Parte seis



Polo Norte


O Senhor Lâmpada de Batata foi um grande sucesso na feira de ciências. Jack e eu tiramos A
no projeto. Foi o primeiro A dele desde o início do ano, por isso ele ficou muito animado.
Todos os projetos da feira foram expostos em mesas no ginásio. Foi igual ao Museu Egípcio
de dezembro, só que desta vez havia vulcões e esculturas de moléculas no lugar de pirâmides
e faraós. E, em vez de pegarmos nossos pais e levá-los para ver os objetos, tínhamos que ficar
nas mesas enquanto eles andavam pela exposição e vinham até nós, um a um.
A matemática é a seguinte: sessenta alunos no quinto ano equivalem a sessenta casais de
pais — isso sem contar os avós. Então, pelo menos cento e vinte pares de olhos pousaram em
mim. Olhos que não estão tão acostumados comigo quanto os dos filhos. É como a agulha da
bússola, que sempre aponta para o norte, não importa para que lado você esteja virado. Todos
aqueles olhos eram bússolas, e eu era como o polo norte para eles.
É por isso que continuo a não gostar dos eventos escolares que incluem pais. Não os odeio
como no início do ano. Como no Festival de Ação de Graças: aquele foi o pior, acho. Foi a
primeira vez em que tive que encarar todos os pais ao mesmo tempo. O Museu Egípcio foi
logo em seguida, mas nesse correu tudo bem, porque me vesti de múmia e ninguém me notou.
Depois houve o concerto de inverno, que foi um horror total porque tive que cantar no coro.
Não só não sei cantar nada, como me senti em uma vitrine. A exposição de artes do Ano-novo
não foi tão ruim, mas ainda assim foi chato. Puseram todos os trabalhos nos corredores de
toda a escola e os pais foram ver. Ter tantos pais desavisados passando por mim nas escadas
foi como estar de volta ao início do ano letivo.
De todo modo, não é que eu me importe com o modo como as pessoas reagem a mim. Já
disse um zilhão de vezes: estou acostumado com isso a esta altura. Não deixo que me
incomode. É como quando você sai e está chuviscando. Você não calça galochas por causa de
um chuvisco. Nem sequer abre o guarda-chuva. Você anda na garoa e mal percebe que o
cabelo está ficando molhado.
Mas, quando há um ginásio enorme cheio de pais, a garoa se transforma numa tempestade.
Os olhares de todo mundo atingem você como um paredão de água.
A mamãe e o papai passaram muito tempo perto da minha mesa, com os pais do Jack. É
engraçado como os pais acabam formando os mesmos grupinhos que seus filhos. Por exemplo,
meus pais, os pais do Jack e a mãe da Summer se gostam e ficam juntos. E vejo os pais do
Julian com os do Henry e os do Miles. Até os pais dos dois Max andam juntos. É tão
engraçado...
Falei sobre isso com a mamãe e o papai mais tarde, enquanto caminhávamos de volta para
casa, e eles acharam que era uma observação curiosa.
“Acho que é verdade que os semelhantes se procuram”, disse minha mamãe.


