Caixa de Pássaros - Capítulo 13

Felix anda até o poço. Um dos seis baldes da casa pende de sua mão direita. É o de madeira.
A alça de ferro preta o faz parecer velho. É mais pesado do que os outros, mas Felix não se importa. Na verdade, gosta desse balde. Mantém os pés dele no chão, como diz.
Há uma corda amarrada em sua cintura. A outra ponta está presa a uma estaca de metal enfiada na terra, perto da porta dos fundos da casa. A corda está bem frouxa. Parte dela roça nas pernas da calça e nos sapatos de Felix. Ele está com medo de tropeçar, por isso, com a mão esquerda, ergue a corda e a mantém longe do corpo. Está vendado. Os pedaços de velhas molduras que marcam o caminho indicam quando ele vai demais para um lado ou para outro.
— Parece aquele Jogo da Operação! — grita Felix para Jules, que espera, vendado, ao lado da estaca. — Você se lembra desse jogo? Toda vez que meus pés encostam na madeira, ouço tocar um alarme.
Jules está falando desde que Felix começou a andar na direção do poço. É assim que os moradores da casa fazem. Um vai pegar água e outro, através da voz, permite que o primeiro saiba a que distância está da casa. Jules não fala nada de especial. Comenta as notas que tirou na faculdade. Lista os três primeiros empregos que teve depois de se formar. Felix ouve algumas palavras, outras não. Não importa. Enquanto Jules estiver falando, Felix se sente menos perdido.
Mas não muito menos.
Ele esbarra no poço quando o alcança. A borda de paralelepípedos arranha sua coxa. Felix fica impressionado ao perceber como aquilo dói mesmo andando tão devagar e imagina como poderia doer se estivesse correndo.
— Estou no poço, Jules! Vou amarrar o balde agora.
Jules não é o único esperando Felix. Cheryl está atrás da porta dos fundos da casa, que está fechada. Parada na cozinha, ela ouve através da porta. O morador que espera dentro da cozinha só fica ali para o caso de alguma coisa dar errado do lado de fora. Ela espera que seu papel de “rede de segurança” não signifique nada hoje.
Acima da boca do poço fica uma tábua de madeira. Em cada ponta dela há um gancho de ferro. É por isso que Felix gosta de levar o balde de madeira quando vai pegar água. É o único que se encaixa perfeitamente nos ganchos. Ele amarra a corda do poço no balde.
Quando está bem presa, gira a manivela, esticando bem a corda. Então esfrega as mãos livres na calça jeans.
Em seguida, ouve alguma coisa se mover.
Virando a cabeça rapidamente, Felix leva as mãos ao rosto. Mas nada acontece. Nada o ataca. Ele consegue ouvir Jules falando na porta dos fundos. Algo sobre um trabalho de mecânico. Consertar coisas.
Felix escuta.
Ofegante, ele gira a manivela na direção oposta, os ouvidos alertas para o quintal. A corda está frouxa o bastante para que consiga tirar o balde dos ganchos e deixá-lo suspenso acima da abertura do poço. Espera outro minuto. Jules grita:
— Está tudo bem, Felix?
Ele aguarda mais um instante antes de responder. Enquanto responde, sente como se a voz denunciasse sua localização exata.
— Está. Achei que tivesse ouvido alguma coisa.
— O quê?
— Achei que tivesse ouvido alguma coisa! Vou pegar a água agora.
Girando a manivela, Felix faz o balde descer. Ele o ouve bater nas pedras laterais do interior do poço. Ecos se seguem aos sons das batidas. Felix sabe que são necessários cerca de vinte giros da manivela para que o balde alcance a água. Está contando.
— Onze, doze, treze...
No décimo nono giro, Felix ouve a água espirrar no fundo do poço. Quando acha que o balde está cheio, ele o puxa de volta. Prendendo-o nos ganchos, solta a corda e começa a andar na direção de Jules.
Precisa fazer isso três vezes.
— Estou levando o primeiro! — grita Felix.
Jules ainda está falando sobre consertar carros. Quando Felix o alcança, Jules encosta no ombro do amigo. Normalmente, nesse momento, o morador que está de pé ao lado da estaca bate na porta dos fundos para avisar à pessoa esperando do lado de dentro que o primeiro balde acabou de chegar. Mas Jules hesita.
— O que você ouviu lá? — pergunta.
Felix, carregando o balde pesado, pensa.
— Provavelmente era um veado. Não tenho certeza.
— O som veio da floresta?
— Não sei de onde veio.
Jules fica quieto. Então Felix o ouve se mexer.
— Está conferindo se estamos realmente sozinhos?
— Estou.
Ao se dar por satisfeito, Jules bate duas vezes na porta dos fundos. Pega o balde das mãos de Felix. Cheryl abre a porta rapidamente e Jules lhe entrega o balde. A porta se fecha.
