Caixa de Pássaros - Capítulo 21

Malorie está pensando especificamente em Don.
— Mamãe — diz o Garoto —, a venda está me machucando.
— Pegue um pouco de água do rio com cuidado — sugere Malorie — e esfregue onde está doendo. Não tire a venda.
Certa vez, depois que os moradores da casa terminaram de jantar, Malorie ficou sozinha à mesa com Olympia. Conversavam sobre o marido de Olympia. Sobre como ele era, como queria ter um filho. Don entrou na sala sozinho. Não se importou com o que Olympia dizia.
— Vocês devem cegar os bebês — disse. — No instante em que nascerem.
Parecia que ele tinha pensado naquilo por muito tempo e decidido contar a decisão a elas. Ele se sentou com as duas à mesa e se justificou. Enquanto Don falava, Olympia ia ficando mais distante. Achou que era maluquice. E, pior, considerou uma crueldade.
No entanto, Malorie não pensou o mesmo. No fundo, entendia o que Don queria dizer. Cada momento do seu futuro papel de mãe seria centrado em proteger os olhos do filho. Quanto mais poderia ser feito se aquela preocupação tivesse um fim? A seriedade que Don manteve ao dizer aquilo transmitia algo mais do que crueldade para Malorie. Isso abria a porta para todo um reino de possibilidades assustadoras, coisas que talvez tivessem de ser feitas, decisões que ela talvez precisasse tomar, mas que ninguém do velho mundo poderia estar realmente preparado para suportar. E a sugestão, por mais horrível que fosse, nunca desapareceu por completo da mente dela.
— Melhorou, mamãe — diz o Garoto.
— Shhhh — pede Malorie. — Escute.
Quando as crianças tinham seis meses, ela já as havia colocado para dormir nos berços cobertos por grades. Era noite. O mundo fora das janelas e das paredes estava quieto. A casa estava escura.
Nos primeiros dias com os bebês, Malorie costumava ouvi-los respirar enquanto dormiam.
O que seria uma apreciação emocionante para algumas mães, para Malorie, era uma análise.
Pareciam saudáveis? Conseguiam obter nutrientes suficientes da água do poço e do leite de uma mãe que não comia uma refeição decente havia um ano? A saúde deles sempre esteve nos seus pensamentos. A dieta. A higiene. E os olhos deles.
Vocês devem cegar os bebês no instante em que nascerem.
Sentada à mesa da cozinha, no escuro, Malorie percebia com clareza que aquela ideia não era um dilema moral. Era apenas um desafio que ela não tinha certeza de que seria capaz de realizar na prática. Olhando para o corredor, ouvindo a breve respiração dos bebês, ela achava que a ideia de Don não era ruim.
Quando acordam, cada instante é gasto evitando que os dois olhem para fora. Você confere os cobertores. Os berços. E eles nem vão se lembrar desses dias quando forem mais velhos. Não vão se lembrar da visão.
As crianças, sabia ela, não seriam privadas de nada no novo mundo se, desde o começo, não fossem capazes de vê-lo.
Levantando-se, ela foi até a porta do porão. Lá embaixo, no chão de terra, havia uma lata de solvente para tinta. Ela havia lido o rótulo lateral muito tempo antes e sabia que havia risco caso a substância entrasse em contato com os olhos. A embalagem dizia que uma pessoa poderia ficar cega se não lavasse os olhos em trinta segundos.
Malorie foi até lá. Pegou a alça e levou a lata para cima.
Seja rápida. E não enxague.
Eles eram só bebês. Será que poderiam se lembrar disso? Sentiriam medo da mãe para sempre ou, um dia, aquilo seria enterrado sob uma montanha de lembranças cegas?
Malorie atravessou a cozinha e entrou no corredor escuro que levava ao quarto das crianças.
Podia ouvi-las respirando lá dentro.
Parou à porta e olhou para a escuridão em que dormiam.
Naquele instante, acreditou que seria capaz de fazer aquilo.
Em silêncio, Malorie entrou no quarto. Pôs a lata no chão e retirou o pano que cobria os berços protegidos. Nenhum dos dois bebês se mexeu. Ambos continuaram respirando de forma regular, como se estivessem tendo sonhos agradáveis, o mais longe possível dos pesadelos que se aproximavam deles.
Depressa, Malorie abriu a grade acima do berço da Menina. Inclinou-se e ergueu a lata.
A Menina respirava, regularmente.
Malorie estendeu a mão e ergueu a cabeça da Menina. Tirou a venda dela. A Menina começou a chorar.
Os olhos dela estão abertos, pensou Malorie. Jogue.
Ela forçou a cabeça da Menina a se aproximar da beirada do berço, depois levou a lata de solvente aberta a centímetros do rosto vermelho e choroso. O Garoto acordou atrás dela e também começou a chorar.
— Parem! — disse Malorie, lutando contra as próprias lágrimas. — Vocês não querem ver esse mundo.
Ela inclinou mais um pouco a lata e sentiu o conteúdo escorrer pela própria mão antes de respingar no chão, aos pés dela.
Sentir o produto na pele tornou tudo mais real.
Ela não seria capaz de fazer aquilo.
Malorie soltou a cabeça da Menina, que continuou a chorar.
Colocou a lata no chão e saiu devagar do quarto. As crianças choravam desesperadamente na escuridão.
No corredor, Malorie se encostou na parede, em busca de apoio, e levou a mão à boca.
Então vomitou.
— Mamãe! — diz o Garoto agora, no rio. — Funcionou!
— O que funcionou? — pergunta Malorie, tendo sido arrancada das lembranças.
— A venda não dói mais.
— Garoto — diz ela. — Chega de conversa. A não ser que você ouça alguma coisa.
Malorie respira fundo e sente algo parecido com vergonha. A dor no ombro piorou. Está zonza de cansaço. Uma sensação mais profunda de desorientação toma conta dela. Parece que há algo de muito errado em seu corpo. No entanto, ainda consegue ouvir as crianças: o Garoto respirando à sua frente, a Menina mexendo nas peças do quebra-cabeça no fundo do barco.
Não estão cegos sob as vendas. E o dia de hoje pode terminar com a possibilidade de um mundo novo, onde as crianças verão coisas que nunca viram.
Se ela conseguir levá-las até lá.

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