Parte Dois

Parte Dois






Uma mudança na galáxia


August é o Sol. Eu, a mamãe e o papai giramos em volta dele. O restante de nossa família e de
nossos amigos são asteroides e cometas flutuando ao redor dos planetas que orbitam o do Sol.
O único corpo celestial que não gira em volta de August, o Sol, é Daisy, nossa cadela, e isso
porque, para seus olhinhos caninos, o rosto do August não é muito diferente do rosto de
qualquer outro ser humano. Para Daisy, todos os rostos são parecidos, chatos e pálidos como
a Lua.
Estou acostumada ao modo como esse universo funciona. Nunca me importei porque sempre
foi assim. Sempre entendi que August é especial e tem necessidades especiais. Se eu estivesse
brincando e fizesse muito barulho enquanto ele tentava tirar um cochilo, sabia que tinha que
brincar de outra coisa, porque ele precisava descansar depois de algum procedimento que o
deixara fraco e com dor. Se quisesse que meus pais assistissem ao meu jogo de futebol, sabia
que nove em cada dez vezes eles não poderiam ir, porque estariam ocupados levando August
ao fonoaudiólogo, à fisioterapia, a um novo especialista ou a uma cirurgia.
A mamãe e o papai sempre disseram que eu era a menininha mais compreensiva do mundo.
Mas a questão é que eu apenas entendia que reclamar não adiantaria nada. Eu vi August depois
das cirurgias: seu rostinho inchado e enfaixado, seu corpinho cheio de cateteres e tubos para
mantê-lo vivo. Depois que você vê alguém passando por isso, parece loucura reclamar por
não ter ganhado o brinquedo que pediu ou porque sua mãe perdeu a peça da escola. Aprendi
isso aos seis anos. Ninguém nunca me disse. Eu simplesmente soube.
Então me acostumei a não reclamar e a não incomodar meus pais com coisas sem
importância. Aprendi a resolver tudo sozinha: arrumar os brinquedos, organizar a vida para
não perder as festas de aniversário dos meus amigos, ficar sempre em dia com os trabalhos de
casa para não ter problemas na escola. Nunca pedi ajuda com o dever de casa. Nunca precisei
que me lembrassem de terminar um trabalho ou de estudar para um teste. Se eu tivesse
dificuldade com alguma matéria, ia para casa e estudava até entender. Aprendi a converter
frações em decimais na internet. Fiz todos os projetos da escola praticamente sozinha. Quando
o papai e a mamãe perguntavam como tudo estava indo, eu sempre dizia “bem” — mesmo
quando não estava tão bem assim. Meu pior dia, o pior tombo, a pior dor de cabeça, o pior
machucado, a pior câimbra, o pior xingamento não são nada comparados ao que August já
passou. A propósito, não estou tentando ser nobre: simplesmente sei que é assim.
E é assim que as coisas sempre foram para mim, nesse nosso pequeno universo. Mas este
ano parece que houve uma mudança no cosmos. A galáxia está mudando. Os planetas estão
saindo de alinhamento.


Antes do August


Sinceramente não me lembro da minha vida antes de August. Vejo nas fotos de quando eu era
bebê o papai e a mamãe sorrindo muito felizes me segurando. Não dá para acreditar em como
pareciam jovens: o papai era meio hipster e a mamãe era uma linda fashionista brasileira. Há
uma foto minha no meu terceiro aniversário: ele está bem atrás de mim e ela segura um bolo
com três velas acesas e, atrás de nós, estão meus quatro avós, o tio Ben, a tia Kate e o tio Po.
Todos me olhando e eu olhando para o bolo. Na foto dá para ver que eu era mesmo a primeira
filha, primeira neta, primeira sobrinha. É óbvio que não me lembro de como era isso, mas
posso ver pelas fotografias.
Não me lembro do dia em que trouxeram o August do hospital para casa, nem do que eu
disse, fiz ou senti quando o vi pela primeira vez, embora todos tenham uma história sobre isso.
Aparentemente, eu apenas olhei para ele por muito tempo e, por fim, disse: “Ele não se parece
com a Lilly!”
Esse era o nome da boneca que minha avó me deu quando a mamãe estava grávida, para que
eu pudesse “treinar” ser a irmã mais velha. Era uma daquelas bonecas super-realistas, e eu a
carreguei para todos os lados durante meses, trocando fraldas e a alimentando. Dizem que até
fiz um sling para ela. A história conta que, depois da minha reação inicial a August, levei
apenas alguns minutos (de acordo com vovó) ou alguns dias (segundo mamãe) para me render
a ele: eu o beijava, acariciava e falava com ele como as pessoas falam com os bebês. Depois
disso nunca voltei a brincar com a Lilly nem a falar dela.


