SAÍ CORRENDO na direção do banheiro para consertar o
estrago.
– Eu vou com você.
Ouvi uma voz diferente e nem acreditei. Era uma menina,
muito fofa,
me oferecendo ajuda. O nome dela era Samantha, e eu não
tinha trocado
nenhuma palavra com ela na semana anterior. Parecia uma
boneca:
baixinha com os cabelos grossos e cheios, na altura dos
ombros, num
tom castanho, o mais bonito que já vi.
Só no banheiro descobri que os seios dela eram muito
grandes, o que
a deixava constrangida, e entendi por que ela não tirava o
casaco para
nada, apesar do calor do verão carioca: para escondê-los.
Tadinha.
Mesmo visivelmente desconfortável, ela me emprestou o
casaco. Existem
pessoas legais no mundo. Acho que por isso ela entendeu meu
drama.
– A Valentina não é má pessoa – começou Samantha.
– Tenho minhas dúvidas… – admiti.
– Ela só é muito ciumenta. E não gosta de falar com quem não
é
popular.
– Essa parte eu já entendi.
– Ela gosta de manipular as amigas, sabe? Não faz por mal,
mas em
benefício dela.
– Eu acho isso péssimo. Ninguém que manipula pessoas é
exatamente do bem…
– Já fomos muito amigas uns anos atrás, daí do nada ela se
distanciou.
– Como assim “do nada”? Vocês não brigaram? Não discutiram?
– Nunca. Ela simplesmente ficou diferente comigo. Nunca
entendi
direito. Aí ela e as amigas dela me deixaram de lado. Da
noite pro dia.
Fiquei com pena. Deu para ver que a Samantha tinha um quê de
mágoa por não ser mais amiga da Valentina. Mudei de assunto.
– Meu sutiã está aparecendo com essa camiseta molhada. E não
quero molhar seu casaco. Será que tem um secador aqui?
– Deve ter na sala da Conceição, a coordenadora – respondeu
ela. –
Eu vou com você na sala dela. Mas pode ir com o casaco para
ninguém
ver sua camiseta.
– Tem certeza?
– Claro!
Não vesti o casaco, apenas coloquei na frente do meu tronco
para
cruzar o corredor até a sala da coordenadora, onde pude
secar a
camiseta.
No recreio, Zeca e Davi me garantiram que Valentina
Estupidina fez
de propósito.
– Ela é má – definiu Zeca. – Má de novela.
– Não exagera. Ela é apenas equivocada – argumentou Davi.
– Pode não ser má, mas também não é só equivocada. Tem um
quê
de… de… – tentei achar palavras mas elas não vinham.
– Espírito de porco – Davi soltou.
– Ai, Davi! Quem é que fala espírito de porco?! Pelo amor de
Getúlio!
Não é porque você mora com seus avós que precisa falar como
um ser
humano de 80 anos! Cruzes! – Zeca riu.
Davi ficou tímido, mas riu também. E quando dei a primeira
mordida no meu queijo quente, quem se aproximou? Quem? Quem?
Isso
mesmo, senhoras e senhores! Valentina Metidina! Valentina
Insuportaveldina! Mas veio acompanhada. De quem? De quem? Do
Erick maravilherick. Do Erick diverick. Ok, parei.
Maravilherick e
diverick? Péssimo!
– Teani… – começou Valentina Intragavelina.
Preciso dizer que estava a-man-do dar apelidinhos rimadinhos
para
a Valentina? Não, né? Eu também sei ser má. Muaahahaha! Que
foi?
Essa é minha risada de bruxa má de desenho animado tosco.
Sou dessas
que fazem risadas de bruxa má de desenho tosco.
– Tetê – corrigiu Erick, ô, coisa fofa!
– Tetê… Eu vim aqui te pedir desculpa. De novo – a falsa
falou.
– Imagina… Não precisava. Você já tinha pedido – fui
educada.
– Viu, Erick? Eu disse que já tinha pedido! – Valentina
Malevolina
aumentou o tom de voz.
