Eu não lembrava. Meu cérebro disparava um zumbido estático só de ouvir falar nele de novo.
E se eu não for o que ele estiver esperando?
Eu não tinha certeza se ele esperava alguma coisa. Afinal, acabara de descobrir que tinha uma neta.
Lily aparecera na sexta à noite, embora eu a esperasse só no sábado de manhã. Contou que se desentendera com a mãe, e Francis Pentelho lhe dissera que ela precisava amadurecer. Lily fungou.
— E quem diz isso é um homem que acha normal ter um quarto inteiro para um trem elétrico.
Eu tinha dito que ela poderia ficar na minha casa desde que (a) sua mãe sempre pudesse me confirmar que sabia onde ela estava, (b) ela não bebesse e (c) ela não fumasse no meu apartamento. O que significava que enquanto eu estava no banho, ela simplesmente ia para a loja de Samir ali em frente e ficava conversando com ele durante o tempo de fumar dois cigarros, mas parecia grosseiro discutir sobre isso. Tanya Houghton-Miller passou quase vinte minutos resmungando sobre a impossibilidade de tudo, repetiu quatro vezes que eu acabaria mandando Lily de volta para casa em quarenta e oito horas e só encerrou a ligação quando alguma criança começou a gritar ao fundo. Ouvi Lily andar com estrépito pela minha pequena cozinha, e uma música que eu não entendia deixou os poucos móveis na minha sala vibrando.
Ok, Will, pensei. Se essa foi sua ideia de me jogar em uma nova vida, com certeza acertou em cheio.

* * *

Na manhã seguinte, entrei no quarto de hóspedes para acordar Lily e já a encontrei desperta, abraçando as pernas, fumando na minha janela aberta.
Havia várias roupas jogadas na cama, como se ela tivesse experimentado diversas combinações e achado que não ficaram boas.
Ela me fuzilou com os olhos, me desafiando a dizer alguma coisa. De repente vislumbrei Will, virando-se da janela na cadeira de rodas, com o olhar furioso e aflito. Por um instante, isso me deixou sem fôlego.
— Vamos sair em meia hora — falei.

* * *

Chegamos aos arredores da cidade pouco antes das onze. O verão mais uma vez atraíra para as ruas estreitas de Stortfold uma multidão de turistas, que mais pareciam bandos de andorinhas coloridas rumando para a terra. Eles seguravam guias de viagem e sorvetes, ziguezagueando sem rumo por cafés e lojas de temporada cheias de porta-copos e calendários com a imagem do castelo que ao chegarem em casa logo seriam engavetados e talvez nunca mais vistos. Passei devagar pelo castelo na longa fila de carros no National Trust, reparando nos casacos de capuz, nas jaquetas e nos chapéus que pareciam iguais todos os anos. Esse era o quinto centenário do castelo e, para onde quer que olhássemos, havia cartazes anunciando comemorações: dançarinos de Morris, assados de porco, quermesses...
Dirigi até a frente da casa, agradecida por não estarmos diante do anexo onde eu passara tanto tempo com Will. Ficamos sentadas no carro e escutamos o motor desligar. Notei que Lily havia roído quase todas as unhas.
— Você está bem? — Ela deu de ombros. — Vamos entrar, então?
Lily olhou para os próprios pés.
— E se ele não gostar de mim?
— Por que não gostaria?
— Porque ninguém gosta.
— Tenho certeza de que isso não é verdade.
— Ninguém na escola gosta. Meus pais não veem a hora de se ver livres de mim. — Ela roía selvagemente o canto que sobrou da unha do polegar. — Que tipo de mãe deixa a filha morar no apartamento velho e mofado de alguém que ela nem sequer conhece?
Respirei fundo.
— O Sr. Traynor é um homem bom. E eu não teria trazido você até aqui se não achasse que é uma boa ideia.
— Se ele não gostar de mim, a gente pode simplesmente ir embora? Tipo, bem depressa?
— Claro.
— Eu vou saber. Só pelo jeito que ele me olhar.
— Sairemos derrapando, se for preciso.
Lily deu um sorriso relutante.
— Tudo bem — falei, tentando não demonstrar que estava tão nervosa quanto ela. — Vamos.