Vendo August


Nunca vi o August como as outras pessoas o viam. Eu sabia que seu rosto não era exatamente
normal, mas não entendia por que as pessoas que não nos conheciam pareciam tão chocadas
ao vê-lo. Horrorizadas. Enojadas. Assustadas. Há muitas palavras para descrever o olhar
delas. E por muito tempo não entendi. Ficava louca: louca quando ficavam olhando, louca
quando desviavam o olhar.
“Estão olhando o quê, droga?”, eu dizia às pessoas, mesmo aos adultos.
Então, quando eu tinha uns onze anos, fui passar quatro semanas em Montauk com a vovó
enquanto o August fazia uma grande cirurgia no maxilar. Esse foi o maior período que já fiquei
longe de casa, e tenho que dizer que foi maravilhoso, de repente me ver livre de todas as
coisas que me deixavam tão irritada. Ninguém olhava para a vovó e para mim quando íamos
fazer compras na cidade. Ninguém apontava para nós. Ninguém nem sequer nos notava.
A vovó era daquele tipo que faz tudo pelos netos. Ela mergulharia no mar se eu pedisse,
mesmo se estivesse usando roupas caras. Ela me deixava brincar com sua maquiagem e não se
importava se eu a usasse no rosto dela para treinar minhas habilidades de maquiadora. Ela me
levava para tomar sorvete, mesmo se ainda não tivéssemos jantado. E desenhava cavalos com
giz na calçada em frente à sua casa. Certa noite, enquanto voltávamos da cidade, falei que
gostaria de poder morar com ela para sempre. Eu estava tão feliz lá! Acho que devem ter sido
os melhores dias da minha vida.
Voltar para casa depois de quatro semanas foi muito estranho no começo. Lembro-me muito
vividamente de cruzar a porta e ver August vir correndo para me dar as boas-vindas, e de por
uma fração de segundo enxergá-lo não do jeito como sempre tinha enxergado, mas como as
outras pessoas o viam. Foi apenas um flash, um instante enquanto ele me abraçava,
completamente feliz por eu estar em casa, mas fiquei surpresa porque eu nunca o tinha
encarado daquele jeito. E nunca sentira aquilo: algo que na mesma hora fez com que eu me
odiasse. Enquanto ele me beijava com todo carinho, tudo o que eu conseguia notar era a baba
escorrendo por seu queixo. E, de repente, ali estava eu, como todas aquelas pessoas que
ficavam olhando fixamente para ele ou desviavam o olhar.
Horrorizada. Enojada. Assustada.
Ainda bem que só durou um segundo: no momento em que ouvi a risadinha estridente de
August, tudo acabou. Tudo voltou a ser como antes. Mas aquilo tinha aberto uma porta. Um
pequeno olho mágico. E do outro lado havia dois Augusts: o que eu enxergava cegamente e o
que as outras pessoas viam.
Acho que a única pessoa do mundo a quem eu poderia ter contado isso era a vovó, mas não
contei. Era muito complicado para explicar ao telefone. Pensei que talvez, quando ela viesse
para o Dia de Ação de Graças, eu pudesse lhe dizer como tinha me sentido. Mas apenas dois
meses depois de eu ter ficado com ela em Montauk, minha linda avó morreu. Foi de repente.
Parece que ela foi ao hospital porque estava sentindo enjoos. Mamãe e eu fomos vê-la, mas a
viagem dura três horas e, quando chegamos lá, vovó já tinha partido. Um ataque cardíaco,
disseram. Simples assim.
É muito estranho como um dia você pode estar neste mundo e, no dia seguinte, não estar
mais. Para onde ela foi? Será que vou mesmo vê-la de novo ou isso é só historinha?
Todos veem nos filmes e nos programas de TV que as pessoas recebem notícias terríveis em
hospitais, mas, para nós, com todas as nossas idas ao hospital com o August, os resultados
sempre foram bons. O que mais me lembro do dia em que vovó morreu é de ver minha mãe
literalmente se encolhendo no chão, em câmera lenta, soluçando com os braços em volta da
barriga, como se alguém tivesse lhe dado um soco. Nunca, nunca mesmo, eu a tinha visto
daquele jeito. Mesmo em todas as cirurgias do August, mamãe sempre foi a coragem em
pessoa.
No meu último dia em Montauk, vovó e eu assistimos ao sol se pondo na praia. Tínhamos
levado um cobertor para nos sentarmos, mas fez frio, então nos enrolamos nele, aconchegadas
uma à outra, e ficamos conversando até que não houvesse mais nenhuma pontinha de sol acima
do mar. Então vovó disse que tinha um segredo para me contar: ela me amava mais que a
qualquer outra pessoa no mundo.
— Até o August? — perguntei.
Ela sorriu e acariciou meu cabelo, como se estivesse pensando no que dizer.
— Amo muito, muito o August — disse ela, baixinho. Ainda me lembro de seu sotaque, ela
era brasileira e carregava nos erres. — Mas já tem muitos anjos cuidando dele, Via. E quero
que você saiba que eu estou olhando por você. Certo, menina querida? Quero que saiba que
você é o que mais me importa. Você é meu... — Ela olhou para o mar e abriu os braços, como
se tentasse aplainar as ondas. — Você é tudo para mim. Entendeu, Via? Você é meu tudo.
Eu entendi. E compreendi também por que ela disse que aquilo era segredo. Avós não
deveriam ter favoritos. Todos sabem disso. Mas, depois que ela morreu, agarrei-me a esse
segredo e deixei que ele me cobrisse como um cobertor.


August pelo olho mágico


Os olhos dele ficam cerca de dois centímetros abaixo de onde deveriam, quase no meio das
bochechas. São caídos, formando um ângulo acentuado, quase como se alguém tivesse aberto
duas fendas diagonais em seu rosto, e o esquerdo é claramente mais baixo que o direito. E são
esbugalhados, porque as cavidades oculares são pequenas demais para comportá-los. As
pálpebras superiores ficam sempre meio fechadas, como se ele estivesse adormecendo. As
inferiores são tão caídas que até parece que um fio invisível as puxa para baixo: dá para ver a
parte interna, vermelha, como se a pele estivesse do avesso. Ele não tem sobrancelhas nem
cílios. O nariz é desproporcionalmente grande para o rosto, e meio largo. A cabeça dele é
afundada nas laterais, no lugar onde deveriam estar as orelhas, como se alguém a tivesse
apertado bem no meio com um alicate gigante. Ele não tem maçãs do rosto. Dois vincos
profundos descem dos cantos do nariz até a boca, o que dá a ele a aparência de um boneco de
cera. Às vezes as pessoas acham que ele se queimou em um incêndio: seus traços dão a
impressão de que ele derreteu, como os pingos em volta de uma vela. Diversas cirurgias para
corrigir o palato deixaram algumas cicatrizes em volta da boca e a mais chamativa é um corte
irregular que vai do meio do lábio superior até o nariz. Os dentes de cima são pequenos e para
fora. Ele é bem dentuço e a mandíbula é extremamente pequena, assim como o queixo. Quando
era menor, antes da cirurgia que implantou um pedaço de seu quadril no maxilar, ele não tinha
queixo nenhum. A língua ficava pendurada fora da boca, sem nada embaixo para segurá-la.
Felizmente, está melhor agora. Pelo menos ele pode comer: quando era mais novo, se
alimentava por uma sonda. E ele consegue falar. Aprendeu a manter a língua dentro da boca,
embora tenha levado muitos anos para controlar isso. Ele também aprendeu a controlar a baba
que escorria pelo pescoço. Essas coisas são consideradas milagres. Quando ele era bebê, os
médicos não achavam nem que ele fosse sobreviver.
Ele também consegue ouvir. Na maioria das vezes, as crianças que nascem com essas
deformidades têm problemas no ouvido médio, o que causa deficiência auditiva. Mas, até
agora, August escuta bastante bem com suas orelhas em formato de couve-flor. No entanto, os
médicos acham que ele vai acabar precisando de aparelhos auditivos. August odeia pensar
nisso. Ele acha que todo mundo vai notar os aparelhos. É claro que eu não disse que esse seria
o menor de seus problemas, porque tenho certeza de que ele sabe disso.
Mas, novamente, não estou tão certa sobre o que o August sabe ou não sabe, o que ele
entende ou não.
Será que ele percebe como as outras pessoas o enxergam? Ou ficou tão bom em fingir não
notar que isso não o incomoda mais? Ou será que incomoda? Quando ele se olha no espelho,
vê o August que mamãe e papai enxergam ou o que todos os outros veem? Ou será que há
outro August que só ele vê, alguém em seus sonhos, além da cabeça e do rosto deformados?
Às vezes, quando eu olhava para a vovó, podia ver, por baixo de suas rugas, a garota bonita
que ela havia sido. Podia ver a garota de Ipanema naquele caminhar de velhinha. Será que o
August vê como ele teria sido sem aquele único gene que causou a catástrofe em seu rosto?
Gostaria de poder lhe perguntar essas coisas. Gostaria que ele me dissesse como se sente.
Era mais fácil ler suas expressões antes das cirurgias. Sabíamos que, quando os olhos dele se
estreitavam, ele estava feliz. Quando sua boca ficava reta, ele estava aprontando alguma.
Quando suas bochechas tremiam, ele estava prestes a chorar. A aparência dele está melhor
agora, isso é indiscutível, mas os sinais que usávamos para avaliar seu humor foram todos
embora. Há sinais novos, é claro. A mamãe e o papai conseguem entender cada um deles. Mas
estou tendo dificuldade, e parte de mim não quer continuar tentando: por que ele não pode
simplesmente dizer o que está sentindo como todo mundo? Ele não tem mais um tubo de
traqueostomia que o impede de falar. Suas mandíbulas não estão mais presas com arame. Ele
tem dez anos, sabe usar as palavras. Mas nós ficamos em volta dele como se ainda fosse um
bebê. Mudamos de ideia, passamos para o plano B, interrompemos as conversas, prometemos
e voltamos atrás, tudo de acordo com o humor dele, seus caprichos e suas necessidades. Tudo
bem agirmos assim quando ele era pequeno, mas agora ele precisa crescer. Precisamos
permitir, ajudar e fazer com que ele cresça. É isto o que eu penso: passamos tanto tempo
tentando fazer o August acreditar que ele era normal, agora ele realmente acha isso. O
problema é que ele não é normal.