Erick, o belo, nada disse. Apenas arregalou os olhos.
– Que foi? Eu falei que tinha pedido e você me obrigou a vir
pedir de
novo!
– Não é isso, Tetê. A Valentina quis vir aqui porq…
– Não quis, não! Você que me fez ficar mal por achar que eu
não
tinha pedido desculpas do jeito que você acha certo.
Desculpa é
desculpa. Não existe um jeito certo de pedir, Erick.
Existe sim. E esse com certeza não é o jeito certo, eu quase
rebati.
– Esse com certeza não é. – Erick leu meus pensamentos. –
Desculpa,
Tetê. Desculpa por tudo.
Por tudo? Tudo o quê, seu lindo?
– Tudo o quê, posso saber? – questionou Valentina Vaquina,
que
pelo visto também sabia ler meus pensamentos!
– Pela sua postura na sala, pela sua postura agora, pelo tom
de voz
que você usa com a Tetê…
Ela bufou. Bufou e revirou os olhos. Que fofaaaaaa!
– Tá bem. Todo mundo desculpado, todo mundo trabalhado no
perdão e no amor ao próximo. Uhu. Podemos ir agora, amor? –
Valentina
Falsianina proclamou.
– Pode ir. Vou ficar com eles até o final do recreio –
decretou Erick,
o lindo, me deixando boquiaberta, mesmo com queijo quente
mastigado
na boca.
– O quê?
– É isso que você ouviu, Valentina – Erick reiterou,
decidido.
– Você vai ficar… com eles?
– Isso.
– Eles?
– Eles. Algum problema?
– Não. Nenhum. Já, já o sinal toca mesmo. Vou ficar com as
minhas
amigas, então.
Que garota uó!!!!
Uó não. Uóóóóóóó! Bem melhor assim. Nada como vogais
repetidas
para expressar um sentimento. Adoro vogais repetidas.
Adoroooooo!
Mas não sempre. Sempre fica chaaaaato… Tão chatoooooo…
E assim, com esse climão, climãozaço, Valentina
Abominavelina,
deixou Erick e toda a sua beleza e fofura na companhia dos
três
excluídos da turma. Ela devia estar morrendo por dentro. E
eu estava
amando a situação. Amando tanto que coloquei em palavras o
que estava
sentindo. De novo.
– Não precisava vir se desculpar, Erick, seu lindo…
Sim! Eu disse “seu lindo”! Seu. Lindo. Eu quero morrer!
Morrer!!!!!!, urrei por dentro.
– Tinha, sim, Tetê.
Ufa! O “seu lindo” passou batido! Ainda bem! Deus é pai, não
é
padrasto! Mas… Ai, que vergonha!
– Quando a gente erra tem que se desculpar. A Valentina já
devia ter
aprendido isso faz tempo – continuou ele.
– Ô… Não fica assim, seu lindo…
Para, Tetê! Você falou “seu lindo” para o Erick de novo!
Miga, sua
louca!, eu gritei internamente, na maior bronca que dei em
mim mesma
naquela semana. Queria socar minha cara até ela ficar bem
mais roxa do
que já estava.
– Ai, desculpa! Desculpa pelo “seu lindo”… É que… que…
Assim…
Não é que eu te ache lindo. E não é que eu não te ache
lindo, te acho, te
acho bem lindo até, lindo mesmo, sabe? Lindo tipo galã de
cinema. Mas
o lindo agora, no contexto em que foi dito, não tem esse
significado de
lindeza, de boniteza. O que eu tô falando, seu lindo, é…
Gente, naquele minuto as palavras pareciam ter vontade
própria e
saíam sem que eu pensasse antes nelas! Elas simplesmente
eram mais
fortes do que minha vontade de não dizê-las em voz alta.
Alguém
precisava enfiar um rolo gigante de plástico-bolha na minha
boca! O
som das bolhas estourando seria bem mais interessante do que
aquele
monólogo sem respiração que eu estava protagonizando havia
infinitos
segundos.