— Aqui está o segundo — diz Jules, entregando outro balde a Felix.
Ele anda até o poço. O balde que carrega agora é feito de placas de metal. Existem três desses na casa. Há duas pedras pesadas no fundo dele. Tom as colocou ali quando percebeu que o balde não era pesado o bastante para afundar. Está pesado, mas não como o de madeira.
Jules está falando de novo. Agora disserta sobre raças de cachorros. Felix já ouviu sobre isso. Jules teve uma labradora branca, Cherry. Ele diz que foi seu cachorro mais arisco. Quando o sapato de Felix esbarra na madeira que demarca o caminho, ele quase cai. Está andando rápido demais. Sabe disso. Então diminui a velocidade. Desta vez, perto do poço, tateia com a mão estendida até encontrá-lo. Apoia o balde na borda de paralelepípedos e começa a amarrar a corda na alça.
Ele ouve alguma coisa. De novo. Parece madeira se quebrando ao longe.
Quando se vira, Felix esbarra sem querer na borda do balde, que cai dentro do poço. A manivela gira sem a ajuda de Felix. O balde bate no fundo. Há o eco forte do metal atingindo a pedra. Jules o chama. Felix, virando-se, sente-se muito vulnerável. Mais uma vez, não sabe de onde veio o som. Ele escuta, ofegante. Apoiado nas pedras do poço, espera.
As folhas das árvores farfalham com o vento.
Nada mais.
— Felix?
— Eu deixei o balde cair no poço!
— Estava amarrado?
Felix para e pensa.
Então se volta, nervoso, para o poço. Puxa a corda e descobre que, sim, amarrou o balde antes de derrubá-lo. Solta a corda. Vira-se para o quintal. Faz uma pausa. Então começa a puxar o segundo balde.
Enquanto Felix retorna para a casa, Jules faz perguntas:
— Você está bem?
— Estou.
— Só deixou o balde cair?
— Derrubei o balde. É. Achei que tivesse ouvido alguma coisa de novo.
— Qual som era? Um galho se partindo?
— Não. Era. Talvez. Não sei.
Quando Felix chega à porta, Jules pega o balde.
— Tem certeza de que está se sentindo bem hoje para fazer isso?
— Tenho. Já peguei dois baldes. Está tudo bem. É só que estou ouvindo umas merdas aqui em volta, Jules.
— Quer que eu vá buscar o último?
— Não, eu consigo.
Jules bate na porta dos fundos. Cheryl a abre, pega o balde e entrega o terceiro a Jules.
— Vocês estão bem? — pergunta ela.
— Estamos — responde Felix. — Estamos ótimos.
Cheryl fecha a porta.
— Pronto — afirma Jules. — Se precisar de mim, me avise. Lembre-se de que está preso à estaca.
Jules puxa a corda.
— Está bem.
Na terceira caminhada até o poço, Felix precisa diminuir o passo de novo. Entende por que está apressado. Quer voltar para casa, onde pode olhar para o rosto de Jules, onde os cobertores nas janelas lhe fazem sentir mais seguro. Mesmo assim, chega ao poço mais rápido do que esperava. Devagar, amarra a corda à alça do balde. Depois para.
Não ouve som algum a não ser a voz de Jules vindo da outra ponta da corda.
Parece que o mundo está silencioso demais.
Felix gira a manivela.
— Um, dois...
Jules está falando. Sua voz parece distante. Muito distante.
— ...seis, sete...
Jules parece ansioso. Por que ele parece ansioso? Deveria parecer?
— ...dez, onze...
Suor se forma atrás da venda de Felix e lentamente escorre pelo seu nariz.
Vamos entrar daqui a pouquinho, pensa. Só encha o terceiro balde e dê o fora logo...
Ele ouve o som de novo. Pela terceira vez.
Mas, agora, percebe de onde está vindo.
Está vindo de dentro do poço.
Felix solta a manivela e dá um passo para trás. O balde cai, batendo nas pedras, antes de mergulhar na água.
Alguma coisa se mexeu. Alguma coisa se mexeu na água.
Será que alguma coisa se mexeu na água?
De repente ele sente frio, muito frio. Está tremendo.
Jules o chama, mas Felix não quer gritar em resposta. Não quer fazer barulho algum.
Ele espera. E, quanto mais espera, mais assustado fica. Como se o silêncio ficasse mais alto. Como se estivesse prestes a escutar algo que não quer ouvir. No entanto, quando não ouve nenhum outro barulho, Felix lentamente começa a se convencer de que estava errado.
Poderia ser alguma coisa no poço, claro, mas também poderia ser no rio. Ou na floresta. Ou na grama.
Pode ter vindo de qualquer lugar ali fora.
Ele se aproxima do poço de novo. Antes de pegar a corda, toca na borda de paralelepípedo. Passa os dedos por ela. Está medindo a largura do poço.
