Caixa de Pássaros - Capítulo 16

No rio, Malorie sente o calor do sol do meio-dia. Em vez de lhe trazer paz, a luz a faz lembrar de como eles devem estar visíveis.
— Mamãe — sussurra o Garoto.
Malorie se inclina para a frente. Uma farpa do remo espeta a palma de sua mão. Já são três.
— O que foi?
— Shhh — diz o Garoto.
Malorie para de remar. Escuta.
O Garoto está certo. Alguma coisa se move na margem, à esquerda deles. Gravetos se quebram. Mais de um.
O homem daquele barco, grita a mente de Malorie, viu alguma coisa no rio.
Será que é ele? Será que é ele quem está na floresta? Será que está atrás de Malorie, esperando que ela encalhe em algum ponto do rio, pronto para arrancar a venda dela? A venda das crianças?
Mais gravetos se quebram. A coisa se move devagar. Malorie pensa na casa que abandonaram. Estavam seguros lá. Por que saíram? Será que o lugar para onde estão indo é mais seguro? Como poderia ser? Num mundo onde não podemos abrir os olhos, uma venda não é tudo que temos para nos defender?
Saímos de lá porque algumas pessoas decidem esperar as notícias chegarem e outras correm atrás delas.
Como Tom costumava dizer. Malorie sabe que nunca vai deixar de se inspirar no amigo.
Pensar nele, ali, no rio, já lhe dá esperança.
Ela gostaria de dizer a ele: Tomsuas ideias eram boas.
— Garoto — sussurra, voltando a remar, com medo de estarem perto demais da margem esquerda. — O que você está ouvindo?
— Está perto, mamãe. — Depois: — Estou com medo.
Há um instante de silêncio. Nesse momento, Malorie imagina o perigo a apenas centímetros de distância.
Ela para de remar de novo para ouvir melhor. Estica o pescoço para a esquerda.
A parte da frente do barco atinge alguma coisa dura. Malorie berra. As crianças gritam.
Batemos na margem!
Malorie enfia um dos remos onde acha que está a lama, mas não consegue encontrá-la.
— Deixe a gente em paz! — grita ela com o rosto contorcido.
De repente, deseja as paredes da casa. Não há paredes nesse rio. Não há porão abaixo deles. Nem um sótão acima.
— Mamãe!
Quando a Menina grita por ela, alguma coisa passa pelos galhos. Alguma coisa grande.
Malorie golpeia outra vez com o remo, mas só consegue atingir a água. Ela agarra o Garoto e a Menina e os puxa para perto de si.
Então ouve um rosnado.
— Mamãe!
— Fique quieta! — grita ela, puxando a Menina para ainda mais perto.
Será que é o homem? Enlouquecido? Será que as criaturas rosnam? Será que fazem algum barulho?
Há um segundo rosnado e, de repente, Malorie entende o que é aquilo. Parece algo relacionado a cachorro. Canino.
Lobos.
Ela mal tem tempo de se encolher quando a garra de um lobo rasga seu ombro.
Malorie grita. Imediatamente sente o sangue quente jorrar por seu braço. A água fria balança no fundo do barco.
A urina também.
Estão sentindo o cheiro, pensa Malorie, desesperada, virando a cabeça em todas as direções e balançando o remo sem acertar nada. Sabem que não podemos nos defender.
Ela ouve outro rosnado baixo. É uma matilha. A ponta do barco se prendeu em alguma coisa. Malorie não consegue encostar nela com o remo. Mas o barco balança como se os lobos estivessem tentando dominá-lo.
Eles podem pular aqui! ELES PODEM PULAR AQUI! Arraste-se para a frente do barco. Você tem que soltá-lo.
Agitando o remo acima da cabeça das crianças, gritando, Malorie se levanta. O barco se inclina para a direita. Ela acha que vão virar. Equilibra-se. Os lobos rosnam. Seu ombro está quente com uma espécie de dor que ela nunca havia sentido. Com o remo nas mãos, ela o agita às cegas e com violência até a ponta do barco. Mas não consegue alcançá-la. Por isso dá um passo para a frente.
— Mamãe!
Ela cai de joelhos. O Garoto está a seu lado. Segura a camisa dela.
— Você precisa me soltar! — grita Malorie.
Alguma coisa pula na água.
Malorie vira a cabeça na direção do som.
Será que é raso aqui? Será que conseguem entrar no barco? Será que os lobos CONSEGUEM ENTRAR NO BARCO??
Virando-se rapidamente, ela se arrasta até a ponta do barco e estende o braço para a escuridão.
As crianças gritam atrás dela. Água espirra. O barco balança. Lobos uivam. E, na escuridão dos próprios olhos fechados, a mão de Malorie sente um toco de madeira.
Ela grita enquanto estende os braços. Seu ombro esquerdo dói. Ela sente o ar gelado de outubro na pele rasgada. Com a outra mão, encontra um segundo toco.
Encalhamos. É só isso! Estamos encalhados!
Quando empurra os dois tocos com força, algo bate no barco. Ela ouve garras arranhando, tentando subir.
O barco raspa na madeira. Água espirra. Malorie escuta barulhos vindo de todas as direções. Ouve mais um grunhido e sente um calor. Algo está próximo do rosto dela.
Malorie grita bem alto e empurra.
Então o barco se solta.
Virando-se rapidamente ela tropeça e cai no banco do meio.
— Garoto! — grita.
— Mamãe!
Então procura a Menina e percebe que ela está sentada, apoiada no banco do meio.
— Vocês dois estão bem? Respondam!
— Estou com medo! — diz a Menina.
— Estou bem, mamãe! — afirma o Garoto.
Malorie rema a toda velocidade. Seu ombro esquerdo, forçado a superar a exaustão, resiste. Mas ela o obriga a trabalhar.
Malorie rema. As crianças estão encolhidas aos seus pés e joelhos. A água abre caminho para o barco. Ela rema. O que mais pode fazer? O que mais pode fazer além de remar? Os lobos podem estar vindo atrás deles. Será que o rio é raso aqui?
Malorie rema. Parece que seu braço está pendendo do corpo. No entanto, ela rema. O lugar para onde está levando as crianças pode não existir mais. A viagem excruciante e às cegas pelo rio pode não dar em nada. Será que quando chegarem ao seu destino, ao fim do rio, estarão seguros? E se o que ela está procurando não estiver lá?

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