– Alou! Migueeee! Apenas pare! A gente entendeu, né, Erick,
seu
lindo? – brincou Zeca.
Ufa!
– Zeca, eu te amo para sempre, por toda a minha vida. Estou
te
devendo essa, meu amigo de fé, meu irmão camarada, amigo de
tantos…
Não.Chega.RobertoCarlos, não. Agora, não.
– Pelo amor de Getúlio, criatura! Cala essa boca! Quando não
tiver
nada de bom pra falar pode ficar em silêncio! Não tem
problema
nenhum! Tipo agora, eu te livrei de uma saia justa e você
entrou em
outra! Custava agradecer com os olhos? Só com os olhos?
Muda? Não,
não custava. Mas você não segura essa matraca! Né, não, seu
lindo? –
disparou Zeca, meu amigo perfeito.
O meu lindo baixou os olhos e riu com todos os dentes
perfeitos, sem
graça mas se divertindo a valer. (A valer foi péssimo! Eu
estava andando
muito com o Davi…)
Tocou o sinal e voltamos para a sala. Eu com a certeza de
que tinha
ganhado outro amigo. O nome dele era Erick e seu único
defeito era
estar em um relacionamento sério com a Valentina, cara de
buzina.
Na última aula, o professor de História pediu um trabalho em
grupo
para o fim do trimestre. O tema era democracia. Achei o
máximo! Mas
não contei para ninguém. Nem sequer comemorei. Acredito que
parte da
implicância que as pessoas do antigo colégio tinham comigo
nasceu no
dia em que eu mandei um empolgado “uhuuu!” depois que um
professor avisou que teria um teste surpresa. Sim, eu gosto
de teste
surpresa. Hoje, depois de muita autoanálise, entendi que
fazer uma
coisa dessas é praticamente pedir para ser odiada. Porque a
gente até
pode gostar de teste surpresa, mas, como ensinou minha mãe,
a gente
guarda essa informação para sempre dentro da gente.
Já estavam todos se juntando em grupos e planejando
encontros
quando Leninson, esse era o nome do professor, avisou que
ele
escolheria quem ficaria no grupo de quem. Pegou a lista de
chamada e
começou:
– Valentina Silveira, Pablo Manganelli, Laís Montenegro e
Samantha
Hygino! – anunciou o professor.
Os quatro comemoraram.
– Não dá pra botar o Erick também, profe? Deixa ele fazer
com a
gente, vai! Ou troca a Samantha por ele.
– Valentina, querida, que parte de que sou eu que escolho os
grupos
você não entendeu?
– Uuuuuuh! – fez parte da turma.
Eu já amava profundamente aquele professor. E também a
parcela da
turma que adorou a zoada que ele deu na metidina.
– O trabalho é sobre democracia mas a escolha dos grupos é
no
esquema ditatorial – consertou ele, após ver que tinha sido
um tantinho
grosso com a Valentina cara de latrina.
– Vamos ver com quem o senhor Erick Senna d’Almeida vai
fazer o
trabalho… Com o senhor José Carlos Teixeira, o senhor Davi
Araújo e… a
senhorita Teanira de Oliveira.
Pronto. Eu agora amava aquele professor mais do que amava
minha
própria vida. Mais perfeito que isso? Impossível!
Que impossível que nada! Acha que não podia ficar melhor? Ficou!
Olhei discretamente para trás e vi que o Erick deu um
soquinho
contido, desses no ar, perto do corpo, que traduzem
nitidamente uma
comemoração do tipo “Yessss!” ou “Uhuuuu!” ou “Oba!”.
É isso mesmo, Brasil, polo norte e China! Erick, o lindo, ia
fazer um
trabalho comigo, o que significa dizer que eu respiraria o
mesmo ar que
ele durante algumas horas.
– Você tá comemorando o fato de ter ficado nesse grupo? É
isso
mesmo, Erick? – perguntou Valentina Ridiculina para Erick, o
belo.
Perguntou tão alto que a gente ouviu lá da frente.
– Que menina ridícula. Tende piedade, Senhor! – sussurrou
Zeca.