Auggie Doll

Por um tempo, só falamos da “guerra”. Fevereiro foi quando as coisas ficaram piores.
Praticamente ninguém falava conosco e o Julian tinha começado a deixar bilhetes nos nossos
armários. Os bilhetes para o Jack eram idiotas, como: Você fede a queijo podre! e Ninguém
gosta mais de você!
Recebi bilhetes do tipo: Aberração! E outro que dizia: Saia da nossa escola, ogro!
A Summer achava que devíamos falar dos bilhetes com a Sra. Rubin, nossa coordenadora,
ou mesmo com o Sr. Buzanfa, mas achamos que isso seria dedurá-los. Além do mais, não é
como se nós também não deixássemos bilhetes, embora os nossos não fossem cruéis. Eram
engraçados e sarcásticos.
Um deles foi: Você é tão lindo, Julian! Eu amo você. Quer casar comigo? Com carinho,
Beulah
Outro foi: Adoro seu cabelo! bjs Beulah
E outro: Você é uma gracinha. Faça cosquinha nos meus pés. bj Beulah
Beulah era uma pessoa que eu e Jack criamos. Ela tem hábitos muito nojentos, como comer a
sujeira verde que fica entre os dedos dos pés e chupar os nós dos dedos. E achamos que
alguém assim seria caidinha pelo Julian, que parecia e agia como um garoto de comercial.
Em fevereiro também houve algumas vezes em que o Julian, o Miles e o Henry pregaram
peças no Jack. Eles não faziam isso comigo porque sabiam que, se fossem pegos praticando
“bullying” comigo, teriam um grande problema. O Jack era um alvo mais fácil. Então uma vez
roubaram o short de ginástica dele e ficaram brincando de bobinho com ele no vestiário. Outra
vez, o Miles, que se senta perto do Jack na aula de orientação, surrupiou a folha do Jack da
mesa dele, fez uma bola de papel e a jogou para o Julian, do outro lado da sala. Isso não teria
acontecido se a Sra. Petosa estivesse lá, é claro, mas nesse dia estávamos com um professor
substituto, e eles nunca sabem muito bem o que está acontecendo. O Jack lidava bem com
essas coisas. Nunca os deixava notar que estava chateado, embora às vezes eu ache que ele
estava.
Os outros garotos do quinto ano sabiam da guerra. Com exceção do grupo da Savanna, as
meninas se mantiveram neutras de início. Mas, em março, já estavam ficando cheias disso,
assim como alguns dos garotos. Uma vez, quando o Julian estava virando o apontador de lápis
na mochila do Jack, o Amos, que em geral andava com eles, arrancou a mochila das mãos dele
e a devolveu para o Jack. Começava a parecer que a maioria dos garotos não estava mais do
lado do Julian.
Então, há algumas semanas, o Julian começou a espalhar um boato ridículo de que o Jack
havia contratado um “matador” para “pegar” ele, o Miles e o Henry. Era uma mentira tão
patética que as pessoas chegavam a rir pelas costas dele. Aí todos os garotos que ainda
estavam do seu lado pularam fora e ficaram claramente neutros. Assim, no fim de março,
apenas o Miles e o Henry continuavam com o Julian — e acho que até eles já estavam se
cansando da guerra.
Também tenho quase certeza de que pararam de fazer a brincadeira da praga pelas minhas
costas. Ninguém mais se encolhe quando esbarra em mim, e as pessoas pegam meus lápis
emprestados sem agir como se eles tivessem piolhos.
De vez em quando, até brincam comigo. Como no dia em que vi a Maya escrevendo um
bilhete para a Ellie em um papel de carta dos Uglydolls e, não sei por quê, simplesmente falei:
— Você sabia que o cara que criou os Uglydolls se inspirou em mim?
Maya me encarou com os olhos arregalados, como se acreditasse de verdade no que eu tinha
dito. Então, quando percebeu que eu só estava brincando, achou que tinha sido a melhor piada
do mundo.
— Você é tão engraçado, August! — falou.
Depois ela contou para a Ellie e algumas outras meninas o que eu tinha dito, e todas também
me acharam engraçado. No início ficaram chocadas, mas, depois, quando viram que eu estava
rindo, perceberam que não tinha problema se rissem também. Aí, no dia seguinte, encontrei um
chaveirinho dos Uglydolls na minha mesa com um bilhetinho da Maya que dizia: Para o
Auggie Doll mais legal do mundo! Bj Maya.
Seis meses antes, coisas como essa não aconteceriam de jeito nenhum, mas agora são cada
vez mais frequentes.
Além disso, as pessoas têm sido muito legais com relação aos aparelhos auditivos que
comecei a usar.


Lobot


Desde que eu era pequeno, os médicos diziam aos meus pais que um dia eu iria precisar de
aparelhos auditivos. Não sei por que isso sempre me assustou um pouco; talvez porque tudo
que tenha a ver com minhas orelhas me incomode bastante.
Minha audição piorava, mas não falei sobre isso com ninguém. O barulho do mar que
sempre estava em minha cabeça vinha ficando mais alto. Estava abafando a voz das outras
pessoas, como se eu estivesse debaixo d’água. Se me sentasse no fundo da sala, não conseguia
ouvir os professores, mas sabia que, se conversasse com o papai e a mamãe sobre isso, ia
acabar usando os aparelhos — e eu tinha esperanças de terminar o quinto ano sem que isso
acontecesse.
Mas então, durante o check-up anual de outubro, fui mal no teste audiométrico e o médico
disse que havia chegado a hora. Ele me encaminhou para um especialista em otologia, que
tirou os moldes das minhas orelhas.
De todas as minhas características, as orelhas são o que eu mais detesto. Elas são como
minúsculos punhos cerrados nas laterais do meu rosto. Também ficam muito para baixo na
cabeça. Parecem uns pedaços de massa de pizza amassados saindo do alto do meu pescoço ou
algo assim. Certo, talvez eu esteja exagerando um pouquinho. Mas realmente odeio as minhas
orelhas.
Quando o otologista mostrou o aparelho para mim e para a mamãe pela primeira vez, eu
gemi.
— Não vou usar isso — anunciei, cruzando os braços.
— Sei que parecem meio grandes — disse o médico —, mas temos que prendê-los ao arco,
porque não há outro modo de fazer com que fiquem nos seus ouvidos.
Veja bem, os aparelhos auditivos normais têm uma parte que fica presa atrás da orelha, para
manter a parte interna no lugar. Mas, no meu caso, como não tenho a orelha, o médico teve que
prender os fones em um arco pesado que fica na parte de trás da cabeça.
— Não posso usar isso, mãe — choraminguei.
— Você mal vai notá-los — disse a mamãe, tentando me animar. — Parecem fones de
ouvido.
— Fones de ouvido? Olhe para isso, mãe! — falei, zangado. — Vou ficar igual ao Lobot.
— Quem é Lobot? — perguntou ela, calma.
— Lobot? — O otologista sorriu enquanto olhava para os fones e fazia alguns ajustes. — De
O império contra-ataca? O careca com aquele radiotransmissor biônico maneiro que passa
por trás da cabeça?
— Não estou lembrando — disse a mamãe.
— Você conhece coisas de Star Wars? — perguntei ao médico.
— Se eu conheço coisas de Star Wars? — respondeu ele, colocando aquilo na minha
cabeça. — Eu praticamente inventei esse negócio de Star Wars! — Ele se recostou na cadeira
para ver como o arco estava e em seguida o tirou. — Agora, Auggie, quero explicar o que é
tudo isto — disse, apontando para as diferentes partes de um dos aparelhos. — Esta peça de
plástico curva se conecta com o canal auditivo. Foi por isso que tiramos moldes em dezembro,
e é por isso que essa parte que fica dentro da orelha se encaixa bem e é confortável. Esta parte
aqui se chama gancho de som, o.k.? E esta aqui é a parte especial que encaixamos nesse
suporte aqui...
— A parte Lobot — falei, sofrido.
— Ei, o Lobot é legal — disse o otologista. — Não é como se você fosse ficar parecido
com o Jar Jar, sabe? Isso seria ruim. — Ele deslizou os fones pela minha cabeça outra vez,
com cuidado. — Aí está, August. Que tal?
— Totalmente desconfortável! — falei.
— Você vai se acostumar bem rápido — disse ele.
Eu me olhei no espelho. Meus olhos começaram a lacrimejar. Tudo o que eu via eram
aqueles tubos sobressaindo nos lados da minha cabeça como se fossem antenas.
— Tenho mesmo que usar isso, mãe? — perguntei, tentando não chorar. — Odeio esse
negócio. Não fez nenhuma diferença.
— Espere um segundo, garoto — disse o médico. — Eu ainda nem liguei o aparelho. Espere
até ouvir a diferença; você vai querer usá-los.
— Não vou, não!
E então ele o ligou.