* * *

Fiquei parada no degrau, observando Lily para não pensar muito em onde eu estava. A porta se abriu devagar, e lá estava ele vestindo a mesma camisa azul da qual eu me lembrava de dois verões atrás, mas tinha um novo corte de cabelo, mais curto, talvez uma tentativa inútil de combater os efeitos envelhecedores do sofrimento extremo. Ele abriu a boca como se quisesse me dizer algo mas tivesse esquecido, e depois encarou Lily, arregalando um pouco os olhos.
— Lily?
Ela assentiu.
Ele a observou atentamente. Ninguém se mexeu. Depois, os lábios dele se contraíram e lágrimas marejaram seus olhos. O Sr. Traynor deu um passo à frente e a abraçou.
— Ah, minha querida. Ah, minha nossa. É muito bom conhecer você. Ah, minha nossa.
Ele abaixou a cabeça grisalha para encostar na dela. Eu me perguntei, por um instante, se ela ia recuar. Lily não era uma grande entusiasta do contato físico. Mas a observei abrir os braços, envolvê-lo pela cintura e agarrar sua camisa, ficando com os nós dos dedos brancos e fechando os olhos enquanto era abraçada por ele. E os dois ficaram assim pelo que pareceu uma eternidade, o avô e a neta, sem sair do degrau da frente.
Ele se inclinou para trás. Lágrimas escorriam pelo seu rosto.
— Deixe-me olhar para você. Deixe-me olhar.
Ela me olhou de relance, ao mesmo tempo constrangida e satisfeita.
— Sim. Sim, estou vendo. Olhe só para você! Olhe só! — Ele se virou para mim. — Ela se parece com ele, não acha?
Confirmei com a cabeça.
Lily também o encarava, talvez procurando vestígios do pai. Eles continuaram de mãos dadas mesmo quando ela desviou o olhar.
Até então, eu não tinha me dado conta de que estava chorando. Por causa do alívio estampado no rosto sofrido do Sr. Traynor, da alegria de algo que ele julgara estar perdido e recuperara em parte, da pura felicidade inesperada dos dois em se encontrar. E quando ela também abriu um sorriso carinhoso de reconhecimento para ele, meu nervosismo, e quaisquer dúvidas que eu tivesse sobre Lily Houghton-Miller, desapareceram.

* * *

Fazia menos de dois anos, mas a Granta House mudara significativamente desde a última vez em que eu estivera lá. Não havia mais os enormes armários antigos, as caixas decorativas nas mesas de mogno muito bem lustradas, as pesadas cortinas. Foi preciso ver Della Layton, andando feito um pato, para entender o motivo disso. Alguns móveis lustrosos restaram, mas todo o resto era branco ou muito colorido. Havia novas cortinas amarelas, tapetes claros nos assoalhos de madeira antiga e gravuras modernas com molduras lisas. Ela se aproximou devagar, sorrindo com um pouco de cautela, como se tivesse se forçado a colocar um sorriso no rosto.
Acabei recuando de forma involuntária quando ela chegou perto: havia alguma coisa muito chocante numa mulher no fim da gravidez... Aquele volume, aquela barriga quase obscena.
— Oi, você deve ser Louisa. Que bom conhecer você.
O cabelo dela era ruivo brilhante estava preso no alto com um grampo, e ela usava uma blusa de linho azul-clara enrolada nos pulsos ligeiramente inchados. Também não pude deixar de notar o enorme anel de diamante apertando seu anular e fiquei um pouco angustiada ao imaginar como deviam ter sido os últimos meses para a Sra. Traynor.
— Parabéns — falei, indicando sua barriga.
Eu queria dizer mais alguma coisa, mas nunca sabia se era adequado falar que uma mulher grávida estava “enorme”, “pequena”, “esbelta”, “radiante”, ou qualquer um dos eufemismos que as pessoas pareciam usar para disfarçar sua impressão, pois no fundo queriam dizer Caramba.
— Obrigada. Foi uma surpresa, mas uma surpresa muito boa.
Ela desviou o olhar de mim para observar o Sr. Traynor e Lily. Ele ainda segurava uma das mãos da neta, dando tapinhas, e lhe contava sobre a casa, que pertencia à família havia várias gerações.
— Alguém gostaria de um chá? — perguntou ela. E depois de um tempo insistiu: — Steven? Chá?
— Ótimo, querida. Obrigado. Lily, você bebe chá?
— Posso tomar um suco, por favor? Ou uma água? — A menina sorriu.
— Vou ajudá-la — falei para Della.
O Sr. Traynor começou a mostrar os ancestrais nas fotos na parede, a mão no cotovelo de Lily, comentando a semelhança do nariz dela com um parente, ou da sua cor de cabelo com outro.
Della ficou observando os dois por um instante, e tive a impressão de ter notado em seu semblante uma expressão consternada. Ela reparou que eu estava olhando e logo sorriu, parecendo constrangida por ter os sentimentos tão estampados no rosto.
— Seria ótimo. Obrigada.