– Ridiculina! – sussurrei de volta, dividindo com ele o novo
apelidinho rimadinho que eu tinha acabado de dar a ela.
Combinamos de fazer o trabalho depois de algumas semanas na
casa
do Davi. Eu já ia estar de sobrancelha feita! Uobaaaa! Eu ia
estar linda!
Iei! Linda é exagero, fato. Mas me deixa!
Ao fim da aula, fui ao banheiro antes de ir para casa. Era
uma boa
caminhada da escola até a rua Siqueira Campos e eu estava
apertada.
Enquanto xixava tranquilamente, percebi que Valentina e
Laís, as
amigas que não se largavam, entraram. Prendi a respiração e
o xixi para
ouvir a conversa.
Valentina estava triste. Triste e com raiva, era nítido na
sua voz.
– Que foi, amiga? – Laís quis saber.
– Ah, Laís, como assim “que foi”? Tô arrasada, cara. Acho
que o
Erick não gosta mais de mim.
– Ai, claro que ele gosta!
Meu coração disparou.
– Ele te ama! – completou ela, desacelerando na hora o meu
iludido
coraçãozinho.
– Não sei… Não tenho mais certeza – Valentina lamentou.
– Claro que sabe! Todo mundo sabe. Ele é louco por você.
– Mas anda distante desde que voltaram as aulas. A mãe dele
não
gosta de mim. Sei lá se andou fazendo a cabeça dele nesse
período em
que eu estava viajando com meus pais…
Eu já amava a mãe do Erick mais que picolé de limão antes
mesmo de
ter o prazer de conhecê-la.
– Esquece. É paranoia da sua cabeça. Ele pode estar só
chateado com
alguma coisa, com o time que perdeu, com o mar que tava flat
demais
pra pegar onda… Não conhece garoto? Relaxa – Laís tentou
tranquilizar
a amiga.
Ele estava mesmo bem distante da Valentina Cretina hoje mais
cedo,
Laís! Acho que aí tem!, eu quis gritar.
– Pode ser… É que… Ai, ele era tão apaixonado por mim no ano
passado, lembra?
– E continua, amiga. Vem cá. Sei que você não gosta de
abraço, mas eu
quero te dar um e você não vai me impedir.
Que fofa essa Laís! Como ela conseguia ser amiga da
Valentina
Fedentina? E como assim uma pessoa não gosta de abraço? Dá
pra
confiar em alguém que não gosta de abraçar e diz que não
gosta? Afe!
– E ainda tem essa Tetê idiota.
Opa! Idiota, eu?
– O que tem ela? Nem sabia que ela era idiota – Laís
perguntou.
Valeu, Laís!, agradeci mentalmente do trono.
– Ah, não gosto dela. Não vou com a cara.
– De quem você vai com a cara, amiga? – ela foi sincera.
– Eu sei, sou chata com as pessoas quando não gosto da alma
delas –
disse a Cretina.
– Então vamos combinar que você não vai com a cara de um
tantão
assim de almas, né? – Laís fez graça.
– Para, boba! – descontraiu Valentina. – Sei lá, essa garota
é
diferente. Grudou no Erick. Acredita que o palhaço me fez
pedir
desculpas de novo pra baranga pelo lance do refrigerante?
– Não creio!
– Creia!
– Esquece, Vá. Ela é inofensiva – Laís tentou amenizar.
– Não gosto dela.
– Por quê, coitada?
– Porque ela é esquisita. Gorda, cafona, desajeitada. Toda
feia!
– Cara, eu quero morrer sua amiga!
– Ah, garota gorda! Odeio gordo!
– Primeiro, ela não é gorda. É só cheinha. Segundo, não fala
assim
porque é feio, e você é muito linda pra falar uma frase
dessas.
– Não falo pra ninguém, tô falando aqui pra você! Não briga,
vai! Tô
precisando de colo, amiga!
– Eu te dou colo sempre, você sabe.
– Odeio essa garota. Ela é toda estranha. Já reparou na pele
dela?