Jack Will


Eu sentava com o Jack nas aulas de orientação, inglês, história, informática, música e ciências
— todas as matérias que fazíamos juntos. Os professores marcaram os lugares nas aulas e
acabei sempre me sentando ao lado do Jack, então acho que ou os professores tinham sido
orientados a fazer isso ou era uma coincidência incrível.
Eu também ia de uma aula para outra com o Jack. Sei que ele notava as crianças me
olhando, mas fingia que não. Uma vez, porém, a caminho da aula de história, um aluno muito
grande do oitavo ano estava voando pelas escadas, descendo dois degraus de cada vez, e
acabou esbarrando em nós no pé da escada e me derrubando. Enquanto me ajudava a me
levantar, ele deu uma olhada no meu rosto e, sem querer, soltou um: “Caramba!”
Depois deu uns tapinhas no meu ombro, como se estivesse me limpando, e foi atrás dos
amigos. Por algum motivo, Jack e eu caímos na gargalhada.
— O garoto fez uma cara tão engraçada! — disse o Jack enquanto a gente se sentava.
— Fez mesmo — concordei. — Ele ficou, tipo, caramba!.
— Acho que ele até mijou nas calças!
Estávamos rindo tão alto que o professor, o Sr. Roche, teve que pedir que ficássemos
quietos.
Mais tarde, depois que terminamos de ler sobre como os antigos sumérios construíam
relógios de sol, o Jack sussurrou:
— Você às vezes não tem vontade de bater nesse pessoal?
— Acho que sim. Não sei — respondi, dando de ombros.
— Eu tenho. Acho que você podia ter um revólver de água ou algo assim e prendê-lo nos
seus olhos de alguma forma. Então, toda vez que alguém ficasse olhando demais, você soltaria
um esguicho na cara dele.
— Um jato de gosma verde ou sei lá — falei.
— Não, não: gosma de lesma misturada com xixi de cachorro — sugeriu o Jack.
— Isso!
Eu estava totalmente de acordo.
— Rapazes — disse o Sr. Roche do outro lado da sala. — Os outros ainda estão lendo.
Assentimos e voltamos a olhar para os nossos livros. Então o Jack murmurou:
— Você vai ser sempre assim, August? Quer dizer, você pode fazer plástica ou coisa do
tipo?
Sorri e apontei para o meu rosto.
— Oi? Isso é depois da plástica!
Jack bateu na própria testa e começou a rir histericamente.
— Cara, você devia processar seu médico — falou, em meio à gargalhada.
Dessa vez ríamos tanto que não conseguimos parar nem depois que o Sr. Roche se
aproximou e nos fez trocar de lugar com quem estava do lado.



Ensino médio


O que sempre gostei mais na escola no ensino fundamental é que aquele era um mundo à parte,
diferente de casa. Eu podia ir para lá e ser Olivia Pullman — não Via, que é como minha
família me chama. Via era como me chamavam na pré-escola também. Naquela época, todo
mundo sabia de tudo sobre nós, é claro. Minha mãe sempre me buscava levando August no
carrinho. Não havia muitas pessoas preparadas para cuidar dele, por isso papai e mamãe o
levavam a todas as peças, apresentações e recitais da minha escola, todos os eventos, fossem
para levantar fundos ou uma feira de livros. Meus amigos o conheciam. Os pais dos meus
amigos o conheciam. Meus professores o conheciam. Até o zelador o conhecia. “Ei, como
você está, Auggie?”, perguntava ele, e sempre trocava um high-five com August. Meu irmão
era uma espécie de ornamento fixo da escola.
Mas, no ensino fundamental, muita gente não sabia de nada. Meus antigos amigos, sim, mas
os novos, não. Ou, se sabiam, não era necessariamente a primeira coisa que descobriam a meu
respeito. Talvez fosse a segunda ou a terceira.
“A Olivia? Sim, ela é legal. Você sabe que ela tem um irmão deformado?”
Sempre odiei essa palavra, mas sabia que era como as pessoas descreviam o Auggie. E
sabia que provavelmente esse tipo de conversa acontecia sempre que eu não estava ouvindo,
sempre que eu me afastava em uma festa ou esbarrava com grupos de amigos na pizzaria. Tudo
bem. Sempre serei a irmã de uma criança com um defeito de nascença; a questão não é essa.
Só que não quero ser definida por isso sempre.
A melhor coisa do ensino médio é que quase ninguém me conhece. Com exceção da Miranda
e da Ella, é claro. E elas sabem que não devem sair por aí falando sobre o assunto.
Miranda, Ella e eu nos conhecemos desde o primeiro ano. O mais legal é que nunca temos
que explicar nada umas para as outras. Quando decidi que queria que elas me chamassem de
Olivia, em vez de Via, elas aceitaram sem me pedir explicações.
Elas conhecem o August desde que ele era um bebezinho. Quando éramos pequenas, nossa
brincadeira favorita era vesti-lo; nós o cobríamos de boás de penas, grandes chapéus e
perucas da Hannah Montana. Ele adorava isso, é claro, e nós o achávamos lindo a seu modo.
Ella disse que ele a fazia se lembrar de E.T. É óbvio que sua intenção não era ser cruel
(embora tenha sido um pouquinho). A verdade é que há uma cena no filme em que Drew
Barrymore põe uma peruca loura no E.T., e esse foi o estopim para nossa brincadeira de
Miley Cyrus.
No ensino fundamental, Miranda, Ella e eu éramos um grupinho fechado. Ficávamos entre
superpopulares e simpáticas: não éramos nerds, atletas, ricas, drogadas, malvadas, boazinhas,
altonas nem baixinhas. Não sei se nós três nos encontramos porque éramos muito parecidas em
vários aspectos ou se nos tornamos parecidas por termos nos encontrado. Ficamos muito
felizes quando todas entramos para a Faulkner High School. Foi muita sorte termos sido
aceitas, sobretudo porque quase ninguém da nossa escola foi. Lembro como gritávamos ao
telefone no dia em que recebemos as cartas de matrícula.
É por isso que não entendo o que vem acontecendo com a gente nos últimos tempos, agora
que realmente estamos no ensino médio. Nada é como eu achei que seria.


