Caixa de Pássaros - Capítulo 20

É meio-dia do dia seguinte. Tom e Jules não voltaram.
As doze horas de Tom mais do que dobraram. E, com cada uma delas, as emoções dentro da casa se tornam mais sombrias.
Victor ainda está sentado ao lado da janela coberta.
Os moradores da casa ficaram acordados até tarde, reunidos, esperando o cachorro parar de latir.
Eles vão acabar nos alcançando, disse Don. Não há por que pensar de outra forma. É o fim dos tempos, pessoal. E, se o problema for uma criatura que nossos cérebros não são capazes de entender, merecemos isso. Sempre supus que o fim viria da nossa própria estupidez.
Por fim, Victor acabou parando de latir.
Agora, na cozinha, Malorie mergulha as mãos num balde de água. Don e Cheryl foram até o poço de manhã. Toda vez que batiam na porta para entregar outro balde a Felix, o coração de Malorie disparava, esperando, acreditando que fosse Tom.
Ela leva a água ao rosto e passa os dedos molhados pelo cabelo suado e embaraçado.
— Droga — diz.
Está sozinha na cozinha. Encara os panos que cobrem a única janela do cômodo e pensa em todas as inúmeras coisas horríveis que podem ter acontecido.
Jules matou Tom. Ele viu uma criatura e arrastou Tom até o rio pelos cabelos. Ele o manteve debaixo d’água até Tom se afogar. Ou ambos viram alguma coisa. Numa casa. Destruíram um ao outro. Seus corpos arruinados estão na sala de um estranho. Ou só Tom viu alguma coisa. Jules tentou impedi-lo, mas ele fugiu. Está em algum lugar na floresta. Comendo insetos. Casca de árvore. A própria língua.
— Malorie?
Ela leva um susto quando Olympia entra na cozinha.
— O que foi?
— Estou muito preocupada, Malorie. Ele disse doze horas.
— Eu sei — responde a amiga. — Todos nós estamos.
Ela estende a mão para encostar no ombro de Olympia e ouve a voz de Don vindo da sala de jantar.
— Não tenho certeza se a gente deveria deixar os dois entrarem de volta.
Malorie vai imediatamente para lá.
— Fala sério, Don — diz Felix, já na sala. — Como pode falar uma coisa dessas?
— O que você acha que está acontecendo lá fora, Felix? Acha que estamos morando num bairro tranquilo? Se houver alguém com vida lá fora, a pessoa não está sobrevivendo com bons modos, cara. Quem sabe se Tom e Jules não foram sequestrados? Talvez sejam reféns agora. E seus sequestradores podem estar querendo saber sobre a nossa comida, porra. A nossa comida.
— Vá à merda, Don — exclama Felix. — Se eles voltarem, eu vou deixá-los entrar.
— Se forem eles — questiona Don. — E se tivermos certeza de que não tem ninguém apontando uma arma para a cabeça de Tom do outro lado da porta.
— Calem a boca vocês dois! — pede Cheryl, passando por Malorie e entrando na sala de jantar.
— Você não pode estar falando sério, Don — diz Malorie.
Ele se vira para ela.
— Pode ter certeza de que estou.
— Você não quer deixar os dois entrarem de volta? — pergunta Olympia, parada ao lado de Malorie.
— Eu não disse isso — retruca Don. — Só estou dizendo que pode haver pessoas cruéis lá fora. Consegue entender, Olympia? Ou é complicado demais para você?
— Porra, você é um babaca — diz Malorie.
Por um segundo, parece que Don vai atacá-la.
— Não quero ter essa discussão — afirma Cheryl.
— Já se passaram mais de vinte e quatro horas — responde Don, em tom de repreensão.
— Cara... vá fazer alguma outra coisa, por favor — pede Felix. — Só está piorando a situação para todo mundo.
— Temos que começar a considerar um futuro sem eles.
— Só faz um dia — lembra Felix.
— É, um dia lá fora.
Don se senta ao piano. Por um instante, parece que vai deixar a discussão para lá. Mas então continua:
— A boa notícia é que nosso estoque de comida vai durar mais.
— Don! — Malorie se irrita.
— Você vai ter um bebê, Malorie. Não quer sobreviver?
— Don, eu poderia matar você — diz Cheryl.
Ele se levanta do banco do piano. Seu rosto está vermelho de raiva.
— Tom e Jules não vão voltar, Cheryl. Aceite isso. E, quando você sobreviver mais uma semana porque pôde comer a comida deles e puder comer Victor também, então talvez entenda que coisas como esperança não existem mais.
Cheryl se aproxima dele, com os punhos cerrados. Seu rosto está a centímetros do de Don.
Victor late na sala de estar.
Felix se coloca entre Don e Cheryl. Don o empurra. Quando Malorie entra no meio dos dois, Felix ergue a mão.
Ele vai bater em Don.
Felix baixa o punho.
Há uma batida na porta da frente.


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