Brilha mais que o sol. Que nojo!
– Ela é só malcuidada, maltratada.
Malcuidada? Maltratada? O que isso significa, gente? Dá pra
traduzir?, clamei em pensamento.
– Quer continuar minha amiga? Se quer, pode parar de
defender a
mocreia – a vilã falou para a amiga.
– Não estou defendendo, só tô dando minha opinião. Mas tudo
bem,
não tá mais aqui quem falou.
– E aquele cabelo? A garota tá sempre descabelada! Alguém
precisa
apresentar uma escova pra ela usar naquele ninho de rato.
– Tadinha, Valentina! – Laís riu.
É. Riu. Aí Valentina riu também. Rá. Rá. Muito engraçado
mesmo. Eu
tenho preguiça de pentear o cabelo, ok? Preguiça!
– E o cotovelo da garota?
Meu Deus? O que tem meu cotovelo? Até isso? Pobre
cotovelinho!
– O que tem ele, Valentina?
– Desidratado! Megadesidratado! Não suporto gente que não
hidrata
o cotovelo. Tudo bem que o corpo dela é todo desidratado,
mas o
cotovelo… Eca! E a perna cabeluda? A mulher é um show de
horrores!
Nojo de cotovelo ressecado. Nojo de quem não se depila! E as
espinhas
na testa? Vai num dermatologista, corta uma franja, mas faz
alguma
coisa! Eu não sou obrigada a olhar para aquelas crateras! E
os dentes da
garota? Parece boca de cavalo!
Puxa… Logo meus dentes…
– Não reparei em nada disso. Só achei ela meio gordinha.
– Obesa mórbida, você quer dizer – condenou Valentina.
– Não fala assim! Eu também já fui gordinha, contei pra você
–
lamentou Laís.
– Não consigo te imaginar gorda, Laís!
– Mas fui. E sofri por isso, tá?
– Tá bem, desculpaaaa! Mas eu tô a fim de falar mal da
Teanira!
Acho um mico o Erick, todo lindo, ficar falando com a garota
e com
aquele dos óculos. O único que presta ali é o Zeca.
– Pode crer. Ele solta umas muito engraçadas.
Nesse momento de extrema ternura e puro deleite para meus
ouvidos, meu celular fez plim. Era o Zeca perguntando onde
eu estava.
ZECA
Cadê você, maluca? Vamos juntos pra casa.
Não gosto de ir sozinho. Sou muito assediado
e não quero nada com ninguém no momento.
Estou num relacionamento seríssimo comigo
mesmo. kkkkk Roubei a frase de uma amiga.
kkkkk
Só ele para arrancar um sorriso de mim naquele minuto.
TETÊ
Caramba! Não morre nunca mais!
Tem gente falando de você aqui.
Desço em dois minutos! Me espera!
Laís e Valentina-língua-ferina estavam tão preocupadas em
falar da
minha pessoa que nem ouviram o telefone. Não demorou muito e
elas
saíram do banheiro. E me deixaram com perguntas na cabeça: o
que eu
tenho que causa tanto ódio? Tanto asco? E desprezo? Por que
as pessoas
ou me odeiam, ou têm nojo de mim, ou me ignoram? Serei eu
fadada ao
desprezo e à solidão para todo o sempre? Ok, esta última
pergunta foi
bem dramática. Eu sou dramática mesmo. Só um pouco! Mas sou!
Sozinha eu não vou me sentir nunca mais. Agora tenho o Zeca
e o
Davi. Tenho mesmo. Suspirei, aliviada com minha constatação
antes de
deixar o banheiro, louca para voltar para casa na companhia
do meu
grande amigo.
Enquanto andávamos pelo movimentado bairro de Copacabana,
fui
contando ao Zeca tudo o que tinha ouvido no banheiro. Ele
morava na
rua Hilário de Gouvêia (não é hilário uma rua se chamar
Hilário?
Talvez não tenha nada de hilário nisso, mas só percebi
quando externei
meu sentimento em relação ao nome da rua. Eu escrevi
“externei”?