Major Tom


De todas nós, quase sempre Miranda era a mais doce com o August, abraçava-o e brincava
com ele mesmo muito depois de Ella e eu termos começado a brincar de outra coisa. Até
quando ficamos mais velhas, Miranda sempre fez questão de tentar incluí-lo nas conversas,
perguntar como ele estava, conversar sobre Avatar, Star Wars, Bone ou qualquer outra coisa
que ela soubesse que ele gostava. Foi Miranda quem deu ao August o capacete de astronauta
que ele usava praticamente todos os dias quando tinha cinco ou seis anos. Ela o chamava de
Major Tom e os dois cantavam juntos “Space Oddity”, do David Bowie. Era uma coisa deles.
Sabiam a letra toda, botavam a música para tocar no iPod e cantavam bem alto.
Como Miranda sempre ligava para a gente assim que chegava do acampamento de verão,
fiquei um pouco surpresa quando não tive notícias dela. Até mandei uma mensagem, mas ela
não respondeu. Imaginei que tivesse ficado no acampamento por mais tempo, agora que era
monitora. Talvez tivesse conhecido um garoto legal.
Então notei, pelo perfil no Facebook, que ela já havia voltado para casa fazia duas semanas,
por isso mandei uma mensagem pelo chat e conversamos um pouco on-line, mas ela não falou
por que não tinha ligado, o que achei bizarro. Miranda sempre foi um pouco esquisita, então
imaginei que fosse só isso. Marcamos de nos encontrar no centro, mas tive que cancelar
porque íamos viajar no fim de semana para visitar meus avós.
Assim acabei não vendo nem Miranda nem Ella até o primeiro dia de aula. E, tenho que
admitir, fiquei chocada. Miranda estava muito diferente: com o cabelo curto, estilo joãozinho,
pintado — é inacreditável — de um cor-de-rosa forte, e com um top tomara que caia listrado
que (a) parecia muito inadequado para o colégio, e (b) não era nem um pouco o estilo dela.
Miranda sempre foi supercareta para roupas, e lá estava ela de cabelo cor-de-rosa e tomara
que caia. E ela não só parecia diferente: também estava agindo de um modo estranho. Não
posso dizer que não foi simpática, porque foi, mas pareceu meio distante, como se eu fosse
uma amiga qualquer. Foi a coisa mais estranha do mundo.
No almoço, nós três sentamos juntas como de costume, mas a dinâmica havia mudado.
Estava claro que Ella e Miranda tinham saído sem mim algumas vezes durante o verão,
embora nunca tenham de fato dito isso. Eu fingia não estar nem um pouco chateada enquanto
conversávamos, embora pudesse sentir meu rosto ficando quente, meu sorriso se tornando
falso. Apesar de Ella não ter exagerado como Miranda, também notei uma mudança em seu
estilo. É como se elas tivessem combinado de reconstruir sua imagem na nova escola, mas
sem se importar de me incluir. Confesso que sempre me achei acima das mesquinharias da
adolescência, mas senti um nó na garganta durante o almoço.
“Vejo vocês mais tarde”, falei, com a voz trêmula, quando o sinal tocou.


Depois da escola


— Parece que vamos lhe dar uma carona até em casa hoje.
Foi Miranda quem disse isso, no oitavo tempo. Tinha acabado de se sentar na carteira atrás
de mim. Eu havia me esquecido de que minha mãe ligara para a de Miranda na noite anterior
perguntando se ela poderia me levar depois da aula.
— Não precisa — respondi instintivamente, como se não fosse nada de mais. — Minha mãe
pode me buscar.
— Achei que ela tivesse que buscar o Auggie, ou algo assim.
— Mas ela pode vir me buscar depois. Ela acabou de me mandar uma mensagem. Sem
problemas.
— Ah. O.k.
— Obrigada.
Era tudo mentira, mas eu não conseguia me imaginar sentada em um carro com a nova
Miranda. Depois da aula me enfiei em um dos banheiros para não esbarrar com a mãe dela do
lado de fora. Meia hora depois saí da escola, corri os três quarteirões até o ponto de ônibus,
subi no M86 para a Central Park West e peguei o metrô para casa.
— Oi, querida! — disse a mamãe no momento em que passei pela porta da frente. — Como
foi seu primeiro dia? Eu estava começando a me perguntar onde vocês tinham se enfiado.
— Paramos para comer uma pizza.
É incrível como uma mentira pode escapar facilmente de nossos lábios.
— A Miranda não está com você?
Ela pareceu admirada por não ver minha amiga bem atrás de mim.
— Foi direto para casa. Temos muito dever.
— No primeiro dia?
— É, no primeiro dia! — gritei, o que deixou mamãe chocada. Mas antes que ela pudesse
dizer qualquer coisa, continuei: — Foi tudo bem na escola. É realmente grande lá. Os alunos
parecem legais. — Eu queria dar a ela informações suficientes para que não precisasse me
perguntar mais nada. — Como foi o primeiro dia do Auggie?
Mamãe hesitou, com as sobrancelhas ainda arqueadas por eu ter gritado com ela um segundo
antes.
— Legal — falou devagar, como se soltasse a respiração.
— O que você quer dizer com legal? — perguntei. — Foi bom ou ruim?
— Ele disse que foi bom.
— Então por que você acha que não foi?
— Eu não falei que não foi bom! Meu Deus, Via, o que há com você?
— Ah, esquece, deixa para lá — respondi, e entrei dramaticamente no quarto do August,
batendo a porta depois.
Ele estava jogando PlayStation e nem ergueu os olhos. Eu odiava o modo como os
videogames o deixavam parecendo um zumbi.
— E aí? Como foi na escola? — perguntei, chegando a Daisy para o lado a fim de conseguir
me sentar perto dele na cama.
— Legal — respondeu ele, ainda sem tirar os olhos do jogo.
— Auggie, estou falando com você!
Arranquei o PlayStation de suas mãos.
— Ei! — gritou ele, zangado.
— Como foi na escola?
— Já disse que foi legal! — ele berrou, pegando o jogo de volta.
— As pessoas foram gentis com você?
— Foram!
— Ninguém foi mau?
Ele deixou o PlayStation de lado e olhou para mim como se eu tivesse acabado de fazer a
pergunta mais idiota do mundo.
— Por que as pessoas seriam más? — indagou.
Era a primeira vez que eu o ouvia ser sarcástico desse jeito. Não achei que ele pudesse
fazer isso.