Ouvindo claramente

Como descrever o que ouvi quando o médico ligou meu aparelho auditivo? Ou o que não
ouvi? É muito difícil encontrar as palavras. O mar não estava mais dentro da minha cabeça.
Havia sumido. Dava para ouvir os sons como luzes brilhantes na minha mente. Foi como estar
em um quarto em que uma das lâmpadas no teto queimou — você não percebe como está
escuro, até que alguém troca a lâmpada e você fica, tipo: “Uau, como está claro aqui!” Não sei
se é aplicável, em termos de audição, a palavra “claro”, mas acho que sim, porque agora eu
estava ouvindo claramente.
— Que tal, Auggie? — perguntou o médico. — Consegue me ouvir bem?
Olhei para ele e sorri, mas não respondi.
— Querido, está ouvindo algo diferente? — disse a mamãe.
— Não precisa gritar, mãe — falei e assenti, feliz.
— Está ouvindo melhor? — indagou o otologista.
— Não ouço mais aquele barulho — respondi. — Está tão silencioso nas minhas orelhas!
— O ruído branco sumiu — disse ele, assentindo. Ele olhou para mim e piscou. — Eu falei
que você ia gostar do que ouviria, August.
Ele fez mais alguns ajustes no aparelho do ouvido esquerdo.
— Está muito diferente, meu amor? — perguntou a mamãe.
— Sim. — Assenti. — Está... mais leve.
— É porque você agora tem audição biônica, meu amigo — disse o médico, ajustando o
lado direito. — Agora toque aqui. — Ele pôs minha mão atrás do aparelho. — Está sentindo
isso? É o volume. Precisa encontrar o volume ideal para você. É o que vamos fazer em
seguida. Bem, o que acha? — Ele pegou um espelho pequeno e me fez olhar no espelho
grande, mostrando como o aparelho ficava na parte de trás. Meu cabelo cobria quase todo o
arco. A única parte visível eram os tubos. — Gostou dos seus novos aparelhos auditivos
biônicos Lobot? — perguntou, olhando para mim pelo espelho.
— Sim — falei. — Obrigado.
— Muito obrigada, Dr. James — disse a mamãe.
No primeiro dia que apareci na escola com o aparelho achei que o pessoal ia fazer o maior
alarde, mas ninguém fez nada. A Summer estava feliz por eu poder ouvir melhor e o Jack disse
que eu estava parecendo um agente do FBI, ou algo assim. Mas foi só isso. O Sr. Browne me
perguntou sobre o aparelho na aula de inglês, mas não foi algo do tipo: “Que diabo é isso na
sua cabeça?!” Foi mais como: “Se você precisar que eu repita alguma coisa, Auggie, é só
falar, o.k.?”
Agora, pensando bem, não sei por que fiquei tão estressado com isso. É engraçado como às
vezes nos preocupamos muito com uma coisa e ela acaba não sendo nem um pouco importante.


O segredo da Via


Alguns dias depois do recesso de primavera, a mamãe descobriu que a Via não tinha contado
sobre uma peça na escola que aconteceria na semana seguinte. E estava furiosa. Minha mãe
não fica zangada com muita frequência (embora papai possa discordar disso), mas ela estava
louca com a Via. As duas tiveram uma grande briga. Eu conseguia ouvi-las gritando uma com
a outra no quarto da minha irmã. Meus ouvidos biônicos Lobot escutaram a mamãe dizendo:
— O que há com você ultimamente, Via? Você está temperamental, mal-humorada e cheia
de segredos...
— Qual o grande problema em eu não falar de uma peça idiota? — a Via praticamente
berrava. — Eu nem tenho falas!
— Seu namorado tem! Não quer que a gente o veja na peça?
— Não! Na verdade, não!
— Pare de gritar!
— Você gritou primeiro! Só me deixe em paz, o.k.? Você sempre conseguiu muito bem me
deixar em paz, a vida toda, então não entendo por que escolheu justamente o ensino médio
para começar a se interessar por mim...
Não sei o que minha mãe respondeu, porque tudo ficou muito silencioso e nem mesmo meus
ouvidos biônicos Lobot conseguiram captar algum sinal.