* * *

Trabalhamos juntas na cozinha, separando leite, açúcar, um bule de chá, fazendo perguntas educadas sobre biscoitos. Eu me inclinei para pegar as xícaras no armário, pois Della não conseguia se abaixar com facilidade, e as coloquei na bancada da cozinha. Reparei que eram xícaras novas. Um desenho moderno de padrão geométrico, em vez daquela surrada porcelana florida de que sua antecessora gostava, que era delicadamente pintada com ervas selvagens e flores com nomes latinos. Todos os vestígios dos trinta e oito anos de domínio da Sra. Traynor pareciam ter sido apagados pronta e implacavelmente.
— A casa está... bonita. Diferente — comentei.
— Sim. Bem, Steven perdeu vários móveis com o divórcio. Então tivemos que mudar um pouquinho. — Ela esticou o braço para pegar a caixa de chá. — Ele perdeu coisas que estavam na família há gerações. Claro, ela pegou tudo o que conseguiu.
Ela me olhou como se estivesse avaliando se eu poderia ser considerada uma aliada.
— Não converso com a Sra... com Camilla desde que Will... — falei, sentindo-me desleal de alguma forma esquisita.
— Bem, Steven disse que essa menina simplesmente apareceu na sua porta. — Ela deu um sorrisinho forçado. — É. Foi uma surpresa. Mas conheci a mãe de Lily, e ela... Bem, é óbvio que ela foi íntima de Will por algum tempo.
Della pôs a mão na lombar, depois voltou a atenção para a chaleira.
Minha mãe tinha me contado que ela administrava um pequeno escritório de advocacia na cidade vizinha. A gente só pode estranhar uma mulher de trinta anos que nunca se casou, dissera mamãe com desdém, e depois, após dar uma rápida olhada na minha direção, corrigiu: Quarenta. Quis dizer quarenta.
— O que acha que ela quer?
— Como assim?
— O que acha que ela quer? A menina?
Eu ouvia Lily no hall fazendo perguntas, agindo de forma infantil e interessada, e, por mais estranho que parecesse, me senti protetora.
— Acho que ela não quer nada. Acabou de descobrir que não sabia da existência do pai e gostaria de conhecer a família dele. A família dela.
Della colocou água quente para aquecer o bule e o esvaziou, mediu as folhas (soltas, exatamente como a Sra. Traynor compraria). Serviu devagar a água fervente, tomando cuidado para não respingar em si mesma.
— Já faz muito tempo que amo Steven. Ele... ele teve um ano muito difícil. Seria... — ela falava sem olhar para mim — muito ruim para ele se Lily fosse complicar sua vida a essa altura.
— Não acho que Lily quer complicar a vida de nenhum de vocês — falei com cautela. — Mas acho, sim, que ela tem o direito de conhecer o avô.
— Claro — disse Della com gentileza, sorrindo automaticamente.
Naquele instante me dei conta de que eu tinha sido reprovada em algum teste interno, mas eu não me importava. E então, após uma última conferida, Della pegou a bandeja e levou-a para a sala, aceitando minha oferta de carregar o bolo e o bule de chá.