O Padawan fica para trás


Não tenho certeza de em qual momento daquela noite o Auggie cortou a trança de Padawan,
nem sei por que isso me deixou tão chateada. Sempre achei a obsessão dele com tudo
relacionado a Star Wars uma coisa meio nerd, e aquela trança com as contas era simplesmente
horrível. Mas ele sempre tivera tanto orgulho daquilo, de como havia demorado para crescer,
de como ele mesmo tinha escolhido as contas em um armarinho do Soho. Ele e Christopher,
seu melhor amigo, brincavam com sabres de luz e outras coisas de Star Wars sempre que se
encontravam, e os dois começaram a deixar a trança crescer ao mesmo tempo. Quando August
cortou a dele naquela noite, sem nenhuma explicação, sem nem me contar antes (o que foi
surpreendente) — e sem sequer ligar para o Christopher —, fiquei tão chateada que nem
consigo explicar por quê.
Já vi o Auggie pentear o cabelo em frente ao espelho do banheiro. Ele tenta deixar cada fio
meticulosamente no lugar. Inclina a cabeça para ver ângulos diferentes, como se no espelho
houvesse alguma perspectiva mágica capaz de mudar seu rosto.
Mamãe bateu à porta do meu quarto depois do jantar. Parecia exausta, e percebi que, por
causa do Auggie e de mim, o dia também tinha sido duro para ela.
— Então, quer me contar o que está acontecendo? — perguntou ela baixinho e em tom gentil.
— Agora não, está bem? — respondi.
Eu estava lendo. Estava cansada. Talvez mais tarde quisesse conversar com ela sobre a
Miranda, mas naquele momento, não.
— Volto antes de você ir dormir — disse ela, aproximando-se e beijando o topo da minha
cabeça.
— A Daisy pode dormir comigo esta noite?
— Claro. Vou trazê-la mais tarde.
— Não se esqueça de voltar — falei enquanto ela saía.
— Prometo.
Mas ela não voltou naquela noite. Em vez dela, quem apareceu foi o papai. Ele me disse que
o primeiro dia do meu irmão na escola tinha sido ruim e que a mamãe o estava ajudando com
isso. Perguntou como tinha sido o meu dia e respondi que foi bom. Ele falou que não
acreditava nem um pouco nisso e contei que a Miranda e a Ella estavam sendo idiotas. (No
entanto, não falei que peguei o metrô para casa sozinha.) Ele disse que nada põe amizades tão
à prova quanto o ensino médio e depois começou a zombar de mim por estar lendo Guerra e
paz. Não de verdade, é claro, porque eu já o ouvira se gabar para as pessoas de que tem “uma
filha de quinze anos que lê Tolstói”. Mas ele gostava de me provocar perguntando em que
ponto do livro eu estava, na parte da guerra ou da paz, e se havia algo ali sobre os dias de
Napoleão como dançarino de hip hop. Era uma coisa boba, mas papai sempre conseguia fazer
todo mundo rir. E às vezes isso é tudo de que você precisa para se sentir melhor.
— Não fique zangada com a mamãe — disse ele, ao se inclinar para me dar um beijo de
boa-noite. — Você sabe como ela se preocupa com o Auggie.
— Eu sei — respondi.
— Quer que eu deixe a luz acesa ou que apague? Está ficando tarde — falou, parando à
porta, ao lado do interruptor.
— Você pode trazer a Daisy antes?
Dois segundos depois ele voltou com a Daisy balançando em seus braços e a pôs deitada na
cama, do meu lado.
— Boa noite, querida — falou e beijou minha testa. Também deu um beijo na testa da Daisy.
— Boa noite, mocinha. Bons sonhos.


Uma aparição à porta


Certa vez, acordei com sede no meio da noite e vi a mamãe de pé do lado de fora do quarto do
Auggie. Ela estava com a mão na maçaneta e a testa apoiada na porta entreaberta. Não estava
entrando nem saindo do quarto: estava apenas parada do lado de fora, como se ouvisse o som
da respiração dele enquanto dormia. As luzes do corredor estavam apagadas. A única coisa
que a iluminava era a luz noturna azulada do quarto de August. Ela parecia meio
fantasmagórica de pé ali. Ou talvez eu devesse dizer angelical. Tentei voltar para o quarto sem
ser percebida, mas ela me ouviu e se aproximou.
— O Auggie está bem? — perguntei.
Eu sabia que às vezes ele acordava engasgado com a própria saliva caso se virasse de
barriga para cima sem querer.
— Está, sim — respondeu a mamãe e me abraçou.
Ela me levou de volta ao meu quarto, me cobriu e me deu um beijo de boa-noite. Jamais
explicou o que estava fazendo à porta do quarto dele, e eu nunca perguntei.
Fico imaginando quantas noites ela passou ali. E se alguma vez ficou parada à minha porta
daquele jeito.


Café da manhã

— Você pode me buscar na escola hoje? — perguntei na manhã seguinte, passando um pouco
de cream cheese no bagel.
A mamãe preparava o almoço do August (queijo flamenco no pão integral, macio o bastante
para ele comer), ele estava sentado à mesa comendo flocos de aveia. Papai se arrumava para
ir trabalhar. Agora que eu estava no ensino médio, a nova rotina seria eu e papai pegarmos o
metrô juntos de manhã, o que o obrigava a sair de casa quinze minutos mais cedo que o
normal, depois eu saltar na minha estação e ele seguir em frente. E a mamãe me buscaria de
carro após a aula.
— Eu ia ligar para a mãe da Miranda para ver se ela poderia trazer você de novo —
respondeu ela.
— Não, mãe! — falei depressa. — Você me busca. Ou vou pegar o metrô.
— Você sabe que ainda não quero que pegue o metrô sozinha — disse a mamãe.
— Mãe, eu tenho quinze anos! Todo mundo da minha idade pega o metrô sozinho!
— Ela pode vir de metrô — disse o papai, e depois entrou na cozinha colocando a gravata.
— Por que a mãe da Miranda não pode trazê-la de novo? — questionou a mamãe.
— Ela já tem idade para pegar o metrô sozinha — insistiu ele. A mamãe olhou para nós
dois.
— Está acontecendo alguma coisa?
A pergunta não foi dirigida a nenhum de nós em particular.
— Você saberia se tivesse voltado para falar comigo — falei, de forma maldosa. — Como
disse que faria.
— Meu Deus, Via — falou a mamãe, lembrando-se de como tinha me abandonado
completamente na noite anterior. Ela largou a faca que estava usando para cortar as uvas de
Auggie ao meio (elas ainda eram um risco para ele, que poderia se engasgar por causa do
palato pequeno). — Sinto tanto... Adormeci no quarto do Auggie. Quando acordei...
— Eu sei, eu sei — falei, assentindo de um jeito indiferente.
Mamãe chegou perto de mim, pôs as mãos nas minhas bochechas e levantou meu rosto para
que eu a olhasse.
— Sinto muito, muito mesmo — sussurrou.
Dava para ver que ela estava se sentindo mal de verdade.
— Tudo bem! — falei.
— Via...
— Mãe, tudo bem.
Dessa vez eu estava sendo sincera. Ela parecia tão arrependida que eu queria livrá-la
daquela agonia.
Mamãe me beijou e me abraçou e depois voltou às uvas.
— Então, algum problema com a Miranda? — perguntou.
— Ela só está agindo como uma completa idiota.
— A Miranda não é idiota! — interveio Auggie depressa.
— Ela pode ser, sim — gritei. — Pode acreditar.
— Tudo bem então. Vou buscar você na escola, sem problema — disse a mamãe em tom
decisivo, deslizando as uvas cortadas para um saco plástico com a lateral da faca. — Essa era
a ideia desde o início mesmo. Vou de carro buscar o Auggie e depois pego você.
Provavelmente chegaremos lá por volta de 15h45.
— Não! — falei com firmeza, antes mesmo que ela tivesse terminado.
— Isabel, ela pode pegar o metrô! — disse o papai, impaciente. — Ela já é uma moça. Está
lendo Guerra e paz, pelo amor de Deus!
— O que Guerra e paz tem a ver com isso? — rebateu a mamãe, chateada.
— Significa que você não precisa mais ir buscá-la de carro como se ela fosse um bebê —
respondeu ele, severo. — Via, você está pronta? Pegue sua mochila e vamos.
— Estou pronta — falei, agarrando a mochila. — Tchau, mãe! Tchau, Auggie!
Dei dois beijos rápidos neles e fui para a porta.
— Você ao menos tem um cartão do metrô? — perguntou a mamãe.
— É claro que tem — respondeu o papai, exasperado. — Siiim, mamãe! Pare de se
preocupar tanto! Tchau — falou, dando um beijo no rosto dela. — Tchau, garotão. — Deu um
beijo no alto da cabeça do August. — Estou orgulhoso de você. Tenha um bom dia.
— Você também, papai. Tchau!
Meu pai e eu demos uma corridinha pelos degraus da varanda e começamos a descer o
quarteirão.
— Ligue para mim depois da aula, antes de pegar o metrô! — gritou a mamãe pela janela.
Não me virei, mas acenei para que ela soubesse que eu tinha ouvido. O papai, sim, se virou,
dando alguns passos de costas.
— Guerra e paz, Isabel! — gritou, sorrindo e apontando para mim. — Guerra e paz!