Minha caverna

Na hora do jantar, elas pareciam ter feito as pazes. O papai ia trabalhar até mais tarde e a
Daisy estava dormindo. Tinha vomitado várias vezes mais cedo, então a mamãe marcou uma
consulta no veterinário na manhã seguinte.
Nós três estávamos à mesa, todo mundo em silêncio.
Por fim, eu disse:
— Então vamos assistir à peça do Justin?
A Via não respondeu, apenas baixou os olhos para o prato.
— Auggie, eu não sabia qual era a peça — disse a mamãe. — Acho que não é interessante
para uma criança da sua idade.
— Quer dizer não estou convidado? — perguntei, olhando para a Via.
— Não foi isso que eu falei — respondeu a mamãe. — Só acho que você não iria gostar.
— Você ia ficar completamente entediado — falou a Via, como se me acusasse de alguma
coisa.
— Você e o papai vão? — perguntei.
— O papai vai — disse minha mãe. — Eu vou ficar em casa com você.
— O quê? — gritou a Via. — Ah, ótimo. A minha punição por ser honesta vai ser você não
ir?
— Para começar, você não queria que nós fôssemos, lembra? — retrucou a mamãe.
— Mas, agora que você já sabe, é claro que quero que vá!
— Bem, tenho que levar em consideração os sentimentos de todo mundo aqui, Via.
— Do que vocês estão falando? — gritei.
— De nada! — dispararam as duas ao mesmo tempo.
— É só uma coisa da escola da Via que não tem nada a ver com você — disse a mamãe.
— Você está mentindo — falei.
— Como é que é? — perguntou ela, meio chocada.
Até a Via parecia surpresa.
— Eu disse que você está mentindo! — gritei. — Você está mentindo! — berrei para a Via,
me levantando. — Vocês são duas mentirosas! Estão mentindo na minha cara, como se eu
fosse um idiota!
— Sente-se, Auggie! — disse a mamãe, segurando meu braço.
Eu me desvencilhei dela e apontei para a Via.
— Você acha que não sei o que está acontecendo? — berrei. — Você não quer que seus
novos amigos maneiros da escola saibam que seu irmão é uma aberração!
— Auggie! — gritou a mamãe. — Isso não é verdade!
— Pare de mentir para mim, mãe! — berrei ainda mais alto. — Pare de me tratar como um
bebê! Não sou retardado! Sei o que está acontecendo!
Corri até o meu quarto e bati a porta com tanta força que cheguei a ouvir pedacinhos da
alvenaria se esfarelando no batente. Então me joguei na cama e puxei as cobertas até a cabeça.
Cobri com os travesseiros a minha cara horrível e empilhei todos os meus bichos de pelúcia
por cima, como se eu estivesse em uma pequena caverna. Se pudesse andar por aí o tempo
todo com um travesseiro na cara, eu andaria.
Nem sei como fiquei tão zangado. Eu não estava assim no início do jantar. Não estava nem
triste. Mas então, de repente, eu meio que explodi. Sabia que a Via não queria que eu fosse
àquela peça idiota. E sabia porquê.
Imaginei que a mamãe entraria no quarto logo atrás de mim, mas ela não apareceu. Queria
que me encontrasse na caverna de bichos de pelúcia, por isso esperei mais um pouco. Depois
de dez minutos, ainda nada. Eu estava muito surpreso. Ela sempre vem ver o que está
acontecendo quando estou no quarto chateado com alguma coisa.
Imaginei a mamãe e a Via conversando sobre mim na cozinha. A Via se sentindo muito,
muito, muito mal. Minha mãe a deixando superculpada. E o papai também zangado, quando
chegasse em casa.
Abri um pequeno buraco na pilha de travesseiros e bichos de pelúcia e dei uma espiada no
relógio na parede. Meia hora havia se passado e a mamãe ainda não tinha entrado no quarto.
Tentei ouvir os ruídos dos outros cômodos. Elas ainda estavam jantando? O que estava
acontecendo?
Por fim, a porta se abriu. Era a Via. Ela nem se deu o trabalho de se aproximar da minha
cama e não entrou de mansinho, como achei que faria. Entrou bem depressa.


