Caixa de Pássaros - Capítulo 27

Malorie acorda de sonhos com bebês. É bem cedo de manhã ou muito tarde da noite, imagina.
A casa está em silêncio. Quanto mais avançada a gravidez, mais vívida a realidade se torna.
Tanto Grávida quanto Enfim... um Bebê! falam em poucas páginas sobre partos em casa. É possível, claro, fazer um parto sem a ajuda de um profissional, mas ambos os livros chamam atenção para certos aspectos. Higiene, dizem eles. Circunstâncias imprevistas. Olympia odeia ler essas partes, mas Malorie sabe que elas devem fazer isso.
Um dia, você sentirá a mesma dor da qual a sua mãe e todas as mães falam: o parto. Apenas a mulher pode senti-la e, por isso, todas as mulheres têm um vínculo.
Agora o momento está chegando. Agora. E quem estará lá quando ele chegar? No velho mundo, a resposta seria fácil. Shannon, é claro. Sua mãe e seu pai. Amigos. Uma enfermeira que garantiria que tudo estava indo bem. Haveria flores em uma mesa. Os lençóis teriam cheiro de recém-lavados. Seria amparada por pessoas que já deram à luz antes. Elas agiriam como se aquilo fosse parecido com descascar um pistache. E a tranquilidade que expressariam seria exatamente o que acalmaria o nervosismo de Malorie.
No entanto, essa não é mais a resposta. Agora Malorie espera um parto que parece o de uma loba: bruto, cruel, desumano. Não haverá médico algum. Nem uma enfermeira.
Nem remédios.
Ah, como ela pensou que saberia o que fazer! Quão preparada achou que estaria! Revistas, sites, vídeos, conselhos do obstetra, histórias de outras mães. Mas nada disso está disponível para ela agora. Nada! Ela não vai dar à luz em um hospital, isso vai acontecer bem aqui na casa. Em um dos cômodos desta casa! E o máximo que pode esperar é que Tom ajude enquanto Olympia segura sua mão e olha para ela, horrorizada. Haverá cobertores sobre as janelas. Talvez uma camiseta debaixo de sua bunda. Ela vai beber um copo de água turva do poço.
E pronto. É assim que vai acontecer.
Ela volta a se deitar de costas. Respirando fundo e devagar, encara o teto. Fecha os olhos e volta a abri-los. Será que vai conseguir? Será?
Tem que conseguir. Por isso repete mantras, palavras que usa para se preparar.
No fim das contas, não importa se vai acontecer em um hospital ou no chão da cozinha. Seu corpo sabe o que fazer. Seu corpo sabe o que fazer. Seu corpo sabe o que fazer.
O bebê que está por vir é tudo que importa.
De repente, como se imitassem o som do bebê que Malorie se prepara para ter, ela ouve os pássaros piarem do lado de fora. Ela se afasta de seus pensamentos e presta atenção naquele som. Enquanto se ergue lentamente na cama, ouve uma batida na porta do primeiro andar.
Malorie fica paralisada.
Isso foi a porta? Será que foi Tom? Alguém foi lá fora?
Ouve a batida de novo e, impressionada, se senta. Põe a mão na barriga e escuta.
O barulho se repete.
Malorie coloca devagar os pés no chão, se levanta e atravessa o quarto. Para diante da porta, com uma das mãos na barriga, a outra no batente, e escuta.
Outra batida. Dessa vez, mais alta.
Ela anda até o topo da escada e para de novo.
Quem será?
Sob o pijama, seu corpo parece frio. O bebê se mexe. Malorie se sente um pouco zonza. Os pássaros ainda estão fazendo barulho.
Será que é um dos moradores?
Ela volta para o quarto e pega uma lanterna. Vai até o quarto de Olympia e ilumina a cama.
A amiga está dormindo. No quarto ao final do corredor, vê Cheryl deitada na cama.
Devagar, Malorie desce a escada até a sala de estar.
Tom.
Tom está dormindo no carpete. Felix está no sofá.
— Tom — chama Malorie, tocando no ombro dele. — Tom, acorde.
Ele se vira de bruços. Depois olha para cima, para Malorie.
— Tom — repete ela.
— Está tudo bem?
— Tem alguém batendo na porta da frente.
— O quê? Agora?
— Agora.
Eles ouvem outra batida. Tom vira o rosto para o corredor.
— Puta merda. Que horas são?
— Não sei. Tarde.
— Certo.
Ele se levanta depressa. Hesita, como se tentasse acordar de vez, deixar o sono no chão.
Está totalmente vestido. Ao lado de onde o amigo estava dormindo, Malorie vê o esboço de outro capacete. Tom acende a luz da sala de estar.
Então os dois andam até a porta da frente. Param no corredor. Ouvem outra série de batidas.
— Olá! — diz um homem.
Malorie agarra o braço de Tom. Ele acende a luz do corredor.
— Olá! — repete o homem.
Mais batidas se seguem.
— Preciso que me deixem entrar! — implora o homem. — Não tenho mais para onde ir. Olá!
Por fim, Tom vai até a porta. De uma extremidade do corredor, Malorie vê uma figura se mover. É Don.
— O que está acontecendo? — pergunta ele.
— Tem alguém à porta — responde Tom.
Don, ainda meio dormindo, parece confuso. Então retruca:
— Bem, e o que vocês vão fazer?
Mais batidas.
— Preciso de um lugar para ficar — diz a voz. — Não posso mais continuar sozinho aqui fora.
— Vou falar com ele — decide Tom.