Genética básica

Ambos os lados da família do papai eram de judeus vindos da Rússia e da Polônia. Os avós
do meu avô paterno fugiram dos pogroms e acabaram chegando à cidade de Nova York na
virada do século. Os pais da vovó fugiram dos nazistas e foram parar na Argentina nos anos
1940. O vovô e a vovó se conheceram em um baile no Lower East Side quando ela estava na
cidade visitando um primo. Eles se casaram, se mudaram para Bayside, e tiveram o papai e o
tio Ben.
A família da mamãe é do Brasil. Exceto a mãe dela, minha linda vovó, e o pai, Agosto, que
morreu antes de eu nascer, o restante da família — todos os tios, tias e primos muito
glamorosos — ainda mora no Alto Leblon, um bairro chique da zona sul do Rio. A vovó e
Agosto se mudaram para Boston no início dos anos de 1960 e tiveram a mamãe e a tia Kate,
que é casada com o tio Porter.
Minha mãe e meu pai se conheceram na Universidade Brown e estão juntos desde então.
Isabel e Nate: como “unha e carne”. Eles se mudaram para Nova York logo depois da
faculdade. Poucos anos mais tarde eu nasci, e então, quando eu tinha cerca de um ano, eles
foram morar em uma casa de tijolos com terraço em North River Heights, um bairro cheio de
hippies e seus bebês da alta sociedade nova-iorquina.
Ninguém em toda a exótica mistura de genes da minha família jamais mostrou nenhum sinal
óbvio de ter o que August tem. Já vi fotos granuladas em sépia de mulheres da família, mortas
há muito tempo, usando babushkas, aqueles lenços típicos da Rússia, na cabeça; fotos em
preto e branco de primos distantes em ternos de linho branco engomados, soldados
uniformizados e moças com penteados retrô; polaroides de adolescentes com calça boca de
sino e hippies de cabelo comprido, e nenhuma vez fui capaz de detectar em seus rostos nem
sequer o mais leve traço do rosto do August. Nenhuma. Mas, depois que o August nasceu,
meus pais recorreram à genética. Ouviram que August tinha o que parecia um tipo de
“disostose bucomaxilofacial previamente desconhecida causada pela mutação de um
autossomo recessivo no gene TCOF1, localizado no cromossomo 5, complicada por uma
microssomia hemifacial característica do espectro óculo-aurículo-vertebral”. Às vezes essas
mutações acontecem durante a gestação. Às vezes são herdadas de um dos pais, que carrega o
gene dominante. Às vezes acontecem por causa da interação de muitos genes, possivelmente
combinada a fatores ambientais. Isso é chamado de herança multifatorial. No caso de August,
os médicos conseguiram identificar uma das “mutações por supressão de nucleotídeo único”
que destruiu seu rosto. O mais estranho é que, apesar de ser impossível ver isso olhando para
eles, tanto meu pai quanto minha mãe carregam o gene mutante.
E eu também.


O quadrado de Punnett


Se eu tiver filhos, há cinquenta por cento de chance de eu passar o gene defeituoso para eles.
Isso não significa que serão como o August, mas eles carregarão o mesmo gene que meu irmão
tem em dose dupla e que o faz ser como é. Se eu me casar com alguém que tenha o mesmo
gene defeituoso, há cinquenta por cento de chance de nossos filhos terem o gene e serem
perfeitamente normais; vinte e cinco por cento de chance de não terem o gene, e vinte e cinco
por cento de chance de serem como o August.
Se o August tiver filhos com alguém sem o gene, a probabilidade de as crianças o herdarem
é de cem por cento, mas não há nenhuma chance de o terem em dose dupla, como o August.
Isso significa que os filhos dele carregarão o gene de qualquer forma, mas poderão ter uma
aparência normal. Se o meu irmão se casar com alguém que tenha o gene, os filhos dele terão
as mesmas chances que os meus.
Isso só explica uma parte do August — a que tem explicação. Há outra parte de sua
constituição genética que não foi herdada e é apenas uma falta de sorte inacreditável.
Ao longo dos anos, incontáveis médicos desenharam pequenos jogos da velha para tentar
explicar aos meus pais a loteria genética. Os especialistas usam os chamados quadrados de
Punnett para determinar a herança genética de uma pessoa, os genes recessivos e os
dominantes, probabilidades e possibilidades. Mas, apesar de tudo o que sabem, existem ainda
mais coisas que desconhecem. Eles tentam prever as probabilidades, mas não podem garantir
nada. Usam termos como “mosaicismo de linhagem germinativa”, “rearranjo cromossômico”
ou “mutação retardada” para explicar por que a ciência que estudam não é exata.
Na verdade, eu gosto do modo como os médicos falam. Gosto da sonoridade da ciência.
Gosto de como palavras incompreensíveis explicam coisas incompreensíveis. Há um semnúmero
de pessoas por trás de “mosaicismo de linhagem germinativa”, “rearranjo
cromossômico” e “mutação retardada”. Incontáveis bebês que nunca nascerão, como os meus.