Adeus


— Auggie — disse ela. — Venha depressa. A mamãe precisa falar com você.
— Não vou pedir desculpas!
— Não é sobre você! — gritou ela. — Nem tudo no mundo tem a ver com você, Auggie.
Agora, corra. A Daisy está doente. Mamãe vai levá-la para uma emergência veterinária.
Venha dizer adeus.
Tirei os travesseiros do rosto e olhei minha irmã. Foi então que vi que ela estava chorando.
— O que você quer dizer com “adeus”?
— Venha logo! — disse a Via, estendendo a mão.
Eu peguei a mão dela e a segui pelo corredor, até a cozinha. A Daisy estava deitada de lado
no chão, com as pernas esticadas. Estava ofegante, como se tivesse corrido no parque. A
mamãe estava ajoelhada ao lado dela, acariciando sua cabeça.
— O que houve? — perguntei.
— Ela começou a ganir de repente — disse a Via, ajoelhando-se junto da nossa mãe.
Olhei para a mamãe, que também estava chorando.
— Vou levá-la à clínica veterinária no centro da cidade — disse ela. — O táxi está vindo
me buscar.
— O veterinário vai fazer a Daisy melhorar, não vai? — falei.
A mamãe olhou para mim.
— Espero que sim, querido — disse ela, baixinho. — Mas, sinceramente, não sei.
— É claro que vai! — falei.
— A Daisy tem andado muito doente, Auggie. E está velhinha...
— Mas eles podem curá-la — falei, olhando para a Via em busca de apoio, mas ela não
olhou de volta.
Os lábios da mamãe tremiam.
— Acho que é hora de darmos adeus a Daisy, Auggie. Sinto muito.
— Não!
— Não queremos que ela sofra, Auggie — disse minha mãe.
O telefone tocou. Via atendeu:
— Tá, obrigada. — E então desligou. — O táxi está aí fora — anunciou, enxugando as
lágrimas com as costas da mão.
— Tudo bem. Auggie, abre a porta para mim, querido? — pediu a mamãe, pegando a Daisy
com muita gentileza, como se ela fosse um bebê grande e muito fraco.
— Não, mãe, por favor — gritei, parado na frente da porta.
— Querido, por favor, ela é muito pesada.
— Mas e o papai?
— Vai me encontrar na clínica. Ele também não quer que a Daisy sofra, Auggie.
A Via me tirou do caminho e abriu a porta para a mamãe.
— Se precisarem de alguma coisa, meu celular está ligado — disse ela para a Via. — Você
consegue cobri-la com o cobertor?
A Via assentiu, mas estava chorando incontrolavelmente.
— Digam adeus à Daisy, crianças — pediu a mamãe, com as lágrimas escorrendo pelo
rosto.
— Amo você, Daisy — disse a Via, beijando o focinho dela. — Amo tanto você.
— Tchau, garotinha... — sussurrei no ouvido da Daisy. — Amo você...
A mamãe atravessou a varanda com nossa cadela nos braços. O motorista do táxi tinha
aberto a porta de trás, e nós a observamos entrar. Antes de fechar a porta, a mamãe olhou para
nós, de pé à porta, e acenou. Acho que nunca a vi tão triste.
— Amo você, mamãe! — disse a Via.
— Amo você, mamãe! — falei. — Desculpe!
Ela jogou um beijo e bateu a porta do carro. Vimos o táxi partir e então a Via fechou a casa.
Ela me olhou por um segundo e depois me deu um abraço muito, muito apertado, enquanto nós
dois chorávamos um milhão de lágrimas.