* * *

— E como você está, Louisa?
O Sr. Traynor se recostou na poltrona com um sorriso largo marcando suas feições flácidas. Ele quase não parou de conversar com Lily durante o chá, perguntando-lhe sobre sua mãe, onde ela morava, o que estava estudando (ela não contou sobre os problemas na escola), se preferia bolo de frutas ou de chocolate (“Chocolate? Eu também!”) ou de gengibre (“Não.”), e se gostava de críquete (“Não muito.” “Bem, teremos que fazer alguma coisa a respeito!”). A semelhança que a menina tinha com seu filho parecia tranquilizá-lo. Àquela altura, o Sr. Traynor provavelmente nem teria se importado se ela houvesse revelado que sua mãe era uma dançarina erótica.
Notei que ele olhava furtivamente para Lily enquanto ela falava, analisando seu perfil, como se talvez conseguisse ver o de Will ali também. Outras vezes, eu captava um indício de melancolia em sua expressão. Desconfiei de que ele estivesse pensando o mesmo que eu: uma nova dor pelo fato de que seu filho nunca iria conhecê-la. Quase dava para vê-lo se recompondo, obrigando-se a se empertigar, recolocando depressa o sorriso no rosto.
Ele passara meia hora andando pela propriedade com ela, e quando voltaram comemorou que Lily conseguira sair do labirinto “de primeira! Deve ser genético”. Lily dera um grande sorriso, como se tivesse ganhado um prêmio.
— E o que está acontecendo na sua vida, Louisa?
— Estou bem, obrigada.
— Você ainda trabalha como... cuidadora?
— Não. Eu... fiquei um tempo viajando e agora estou trabalhando no aeroporto.
— Ah! Ótimo! Na British Airways, espero.
Senti minhas bochechas corarem.
— Na administração, é?
— Trabalho num bar. No aeroporto.
Ele hesitou só por uma fração de segundo, e depois assentiu com firmeza.
— As pessoas sempre precisam de um bar. Ainda mais em aeroportos. Toda vez antes de entrar no avião tomo um uísque duplo, não é, querida?
— É, sim — respondeu Della.
— E acho que deve ser bem interessante observar as pessoas viajarem de avião todo dia. Empolgante.
— Tenho outras coisas em vista.
— Claro que tem. Ótimo. Ótimo...
Houve um breve silêncio.
— Para quando é o bebê? — perguntei, de forma que todos desviassem a atenção de mim.
— Mês que vem — respondeu Della, apoiando as mãos na barriga. — É uma menina.
— Que maravilha. Qual vai ser o nome?
Eles se entreolharam da forma que os futuros pais fazem quando já escolheram o nome, mas não querem contar para ninguém.
— Ah... a gente não sabe.
— É uma sensação estranha... ser pai de novo, na minha idade. Não consigo imaginar muito bem. Sabe, trocar fralda, essas coisas. — Ele olhou para Della, depois acrescentou de um jeito tranquilizador: — Mas é maravilhoso. Sou um homem de muita sorte. Nós dois temos muita sorte, não é, Della?
Ela sorriu para o Sr. Traynor.
— Tenho certeza — falei. — Como vai Georgina?
Talvez só eu tenha notado que a expressão do Sr. Traynor se alterou um pouco.
— Ah, está ótima. Ainda na Austrália, sabe.
— Legal.
— Ela esteve aqui alguns meses atrás... mas passou a maior parte do tempo com a mãe. Estava muito ocupada.
— Claro.
— Acho que arranjou um namorado. Tenho certeza de que alguém me disse que ela estava namorando. Então isso é... é bom.
Della tocou a mão dele.
— Quem é Georgina? — Lily estava comendo um biscoito.
— A irmã caçula de Will — respondeu o Sr. Traynor, virando-se para ela. — Sua tia! Sim! Na verdade, ela era um pouco parecida com você quando tinha a sua idade.
— Posso ver uma foto dela?
— Vou procurar para você. — O Sr. Traynor esfregou a lateral do rosto. — Estou tentando lembrar onde guardamos a foto da formatura.
— No seu escritório — disse Della. — Fique aí, querido. Vou buscar. É bom eu me mexer.
Ela se levantou do sofá e saiu da sala dando passos pesados. Lily insistiu em ir com ela.
— Quero ver as outras fotografias. Quero ver com quem pareço.
Ainda sorrindo, o Sr. Traynor observou as duas se retirarem. Ficamos sentados tomando nosso chá em silêncio. Até que ele se virou para mim.
— Você já falou com ela? Com Camilla?
— Não sei onde ela mora. Eu ia lhe perguntar o endereço. Lily também quer conhecê-la.
— Ela passou por um período difícil. Pelo menos é o que Georgina diz. Não nos falamos muito. É meio complicado por causa da... — Ele indicou a porta com a cabeça e suspirou de forma quase imperceptível.
— O senhor gostaria de contar a ela? Sobre Lily?
