Caixa de Pássaros - Capítulo 18

Enquanto o barco flutua, sendo lentamente levado pela água, Malorie pega um pouco de água do rio e lava a ferida em seu ombro.
Não é uma tarefa fácil e a dor é lancinante.
— Você está bem, mamãe? — pergunta o Garoto.
— Não façam perguntas — responde ela. — Escutem.
Quando o lobo a atacou, o mundo sombrio por trás da venda de Malorie entrou em uma erupção de dor, fazendo tudo ficar vermelho. Agora, enquanto limpa a ferida, ela vê tons de roxo e de cinza e teme que isso signifique que está prestes a desmaiar. Apagar. Deixar as crianças para se protegerem sozinhas.
Ela tirou a jaqueta. Sua blusa está cheia de sangue e ela estremece, perguntando-se quanto do tremor é provocado pelo ar frio e quanto é consequência da perda de sangue. Do bolso direito da jaqueta, ela tira uma faca de carne. Então corta uma das mangas da jaqueta e a amarra com firmeza em torno do ombro.
Lobos.
Quando as crianças fizeram três anos, Malorie começara a dar aulas mais complexas. Seus filhos foram educados a se lembrar de dez, vinte sons em sequência antes de revelarem o que achavam que era. Malorie andava pela casa, saía dela e em seguida subia para o segundo andar. Fazia barulhos pelo caminho. Ao voltar, as crianças lhe diziam o que ela havia feito.
Em pouco tempo, a Menina passou a acertar a sequência toda. Mas o Garoto listava quarenta, cinquenta sons, acrescentando barulhos não intencionais que ela fazia no caminho.
Você começou no nosso quarto, mamãe. Suspirou antes de sair. Depois entrou na cozinha e, no caminho, seu tornozelo estalou. Você se sentou na cadeira do meio da cozinha. Pôs os cotovelos na mesa. Pigarreou e entrou no porão. Subiu os quatro primeiros degraus mais devagar do que os últimos seis. Bateu o dedo nos dentes.
No entanto, não importava quanto ela tivesse lhes ensinado, as crianças não teriam como estar preparadas para nomear os animais que andam pela floresta ao longo do rio. Malorie sabe que os lobos têm todas as vantagens possíveis. Assim como qualquer outra coisa que possam encontrar.
Ela aperta ainda mais o torniquete. Seu ombro lateja. Suas coxas doem. Seu pescoço também. De manhã, ela se sentia forte o suficiente para remar durante os trinta e dois quilômetros de viagem. Agora, ferida, precisa descansar. Discute essa questão consigo mesma. Sabe que, no velho mundo, uma pausa seria aconselhável. Mas parar ali pode significar a morte.
Um berro agudo vindo de cima faz Malorie se sobressaltar. Parece uma ave de rapina. De trinta metros de comprimento. Adiante, algo respinga água. É rápido, mas o barulho a deixa nervosa. Alguma coisa se movimenta à esquerda na floresta. Mais pássaros grasnam. O rio está ganhando vida e, a cada demonstração de vitalidade, Malorie fica mais assustada.
À medida que a vida cresce em torno do barco, ela parece diminuir dentro de Malorie.
— Estou bem — mente para as crianças. — Quero que escutem agora. Só isso. Nada mais.
Remando novamente, Malorie tenta não pensar na dor. Ela não tem uma ideia clara de quanto ainda falta. Mas sabe que é muito. Pelo menos a mesma distância que já percorreram.
Anos atrás, os moradores da casa não tinham certeza se os animais também ficavam loucos. Falavam sobre isso o tempo todo. Tom e Jules saíram para dar uma volta, procurando cachorros para guiá-los. Enquanto Malorie e os outros esperavam os companheiros voltarem, ela foi tomada por imagens terríveis de animais raivosos enlouquecidos. Os mesmos pensamentos a assombram hoje. Enquanto o rio ganha vida com a natureza, ela imagina o pior.
Assim como imaginou anos atrás, antes de as crianças terem nascido, quando a inércia da porta da frente a lembrou de que a insanidade estava à espreita, independentemente do fato de que alguém que você gostava estava do lado de fora com ela.

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