Os brinquedos da Daisy


O Justin chegou cerca de meia hora depois. Ele me deu um grande abraço e disse:
— Sinto muito, Auggie.
A gente se sentou na sala de estar, sem dizer nada. Por algum motivo, a Via tinha recolhido
todos os brinquedos da Daisy que estavam espalhados pela casa e empilhado na mesinha de
centro. Agora estávamos simplesmente olhando para aquela pilha.
— Ela é mesmo a melhor cadela do mundo — disse a Via.
— Eu sei — concordou o Justin, fazendo carinho nas costas da minha irmã.
— Ela começou a ganir, assim de repente? — perguntei.
A Via assentiu.
— Uns dois segundos depois que você saiu da mesa. A mamãe ia atrás de você, mas a Daisy
começou... tipo... a ganir.
— De que jeito? — insisti.
— Só ganir, não sei.
— Tipo uivando? — perguntei.
— Auggie, tipo ganindo! — respondeu ela, impaciente. — Ela só começou a choramingar,
como se estivesse com muita dor. E estava bem ofegante. Depois, meio que desabou, e a
mamãe foi até lá e tentou pegá-la no colo, e, enfim, ela obviamente estava com dor. Mordeu
mamãe.
— O quê? — perguntei.
— Quando a mamãe tentou encostar na barriga dela, a Daisy mordeu a mão dela — explicou
Via.
— A Daisy nunca morde ninguém! — retruquei.
— Ela estava fora de si — disse o Justin. — Estava claramente sentindo dor.
— O papai estava certo — disse a Via. — Não deveríamos ter deixado que ela chegasse a
esse ponto.
— O que você quer dizer? — perguntei. — Ele sabia que ela estava doente?
— Auggie, a mamãe a levou ao veterinário umas três vezes nos últimos dois meses. Ela
estava vomitando sem parar. Você não notou?
— Mas eu não sabia que ela estava doente!
A Via não disse nada, mas pôs o braço em volta dos meus ombros e me puxou para perto de
si. Comecei a chorar de novo.
— Sinto muito, Auggie — falou baixinho. — Sinto muito por tudo, tá? Você me perdoa?
Sabe quanto eu amo você, não sabe?
Assenti. De certo modo, aquela briga agora não tinha mais importância.
— A mamãe estava sangrando? — perguntei.
— Foi só um machucadinho — disse a Via. — Bem aqui.
Ela apontou para a base do polegar, mostrando onde exatamente a Daisy tinha mordido
nossa mãe.
— Doeu?
— A mamãe está bem, Auggie.
Ela e o papai voltaram para casa duas horas depois. No instante em que abriram a porta e a
Daisy não estava com eles, soubemos que ela tinha morrido. Todos nos sentamos na sala de
estar, em volta da pilha de brinquedos. O papai nos contou o que tinha acontecido na clínica,
como o veterinário a levara para fazer algumas radiografias e exames de sangue, depois
voltou e disse a eles que tinha uma grande massa na barriga dela. A Daisy estava com
dificuldade de respirar. A mamãe e o papai não queriam que ela sofresse, então o papai a
pegou no colo, como sempre gostou de fazer, com as pernas estendidas no ar, ele e a mamãe
lhe deram muitos beijos de despedida e conversaram baixinho com ela enquanto o veterinário
aplicava uma injeção na pata. Depois de um minuto, ela morreu nos braços do papai. Ele disse
que foi tudo muito sereno. Ela não sentiu dor nenhuma. Foi como se estivesse indo dormir.
Enquanto falava, a voz do papai ficou embargada e ele precisou limpar a garganta algumas
vezes.
Eu nunca tinha visto o papai chorar até aquela noite. Eu tinha ido ao quarto deles atrás da
mamãe, para que ela me pusesse para dormir, mas vi o papai sentado na beira da cama,
tirando as meias. Ele estava de costas para a porta, e não sabia que eu estava ali. A princípio,
achei que estivesse rindo, porque seus ombros estavam balançando, mas então ele cobriu o
rosto com as mãos e percebi que chorava. Era o choro mais silencioso que eu já tinha ouvido.
Como um sussurro. Eu ia me aproximar, mas pensei que talvez ele estivesse chorando
baixinho porque não queria que nem eu nem ninguém ouvisse. Então saí de lá, fui para o quarto
da minha irmã e vi a mamãe deitada na cama, a seu lado, sussurrando para ela, que chorava.
Então fui para o meu quarto, vesti o pijama sem que ninguém mandasse, acendi a luz noturna
e apaguei a do cômodo e entrei na pequena montanha de bichos de pelúcia que eu havia feito
mais cedo. Parecia que tudo aquilo tinha acontecido um milhão de anos antes. Tirei o aparelho
auditivo e o coloquei na mesinha de cabeceira, puxei as cobertas até as orelhas e imaginei a
Daisy se aninhando junto a mim, sua língua grande e molhada lambendo meu rosto inteiro,
como se fosse seu rosto favorito em todo o mundo. Foi assim que adormeci.


Céu

Acordei mais tarde e ainda estava escuro. Saí da cama e fui para o quarto dos meus pais.
— Mamãe? — sussurrei. Estava a mais completa escuridão, então não pude vê-la abrir os
olhos. — Mamãe?
— Você está bem, querido? — perguntou ela, grogue.
— Posso dormir com você?
A mamãe chegou para o lado do papai e eu me aninhei perto dela. Ela beijou minha cabeça.
— Está tudo bem com a sua mão? — perguntei. — A Via me disse que a Daisy mordeu
você.
— Foi só um arranhão — sussurrou ela no meu ouvido.
— Mamãe... — Comecei a chorar. — Desculpe pelo que eu falei.
— Shhh... Não há por que se desculpar — disse ela, tão baixinho que eu mal consegui ouvir.
Ela estava esfregando a bochecha na minha.
— A Via tem vergonha de mim? — perguntei.
— Não, querido, não. Você sabe disso. Ela só está se adaptando a uma nova escola. Não é
fácil.
— Eu sei.
— Eu sei que você sabe.
— Desculpe por ter chamado você de mentirosa.
— Durma, meu bem... Amo muito você.
— Também amo muito você, mamãe.
— Boa noite, querido — disse ela, bem baixinho.
— Mamãe, a Daisy está com a vovó agora?
— Acho que sim.
— Elas estão no céu?
— Estão.
— As pessoas continuam iguais quando vão para o céu?
— Não sei. Acho que não.
— Então como elas se reconhecem?
— Não sei, querido. — Ela parecia cansada. — Simplesmente sentem. Não precisamos dos
olhos para amar, certo? Apenas sentimos dentro de nós. É assim no céu. É só amor. E ninguém
se esquece de quem ama. — Ela me beijou de novo. — Agora durma, meu bem. Está tarde.
Estou tão exausta...
Mas não consegui dormir, mesmo depois que percebi que ela havia adormecido. Eu também
ouvia o papai dormindo, e imaginei que podia ouvir a Via dormindo no quarto dela, do outro
lado do corredor. E imaginei se a Daisy estaria dormindo no céu naquele momento. Se
estivesse, estaria sonhando comigo? Então pensei como seria estar no céu um dia e o meu
rosto não importar mais. Como nunca, nunca teve importância para a Daisy.