Será que você caberia aí? Alguém caberia aí?
Ele não tem certeza. Vira-se para a casa, pronto para deixar o balde lá mesmo. Então se volta para o poço e começa a girar a manivela, depressa.
Você está ouvindo coisas. Está ficando doido, cara. Traga o balde para cima. Volte para dentro. Agora.
Mas, enquanto gira a manivela, Felix sente um medo talvez grande demais para ser controlado. O balde, pensa ele, está um pouquinho mais pesado do que de costume.
NÃO está mais pesado! Puxe o balde para CIMA e VOLTE para a casa AGORA!!
No momento em que o balde chega à borda, Felix para. Devagar, com uma das mãos, tenta alcançá-lo. Suas mãos estão tremendo. Quando seus dedos tocam a borda molhada de ferro, ele engole em seco, uma vez. Trava a manivela. Então enfia a mão dentro do balde.
— Felix?
Jules está chamando.
Felix não sente nada além da água dentro do balde.
Está vendo? Você está imaginando...
Então ele ouve pés molhados na grama atrás dele.
Felix solta o balde e corre.
E cai.
Levante-se.
Ao fazer isso, sai correndo.
Jules está gritando para ele. Felix grita de volta.
E cai mais uma vez.
Levante-se. Levante-se.
Ele se levanta de novo. E corre.
As mãos de Jules tocam nele.
A porta dos fundos está se abrindo. As mãos de outra pessoa tocam em Felix. Ele está do lado de dentro. Todos falam ao mesmo tempo. Don está gritando. Cheryl está gritando. Tom pede que todos se acalmem. A porta dos fundos está fechada. Olympia pergunta o que está acontecendo. Cheryl pergunta o que aconteceu. Tom pede que todos fechem os olhos. Alguém está encostando em Felix. Jules berra para que todos fiquem quietos.
Todos ficam.
Então Tom diz, baixinho:
— Don, você verificou a porta dos fundos?
— Como vou saber se verifiquei direito, porra?
— Só estou perguntando se você verificou.
— Sim. Verifiquei. Sim.
— Felix, o que aconteceu? — pergunta Tom.
Felix conta a eles. Todos os detalhes de que se lembra. No final, Tom pede que ele repita.
Quer saber mais sobre o que aconteceu perto da porta dos fundos. Antes que ele entrasse.
Enquanto entrava. Felix conta de novo.
— Está bem — diz Tom. — Vou abrir meus olhos.
Malorie fica tensa.
— Tudo certo — informa Tom. — Está tudo bem.
Malorie abre os olhos. No balcão da cozinha há dois baldes de água do poço. Felix está parado, vendado, ao lado da porta dos fundos. Jules está tirando a própria venda.
— Tranquem esta porta — pede Tom.
— Está trancada — diz Cheryl.
— Jules — chama Tom —, empilhe as cadeiras da sala de jantar em frente a esta porta. Depois tape a janela da sala de jantar com a mesa.
— Tom — diz Olympia —, você está me assustando.
— Don, venha comigo. Vamos bloquear a porta da frente com o aparador. Felix, Cheryl, virem o sofá da sala para esse lado. Bloqueiem uma das janelas. Vou encontrar alguma coisa para obstruir a outra.
Todos encaram Tom.
— Vamos — diz ele, impaciente. — Andem!
Quando começam a se espalhar pela casa, Malorie segura o braço de Tom.
— O que foi?
— Olympia e eu podemos ajudar. Só estamos grávidas, não aleijadas. Vamos colocar os colchões lá de cima na frente das janelas.
— Está bem. Mas façam isso vendadas. E tomem muito cuidado, mais cuidado do que jamais tomaram.
Tom sai da cozinha. Quando Malorie e Olympia passam pela sala de estar, Don já está lá, mudando o sofá de posição. No andar de cima, as duas mulheres delicadamente colocam o colchão de Malorie de pé e o apoiam no cobertor que tampa a janela. Fazem o mesmo nos quartos de Cheryl e de Olympia.
De volta ao primeiro andar, as portas e as janelas estão bloqueadas.
Os moradores da casa estão em pé na sala de estar, muito próximos uns dos outros.
— Tom, tem alguma coisa lá fora? — pergunta Olympia.
Tom faz uma pausa antes de responder. Malorie vê algo mais profundo do que medo nos olhos de Olympia. Ela também sente aquilo.
— Talvez.
Tom está olhando para as janelas.
— Mas pode ser só... um veado, não pode? Não pode ter sido só um veado?
— Talvez.
Um a um, os moradores se sentam no chão acarpetado da sala. Estão de costas uns para os outros. No meio do cômodo, com o sofá apoiado contra uma das janelas e as cadeiras da cozinha empilhadas, eles se sentam em silêncio.
Todos escutam.


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