Geeeeente… Estou andando muito com o Davi mesmo. Fecha
parênteses),
paralela à minha, Siqueira Campos. Fomos pela Tonelero e ele
me
apresentou sua padaria preferida e o melhor pão de queijo do
mundo.
Enquanto comíamos, desabafei, frustrada:
– E eu achando que era só a sobrancelha.
– Não é – disse Zeca, supersincero. – Mas eu ia te falar aos
poucos. A
sobrancelha é só o que causa mais… como é que vou dizer?
Impacto. Isso.
Impacto.
– Mas eu não quero depilar a perna. Imagina a dor?
– Raspa, boba!
– Uma vez eu raspei e coçou tanto que nunca mais quis
raspar.
– Coça no começo, mas depois você se acostuma.
Respirei fundo e baixei a cabeça.
– Que foi, Tetê?
– Nada.
– Nada não é. Ser sobrancelhuda tudo bem, mas mentirosa eu
não
aguento. Fala, doida!
Forcei uma risadinha.
– Fala, Tê! Que foi? – Zeca usou um tom mais carinhoso.
– Eu sou tão ruim assim? Deixa… Não precisa responder. Eu
sei que
eu sou.
– Claro que não. Beleza não é só o que tá por fora. Uma
pessoa linda
pode ficar feia em questão de segundos quando abre a boca. E
viceversa.
Eu concordo com a Laís, você é malcuidada. Só isso.
– O que isso significa? Pode me explicar?
– Você não se cuida. Dá pra perceber que você não tem
vaidade. E
isso não é exatamente um defeito. Mas nos dias de hoje, de
felicidade
imensa no Instagram e no Snap, em que todo mundo julga pela
aparência, em que ser magra é uma coisa quase necessária…
– Eu não ligo de ser gordinha. Tudo bem, eu ia me achar
melhor mais
fininha? Talvez. Mas antes de implicar com meu peso tenho
tantas
implicâncias com outras coisas: minhas espinhas, meu cabelo,
minhas
bochechas gigantes, meus dentes, meu joelho, meu tornozelo
inchado…
– Parou, Tetê! Pa-rou! Não vou deixar você ficar enumerando
assim
os seus defeitos. Vamos tomar um sorvete de Nutella? Tudo
passa
depois de um sorvete.
– Pode ser outra coisa? Eu não gosto muito de sorvete.
– O quê? Quem não gosta de sorvete? Nossa, isso sim faz de
você uma
garota esquisita! Cruzes!
Rimos juntos, como amigos e cúmplices que já éramos, mesmo
em tão
pouco tempo de convivência. E seguimos andando por Copa.
***
A semana passou sem maiores contratempos e logo chegou a
esperada sexta-feira, dia de… sobrancelha novaaaa!
Cheguei em casa da escola e Heloísa tocou a campainha uma
hora
depois que eu terminei de almoçar. Tirou minha sobrancelha e
meu
buço com linha, em uma técnica inacreditável, que eu não
sabia que
existia. Doeu muito. Muito mesmo. Lágrimas saíram dos meus
olhos. E
ficou muito vermelho depois! Mas o resultado foi uau!
Incrível. Até
minha avó elogiou:
– Nossa, como ficou bonita a minha menina!
– Mudou sua fisionomia, Tetê! Está linda! – fez coro minha
mãe.
– Mas tá tudo vermelho… – comentei.
– Já, já passa – vovó me acalmou.
– Estou gostando de ver, Tetê. Acho que tem namoradinho aí!
– foi o
biso que disse.
– Para com isso, biso!
Passei a tarde inteira me olhando no espelho de cinco em
cinco
minutos, para ver se o vermelho do meu rosto ia embora. Nos
intervalos
do espelho, aproveitei para fazer os deveres e estudar um
pouco, deixar
tudo em dia, para não acumular.
À noite, depois do jantar, fui para o quarto ler mais um
livro. Um dia
eu iria escrever meu próprio livro. Só precisaria ter
coragem! Como eu
amo ler e escrever!
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