Substituta


Alguns dias depois de a Daisy morrer, a Via trouxe três ingressos para a peça da escola.
Nunca mais falamos da briga durante o jantar. Na noite da apresentação, pouco antes de ela e
o Justin saírem, ela me deu um abraço apertado, disse que me amava e que tinha orgulho de
ser minha irmã.
Aquela foi a primeira vez que fui à nova escola da Via. Era muito maior que a antiga e mil
vezes maior que a minha. Mais corredores. Mais espaço para pessoas. A única coisa
realmente ruim sobre meu aparelho auditivo biônico Lobot era que eu não podia mais usar
bonés. Em situações como aquela, bonés são muito úteis. Às vezes eu gostaria de ainda poder
usar o velho capacete de astronauta de quando era pequeno. Por incrível que pareça, as
pessoas achavam que uma criança usar capacete de astronauta era muito menos estranho que o
meu rosto. De todo modo, mantive a cabeça baixa enquanto andava atrás da mamãe pelos
corredores longos e bem-iluminados.
Seguimos a multidão até o auditório, onde os alunos entregavam programas da peça na
entrada. Encontramos assentos na quinta fileira, perto do meio. Assim que sentamos, a mamãe
começou a revirar a bolsa dela.
— Não acredito que esqueci meus óculos! — falou.
O papai balançou a cabeça. Ela sempre esquecia os óculos, as chaves, ou alguma outra
coisa. É distraída assim.
— Quer se sentar mais perto? — perguntou ele.
A mamãe apertou os olhos para ver o palco.
— Não, consigo enxergar bem daqui.
— Fale agora ou cale-se para sempre — disse papai.
— Estou bem — respondeu ela.
— Olhe, é o Justin — falei para o papai, apontando a foto do namorado da minha irmã no
programa.
— Boa foto — disse ele, assentindo.
— Por que não tem uma foto da Via? — perguntei.
— Ela é substituta — disse a mamãe. — Mas veja: aqui está o nome dela.
— O que é substituto? — perguntei.
— Uau, olhe a foto da Miranda — disse a mamãe para o papai. — Acho que eu não a
reconheceria.
— O que é um substituto? — repeti.
— É um ator que substitui outro se, por algum motivo, ele não puder se apresentar.
— Você soube que o Martin vai se casar de novo? — perguntou o papai à mamãe.
— Você está brincando?! — Ela pareceu surpresa.
— Quem é Martin? — perguntei.
— É o pai da Miranda — respondeu a mamãe. Então perguntou ao papai: — Quem lhe
contou?
— Encontrei com a mãe dela no metrô, que não está nada satisfeita com essa história. Ele
está até esperando um bebê.
— Uau! — exclamou minha mãe, balançando a cabeça.
— Do que vocês estão falando? — perguntei.
— Nada — disse o papai.
Eu ia dizer mais alguma coisa, mas então as luzes diminuíram. A plateia ficou em silêncio
muito depressa.
— Pai, você pode por favor não me chamar mais de Auggie Bobi? — sussurrei em seu
ouvido.
Ele sorriu, assentiu e fez sinal de positivo com os polegares.
A cortina se abriu. A peça começou. O palco estava completamente vazio, exceto pelo
Justin, que estava sentado em uma cadeira velha e bamba, afinando seu violino. Usava um
terno meio antigo e chapéu de palha.
— Esta peça se chama Nossa cidade — falou para a plateia. — Foi escrita por Thornton
Wilder; produzida e dirigida por Philip Davenport... O nome da cidade é Grover’s Corners,
em New Hampshire, logo após a fronteira de Massachusetts: latitude 42 graus e 40 minutos;
longitude 70 graus e 37 minutos. O primeiro ato mostra um dia na cidade. Sete de maio de
1901. A hora é logo antes do amanhecer.
Soube de cara que ia gostar da peça. Não era como as outras peças de escola a que eu tinha
assistido, como O mágico de Oz ou Tá chovendo hambúrguer. Não, essa parecia coisa de
adulto, e me senti inteligente por estar sentado ali, acompanhando.
Um pouco mais adiante na história, uma personagem chamada Sra. Webb chama a filha,
Emily. Eu tinha visto no programa que esse era o papel da Miranda, então me inclinei para a
frente para vê-la melhor.
— É a Miranda — cochichou a mamãe para mim, estreitando os olhos para o palco quando
Emily apareceu. — Ela está tão diferente!
— Não é a Miranda — sussurrei. — É a Via.
— Ah, meu Deus! — exclamou a mamãe, chegando para a frente na cadeira.
— Shhh! — censurou o papai.
— É a Via — sussurrou a mamãe para ele.
— Eu sei — respondeu ele, sorrindo. — Shhh!