Adeus ao passado


A Miranda e a Ella alçaram voo. Elas se juntaram a um novo grupo destinado à glória no
ensino médio. Após uma semana de almoços dolorosos em que só falavam sobre pessoas por
quem eu não me interessava nem um pouco, decidi dar um fim àquilo. Elas não fizeram
perguntas e eu não contei mentiras. Apenas seguimos caminhos diferentes.
Depois de um tempo, nem me importei. Mas não fui almoçar durante uma semana, para
facilitar a transição e evitar aqueles comentários falsos: “Ah, caramba, não tem lugar para
você na mesa, Olivia!” Era mais fácil ir para a biblioteca e ler.
Terminei Guerra e paz em outubro. É maravilhoso. As pessoas acham que é uma leitura
difícil, mas é só um enorme romance, repleto de personagens que se apaixonam, brigam por
amor, morrem por amor. Quero me apaixonar desse jeito um dia. Quero que meu marido me
ame como o príncipe Andrei amava Natasha.
Comecei a andar com uma garota chamada Eleanor, que conheci quando era mais nova,
embora depois a gente tenha feito o ensino fundamental em escolas diferentes. A Eleanor
sempre foi uma garota bem inteligente — meio chorona naquela época, mas legal. Nunca tinha
me dado conta de como ela era engraçada (não de dar gargalhadas, como o papai, mas cheia
de boas tiradas), e ela nunca soube quão descontraída eu podia ser. Acho que a Eleanor
sempre teve a impressão de que eu era muito séria. E, por acaso, nunca gostou da Miranda e
da Ella. Achava as duas metidas.
Por meio da Eleanor, tive acesso à mesa de almoço do grupinho dos inteligentes. Era um
grupo maior do que eu estava acostumada e mais diversificado também. Incluía o namorado da
Eleanor, Kevin, que sem dúvida seria do conselho estudantil um dia; alguns garotos do clube
de eletrônica; meninas como Eleanor, que faziam parte do comitê de produção do anuário e do
clube de debate, e um garoto meio tímido chamado Justin, que usava óculos redondos,
pequenos e tocava violino — por quem me apaixonei na mesma hora.
Quando eu via Miranda e Ella, que agora andavam com o grupo dos superpopulares, nós
trocávamos um “Oi. E aí?” e seguíamos em frente. De vez em quando a Miranda me
perguntava como o August estava e dizia: “Diga a ele que mandei um alô.”
Eu nunca dava o recado. Não por causa da Miranda, mas porque o August estava em seu
próprio mundo naquela época. Tinha vezes em que, em casa, nem nos encontrávamos.


31 de outubro

A vovó morreu na véspera do Halloween. Desde então, mesmo que isso tenha acontecido há
quatro anos, para mim essa é sempre uma data triste. Para a mamãe também, embora ela não
diga nada. Em vez disso, concentra-se em preparar a fantasia do August, uma vez que todos
sabemos que o Halloween é sua festa favorita.
Este ano não foi diferente. O August queria muito se vestir como um personagem de Star
Wars chamado Boba Fett, por isso a mamãe procurou essa fantasia no tamanho dele, mas, por
incrível que pareça, estava esgotada em todos os lugares. Buscou em todas as lojas on-line,
encontrou algumas no eBay a preços absurdos e, por fim, acabou comprando uma fantasia de
Jango Fett, que transformou em uma de Boba Fett pintando-a de verde. Acho que, ao todo, ela
gastou duas semanas fazendo a fantasia idiota. E não, não vou mencionar o fato de mamãe
nunca ter feito uma fantasia para mim, porque isso realmente não tem nada a ver com a
questão.
Na manhã de Halloween acordei pensando na vovó, e isso me deixou muito triste e chorosa.
O papai ficava dizendo para eu me apressar e me vestir, o que só serviu para me estressar
ainda mais, e de repente comecei a chorar. Eu só queria ficar em casa.
Então meu pai levou o August para a escola, a mamãe deixou que eu faltasse aula e nós duas
choramos juntas por um tempo. De uma coisa eu tive certeza: não importava o quanto eu
sentisse a falta da vovó, minha mãe devia sentir mais ainda. Todas aquelas vezes em que o
August esteve por um fio após alguma cirurgia, em todas aquelas corridas à emergência a
vovó sempre esteve ao lado da mamãe. Foi bom chorar com ela. Para nós duas. Em
determinado momento, minha mãe teve a ideia de assistirmos juntas a Nós e o fantasma, que
era um de nossos filmes em preto e branco favoritos. Achei uma ótima ideia. Pensei que
poderia aproveitar o momento choroso para contar tudo o que estava acontecendo na escola
com a Miranda e a Ella, mas assim que nos sentamos na frente da TV o telefone tocou. Era a
enfermeira da escola do August para avisar que ele estava com dor de estômago e que ela
podia buscá-lo. Ou seja, nada de filmes antigos e de estreitar laços entre mãe e filha.
Ela foi buscar o August e, assim que ele chegou em casa, correu para o banheiro e vomitou.
Depois foi para o quarto e se enfiou na cama, coberto até a cabeça. A mamãe mediu sua
temperatura, fez um pouco de chá e assumiu novamente o papel de “mãe do August”. A “mãe
da Via”, que tinha aparecido por um breve momento, foi posta de lado. Mas eu compreendi:
ele estava mal.
Nenhuma de nós perguntou por que ele tinha usado a fantasia do Pânico em vez da de Boba
Fett que a mamãe fizera. Se ela ficou chateada por ver a fantasia em que havia trabalhado
durante duas semanas largada no chão, intocada, não demonstrou.



Travessura ou gostosura


Mais tarde o August disse que não estava se sentindo bem para pegar doces, o que era triste,
porque sei o quanto ele gosta de brincar de travessura ou gostosura — sobretudo quando
escurece. Embora eu já estivesse bem grandinha para essa brincadeira, costumava usar uma
máscara qualquer para acompanhá-lo pela vizinhança, observando-o bater às portas dos
vizinhos, todo eufórico. Eu sabia que aquela era a única noite do ano em que ele realmente
podia ser como as outras crianças. Ninguém sabia que ele era diferente por baixo da máscara.
Para August, aquilo devia ser incrível.
Às sete da noite bati à porta de seu quarto.
— Oi — falei.
— Oi — respondeu ele.
Auggie não estava jogando PlayStation nem lendo gibis. Estava apenas deitado na cama,
olhando para o teto. A Daisy estava ao lado, como sempre, com a cabeça apoiada nas pernas
dele. A túnica preta e a máscara do Pânico estavam jogadas no chão, junto da fantasia de
Boba Fett.
— Como está a barriga? — perguntei, sentando-me com ele.
— Ainda estou enjoado.
— Tem certeza de que não quer sair para o Halloween?
— Tenho.
Isso me surpreendeu. Em geral, August era muito forte em relação a seus problemas de
saúde, fosse ao andar de skate alguns dias depois de uma cirurgia ou sugar a comida por um
canudinho quando seu maxilar estava imobilizado. Aos dez anos, ele havia tomado mais
injeções e remédios e passado por mais procedimentos médicos do que a maioria das pessoas,
mesmo se somassem dez vidas. E agora estava desistindo por causa de um enjoo qualquer?
— Você quer me dizer o que está acontecendo? — perguntei, soando um pouco como a
mamãe.
— Não.
— É a escola?
— É.
— Professores? Dever de casa? Colegas?
Ele não respondeu.
— Alguém falou alguma coisa?
— As pessoas sempre falam alguma coisa — devolveu ele, amargo.
Dava para ver que estava quase chorando.
— Você pode me contar o que aconteceu.
Então ele contou. O August tinha entreouvido coisas muito cruéis que alguns garotos
estavam dizendo sobre ele. Não se importava com o que os outros garotos falaram, já
esperava por isso, mas um deles era seu “melhor amigo”, o Jack Will. Eu me lembrei de ouvilo
falar do Jack algumas vezes nos últimos meses. Lembrei-me de ouvir a mamãe e o papai
dizendo que ele parecia um garoto realmente legal, que estavam felizes por o August já ter
feito uma amizade como aquela.
— Às vezes as crianças são idiotas — falei baixinho, segurando a mão dele. — Tenho
certeza de que ele não pensa isso de verdade.
— Então por que falou aquilo? O tempo todo ele só estava fingindo que era meu amigo. O
Buzanfa deve ter subornado o Jack com notas boas ou algo assim. Aposto que ele disse algo
como: “Ei, Jack, se você ficar amigo do esquisito, não precisa fazer nenhuma prova esse ano.”
— Você sabe que isso não é verdade. E não diga que você é esquisito.
— Não importa. Eu queria nunca ter entrado naquela escola.
— Mas achei que você estivesse gostando.
— Eu odeio! — De repente ele ficou zangado e começou a socar o travesseiro. — Odeio!
Odeio! Odeio! — berrava a plenos pulmões.
Não falei nada. Não sabia o que dizer. Ele estava magoado. Estava furioso.
Deixei que ele extravasasse a raiva por alguns minutos. A Daisy começou a lamber as
lágrimas em seu rosto.
— Ei, Auggie — falei, dando tapinhas em suas costas. — Por que você não veste sua
fantasia de Jango Fett e...
— É Boba Fett! Por que todo mundo confunde?
— A fantasia de Boba Fett — repeti, tentando manter a calma. Passei o braço em volta de
seus ombros. — Vamos sair, o.k.?
— Se eu for, a mamãe vai achar que estou melhor e vai me obrigar a ir para a escola
amanhã.
— Ela jamais obrigaria você a ir — retruquei. — Ai, Auggie. Vamos lá. Vai ser divertido,
prometo. E deixo você ficar com todos os meus doces.
Ele não discutiu. Levantou da cama e, devagar, começou a vestir a fantasia de Boba Fett. Eu
o ajudei a ajustar as tiras e apertar o cinto e, quando ele pôs o capacete, dava para ver que
estava se sentindo melhor.