— Ah, não. Ah... Não. Eu... não tenho certeza se ela ia querer... — Ele passou a mão na testa. — Provavelmente é melhor você contar.
Ele anotou o endereço e o número do telefone num pedaço de papel e me entregou.
— É um pouco longe — avisou, e sorriu como se pedisse desculpas. — Acho que ela quis começar uma vida nova. Mande lembranças minhas, está bem? É estranho... finalmente ter uma neta, nessas circunstâncias. — Ele baixou o tom de voz. — Por incrível que pareça, Camilla é a única pessoa que realmente conseguiria entender como estou me sentindo.
Se ele fosse outra pessoa, eu poderia ter lhe dado um abraço naquele instante, mas éramos ingleses e ele já tinha sido meu chefe, por isso apenas sorrimos sem jeito um para o outro. E possivelmente desejamos estar em outro lugar.
O Sr. Traynor se empertigou na cadeira.
— Mesmo assim, sou um homem de sorte por poder começar uma vida nova na minha idade. Não tenho certeza se realmente mereço isso.
— Não acredito que felicidade seja uma questão de merecimento.
— E você? Sei que gostava muito de Will...
— É difícil encontrar alguém como ele.
Senti um nó na garganta. Quando passou, o Sr. Traynor continuava me olhando.
— Meu filho apreciava a vida, Louisa. Não preciso lhe dizer isso.
— Mas aí é que está, não? — Ele esperou. — Will era melhor que todos nós nisso.
— Você vai chegar lá, Louisa. Todos nós chegamos. Do nosso jeito. — Ele tocou meu cotovelo com uma expressão branda.
Della, ao voltar para a sala, começou a recolher a louça do chá, empilhando as xícaras na bandeja de forma tão ostensiva que só poderia ser um sinal.
— É melhor nós irmos — falei para Lily, me levantando quando ela entrou segurando uma foto emoldurada.
— Ela se parece comigo, não é? Acha que nossos olhos são um pouco parecidos? Acha que iria querer falar comigo? Ela tem e-mail?
— Tenho certeza de que sim — disse o Sr. Traynor. — Mas, se não se importar, Lily, vou conversar com ela primeiro. É uma tremenda novidade para todos nós. É melhor esperar alguns dias para ela se acostumar com a ideia.
— Tudo bem. Então quando posso vir para ficar?
À minha direita, ouvi Della quase deixar uma xícara cair. Ela se abaixou ligeiramente, endireitando-a na bandeja.
— Ficar?
O Sr. Traynor se inclinou para a frente, como se não tivesse certeza de ter escutado.
— Bem, você é meu avô. Achei que eu talvez pudesse passar o resto do verão aqui. Para conhecer você melhor. Temos muita coisa para pôr em dia, não?
A expectativa iluminava seu rosto.
O Sr. Traynor olhou para Della, e o semblante da mulher deteve o que ele estava prestes a dizer.
— Seria ótimo receber você um dia desses — disse Della, segurando a bandeja diante do corpo —, mas há outras coisas acontecendo no momento.
— É o primeiro filho dela, entende. Acho que ela gostaria...
— Só preciso de um tempinho sozinha com Steven. E o bebê.
— Eu poderia ajudar. Levo muito jeito com bebês — retrucou Lily. — Eu sempre tomava conta dos meus irmãos quando eles eram pequenos. E olha que eram terríveis. Bebês realmente terríveis. Gritavam, tipo, o tempo todo.
O Sr. Traynor olhou para a esposa.
— Tenho certeza de que você vai ser simplesmente brilhante, Lily, querida — disse ele. — Só que agora não é uma hora muito boa.
— Mas vocês têm tantos quartos... Posso ficar no de hóspedes. Nem vão notar que estou aqui. Serei muito útil com fraldas e essas coisas e poderia ficar de babá para vocês saírem. Eu poderia... — Sua voz sumiu. Ela olhou de um para outro, esperando.
— Lily... — falei, rondando, aflita, a porta.
— Vocês não me querem aqui.
O Sr. Traynor deu um passo à frente e fez menção de tocar seu ombro.
— Lily, querida. Não é...
Ela se esquivou.
— Você gosta da ideia de ter uma neta, mas não me quer de verdade na sua vida. Só... só quer uma visita.
— É o momento, Lily — retrucou Della, com calma. — É só que... Bem, esperei muito para ficar com Steven, seu avô, e esse tempo com nosso bebê é muito precioso para nós.
— E eu não sou.
— Não é nada disso. — O Sr. Traynor se adiantou na direção dela mais uma vez.
Ela o afastou.
— Meu Deus, vocês são todos iguais. Vocês e suas familiazinhas perfeitas, todas fechadas. Ninguém tem nenhum espaço para mim.
— Ah, por favor. Não vamos fazer drama com... — começou Della.
— Cale a boca — gritou Lily.
Quando Della recuou, os olhos do Sr. Traynor se arregalaram em choque.
Lily saiu correndo, e eu os deixei no silêncio da sala para ir atrás dela.

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