O fim


A peça foi incrível. Não quero contar o fim, mas é do tipo que faz as pessoas na plateia
chorarem. A mamãe perdeu totalmente o controle quando a Via, interpretando a Emily, disse:
“Adeus, adeus, mundo! Adeus, Grover’s Corners... Mamãe e papai. Adeus aos relógios
tiquetaqueando e aos girassóis de mamãe. A comida e café. A vestidos recém-passados e
banhos quentes... a dormir e acordar. Ah, Terra, tu és maravilhosa demais para que alguém te
compreenda!”
A Via estava chorando enquanto dizia isso. Lágrimas de verdade: dava para vê-las
escorrendo pelo rosto. Foi incrível.
Depois que as cortinas se fecharam, todos na plateia começaram a aplaudir. Então os atores
apareceram, um a um. A Via e o Justin foram os últimos e, quando surgiram, todos ficaram de
pé.
— Bravo! — gritou o papai, com as mãos em concha na frente da boca.
— Por que todo mundo está se levantando?
— É uma ovação — disse a mamãe, também ficando de pé.
Então me levantei junto e aplaudi sem parar. Aplaudi até minhas mãos doerem. Por um
segundo, imaginei como seria legal estar ali, no lugar da Via e do Justin, com toda aquela
gente os aplaudindo de pé. Acho que devia haver uma regra que determinasse que todas as
pessoas do mundo tinham que ser aplaudidas de pé pelo menos uma vez na vida.
Por fim, depois de não sei quanto tempo, a fileira de atores no palco deu um passo para trás
e a cortina se fechou na frente deles. Os aplausos cessaram, as luzes foram acesas e a plateia
começou a se mexer para sair.
Papai, mamãe e eu fomos até os bastidores. Uma multidão estava parabenizando os atores,
cercando-os, dando tapinhas em suas costas. Vimos a Via e o Justin no centro daquilo tudo,
sorrindo para todo mundo, rindo e conversando.
— Via! — gritou o papai, acenando enquanto abria caminho entre as pessoas. Quando
chegou perto o bastante, ele a abraçou e a tirou um pouquinho do chão. — Você foi incrível,
querida!
— Ah, meu Deus, Via! — gritava a mamãe, animada. — Ah, meu Deus! Ah, meu Deus!
Ela abraçou a Via tão apertado que achei que minha irmã fosse sufocar, mas ela estava
rindo.
— Você estava brilhante! — disse o papai.
— Brilhante! — concordou a mamãe, meio que assentindo e balançando a cabeça ao mesmo
tempo.
— E você, Justin — disse meu pai, apertando a mão dele e ao mesmo tempo o abraçando.
— Foi fantástico!
— Fantástico! — repetiu a mamãe.
Na verdade, ela estava tão emocionada que mal conseguia falar.
— Que surpresa ver você lá em cima, Via! — disse o papai.
— A mamãe nem reconheceu você no início! — falei.
— Não reconheci! — disse a mamãe, com a mão tapando a boca.
— A Miranda passou mal antes de a peça começar — disse a Via, toda sem fôlego. — Não
deu nem tempo de anunciar a substituição.
Devo dizer que ela parecia estranha, pois estava muito maquiada e eu nunca a tinha visto
daquele jeito.
— E você simplesmente entrou no último minuto? — disse meu pai. — Uau!
— Ela estava maravilhosa, não estava? — falou o Justin, passando o braço pela cintura da
Via.
— Não havia ninguém sem lágrimas nos olhos no teatro — comentou o papai.
— A Miranda está bem? — perguntei, mas ninguém me ouviu.
Naquele momento, um homem que achei ser o professor deles se aproximou batendo palmas.
— Bravo, bravo! Olivia e Justin!
Ele beijou a Via nas bochechas.
— Errei algumas falas — disse ela, balançando a cabeça.
— Mas você conseguiu seguir em frente! — respondeu o homem, sorrindo de orelha a
orelha.
— Sr. Davenport, esses são meus pais — disse a Via.
— Devem estar orgulhosos de sua filha — disse ele, apertando a mão do papai e da mamãe.
— Estamos!
— E este é meu irmão mais novo, August.
Ele parecia prestes a dizer alguma coisa, mas congelou de repente ao me ver.
— Sr. D. — disse Justin, puxando-o pelo braço. — Venha conhecer minha mãe.
A Via ia me dizer alguma coisa, mas alguém se aproximou e começou a conversar com ela
e, antes que eu percebesse, estava sozinho na multidão. Quer dizer, sabia onde o papai e a
mamãe estavam, mas havia tanta gente à nossa volta, e as pessoas ficavam esbarrando em
mim, me fazendo girar um pouco, me olhando duas vezes, e comecei a me sentir mal. Não sei
se foi porque eu estava com calor ou algo assim, mas meio que estava tonto. Os rostos
pareciam borrões. E as vozes eram tão altas que faziam meus ouvidos doerem. Tentei diminuir
o volume do aparelho Lobot, mas me confundi e aumentei primeiro, o que meio que me deixou
aturdido. Então olhei para cima e não vi a mamãe, o papai nem a Via em lugar nenhum.
— Via? — gritei. Comecei a abrir caminho pela multidão para encontrar a mamãe. —
Mamãe! — Eu não conseguia ver nada além de barrigas e gravatas à minha volta. — Mamãe!
De repente alguém me pegou por trás.
— Olha só quem está aqui! — disse uma voz conhecida, abraçando-me com força.
A princípio pensei que fosse a Via, mas, quando me virei, fiquei completamente surpreso.
— Ei, Major Tom! — disse ela.

— Miranda! — respondi e a abracei com toda a força.

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