Tempo para pensar


No dia seguinte, o August continuou fingindo que estava com dor de estômago para não ter que
ir à escola. Admito que me senti um pouco mal por causa da mamãe, que ficou realmente
preocupada com a possibilidade de ele estar com alguma virose, mas eu havia prometido que
não comentaria nada sobre o incidente na escola.
No domingo, ele continuava determinado a não voltar para a Beecher Prep. Quando me
disse isso, perguntei:
— E o que você pretende dizer à mamãe e ao papai?
— Eles disseram que eu poderia desistir quando quisesse.
Ele falou isso ainda focado no gibi que estava lendo.
— Mas você nunca foi do tipo que desiste das coisas — retruquei, e era verdade. — Não é
do seu feitio.
— Vou desistir.
— Vai ter que explicar a eles por quê — assinalei, tirando o gibi das mãos dele para que
me olhasse enquanto conversávamos. — Aí a mamãe vai ligar para a escola e todos vão ficar
sabendo.
— O Jack Will vai ficar encrencado?
— Imagino que sim.
— Que bom.
Tenho que reconhecer que o August estava me surpreendendo cada vez mais. Ele pegou
outro gibi na prateleira e começou a folheá-lo.
— Auggie, você vai mesmo deixar que alguns garotos idiotas o impeçam de voltar à escola?
Eu sei que você estava gostando. Não dê a eles esse poder. Não dê a eles essa satisfação.
— Eles nem fazem ideia de que eu ouvi — explicou ele.
— Eu sei que não, mas...
— Via, está tudo bem. Sei o que estou fazendo. Já tomei minha decisão.
— Mas isso é loucura, Auggie! — falei, enfática, tirando o outro gibi da mão dele também.
— Você tem que voltar. Todo mundo odeia a escola de vez em quando. Eu odeio às vezes.
Odeio minhas amigas às vezes. É a vida, Auggie. Você quer ser tratado como um garoto
normal, não quer? Isso é normal! Todo mundo tem que ir à escola, mesmo que de vez em
quando tenha dias ruins. O.k.?
— As pessoas mudam de caminho para não encostar em você, Via? — rebateu ele.
Por um momento fiquei sem resposta.
— Certo. Foi o que pensei. Então não compare meus dias ruins com os seus, tá?
— Está bem, é justo — concordei. — Mas isso não é uma disputa de quem tem os piores
dias, Auggie. A questão é que todos temos que lidar com os dias ruins. Agora, a menos que
você queira ser tratado como um bebê pelo resto da vida, ou como uma criança com
necessidades especiais, tem que engolir isso e voltar para a escola.
Ele não disse nada, mas achei que talvez tivesse compreendido essa última parte.
— Você não precisa trocar nem uma palavra com aqueles garotos — continuei. — Sabe,
August, na verdade, é bem legal você saber o que eles disseram sem que eles saibam que você
sabe.
— Como assim?
— Você entendeu o que eu quis dizer. Não precisa falar com eles nunca mais, se quiser. E
eles nunca vão saber por quê. Está vendo? Ou você pode fingir ser amigo deles, mas bem no
fundo vai saber que não é.
— É o que você faz com a Miranda?
— Não — respondi depressa, na defensiva. — Nunca menti para a Miranda.
— Então por que está sugerindo que eu faça isso?
— Não estou! Só estou dizendo que você não deve deixar que aqueles idiotas o atinjam. Só
isso!
— Como a Miranda atingiu você.
— Por que você fica falando da Miranda? — gritei, impaciente. — Estou tentando
conversar sobre os seus amigos. Por favor, deixe os meus fora disso.
— Você nem é mais amiga dela.
— O que isso tem a ver com a nossa conversa?
O modo como o August olhava para mim me fazia lembrar um rosto de boneca. Ele me
encarava sem nenhuma expressão, os olhos semicerrados.
— Ela ligou um dia desses — disse ele por fim.
— O quê? — Eu estava pasma. — E você não me disse nada?
— Ela não ligou para você — respondeu ele, pegando os dois gibis da minha mão. — Ligou
para mim. Só para dizer oi. Para ver como eu estava. Ela nem sabia que eu estava em uma
escola de verdade. Não acredito que você não contou. A Miranda disse que vocês duas não
andam mais juntas, mas ela queria que eu soubesse que sempre vai me amar como se fosse
minha irmã.
Duplamente pasma. Magoada. Embasbacada. Sem palavras.
— Por que você não me contou? — perguntei, por fim.
— Não sei.
Ele deu de ombros, abrindo o primeiro gibi de novo.
— Bem, vou contar à mamãe e ao papai sobre o Jack Will se você sair da escola —
ameacei. — O Sr. Buzanfa vai pedir que você vá até lá e fará os garotos pedirem desculpas na
frente de todo mundo e todos passarão a tratar você como alguém que deveria frequentar uma
escola para crianças com necessidades especiais. É isso que você quer? Porque é o que vai
acontecer. Ou então simplesmente volte e aja como se nada tivesse acontecido. Se quiser
confrontar o Jack, tudo bem. Mas, de todo modo, se você...
— Está bem. Está bem — interrompeu ele.
— O quê?
— Tudo bem! Eu vou! — gritou ele, não muito alto. — Só pare de falar disso. Posso ler
meu gibi agora?
— Ótimo! — respondi. Já estava me virando para sair do quarto quando pensei em uma
coisa. — A Miranda disse mais alguma coisa sobre mim?
Ele tirou os olhos da revistinha e cravou-os nos meus.
— Pediu que eu dissesse que ela sente sua falta. Fecha aspas.
Assenti.
— Obrigada — falei em tom casual, constrangida demais para deixar que ele percebesse
como eu estava feliz.



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