— Aqui não é a porra de um albergue, Tom — afirma Don.
— Só vou falar com ele.
Então Don vai na direção deles. Malorie ouve movimentos no andar de cima.
— Se alguém estiver aí, eu poderia...
— Quem é você? — grita Tom, por fim.
Há um instante de silêncio. Depois:
— Ah, graças a Deus tem alguém aí! Meu nome é Gary.
— Ele pode ser um cara mau — diz Don. — Pode ser maluco.
Felix e Cheryl aparecem no fim do corredor. Parecem exaustos. Jules agora também está ali. Os cães estão atrás dele.
— O que está havendo, Tom?
— Oi, Gary — grita Tom. — Conte-nos um pouco mais sobre você.
Os pássaros estão arrulhando.
— Quem é esse? — pergunta Felix.
— Meu nome é Gary e tenho quarenta e seis anos. Tenho uma barba castanha. Não abro os olhos há muito tempo.
— Não gosto do som da voz dele — diz Cheryl.
Olympia também se junta a eles.
Tom berra:
— Por que está aí fora?
— Tive que sair da casa onde estava — responde Gary. — As pessoas lá não eram legais. Surgiu um problema.
— Que diabo isso significa? — grita Don.
Gary faz uma pausa. Depois diz:
— Elas ficaram violentas.
— Isso não é bom o bastante — afirma Don para os outros. — Não abram esta porta.
— Gary — grita Tom —, há quanto tempo você está aí fora?
— Dois dias, acho. Talvez quase três.
— Onde você tem dormido?
— Dormido? Em gramados. Embaixo de arbustos.
— Merda — diz Cheryl.
— Escutem — pede Gary. — Estou com fome. Estou sozinho. E com muito medo. Entendo a cautela de vocês, mas não tenho nenhum outro lugar para ir.
— Já tentou outras casas? — pergunta Tom.
— Já! Faz horas que estou batendo em várias portas. Vocês foram os primeiros a responder.
— Como ele sabia que estávamos aqui? — pergunta Malorie.
— Talvez não soubesse — diz Tom.
— Ele ficou batendo na porta por muito tempo. Sabia que estávamos aqui.
Tom se vira para Don. Sua expressão pergunta o que ele acha.
— De jeito nenhum.
Tom está suando.
— Tenho certeza de que você quer — continua Don, irritado. — Espera que ele tenha alguma informação.
— É isso mesmo — diz Tom. — Talvez ele tenha ideias. Também acho que precisa da nossa ajuda.
— Tudo bem. Bom, eu acho que pode haver uns sete homens lá fora prontos para degolar todos nós.
— Deus do céu! — exclama Olympia.
— Jules e eu ficamos dois dias fora também — lembra Tom. — Ele está certo ao dizer que as outras casas estão vazias.
— Então por que ele não dormiu em uma delas?
— Não sei, Don. Por causa de comida?
— E vocês estiveram lá fora ao mesmo tempo. Ele não os ouviu?
— Droga — reclama Tom. — Não tenho ideia de como responder a isso. Ele poderia estar em outra rua.
— Vocês não examinaram aquelas casas. Como sabe que ele está dizendo a verdade?
— Deixe o cara entrar — pede Jules.
Don o encara.
— Não é assim que funciona aqui, cara.
— Então vamos votar.
— Ah, puta que pariu — exclama Don, irritado. — Se um de nós não quer abrir a porra da porta, então acredito que a gente não deveria abrir a porra da porta.
Malorie pensa no homem na varanda. Na sua imaginação, os olhos dele estão fechados. Ele está tremendo.
Os pássaros continuam piando.
— Olá? — chama Gary de novo.
Ele parece tenso, impaciente.
— Oi — diz Tom. — Desculpe, Gary. Ainda estamos conversando sobre isso. — Então vira-se para os outros. — Vamos votar.
— Isso — concorda Felix.
Jules assente com a cabeça.
— Desculpem — diz Cheryl. — Não.
Tom olha para Olympia. Ela faz que não com a cabeça.
— Odeio dizer isso, Malorie — começa Tom —, mas está empatado. O que vamos fazer?
Malorie não quer responder. Não quer ter esse poder. O destino daquele estranho foi jogado nas costas dela.
— Talvez ele precise de ajuda — diz.
No entanto, um segundo depois, ela deseja não ter falado aquilo.
Tom se vira para a porta. Don estende o braço e agarra o pulso dele.
— Não quero que essa porta se abra — sibila.
— Don — diz Tom, soltando lentamente seu pulso da mão do amigo. — A gente votou. Vamos deixar o cara entrar. Assim como deixamos Olympia e Malorie. Assim como George deixou você e eu entrarmos.
Don encara Tom pelo que parece ser bastante tempo. Será que a briga vai ficar feia dessa vez?
— Escute o que vou dizer — pede Don. — Se alguma coisa der errado, se minha vida ficar em risco por causa da merda de uma votação, não vou parar para ajudar vocês enquanto estiver saindo desta casa.
— Don — começa Tom.
— Olá? — grita Gary.
— Mantenha os olhos fechados! — berra Tom. — Vamos deixar você entrar.
A mão de Tom está na maçaneta.
— Jules, Felix — chama ele —, usem os cabos de vassoura. Cheryl, Malorie, vocês terão que se aproximar dele e tateá-lo. Está bem? Agora, todo mundo, feche os olhos.
No escuro, Malorie ouve a porta se abrir.
Há um silêncio. Então Gary fala:
— A porta está aberta? — pergunta, ansioso.
— Rápido — diz Tom.
Malorie escuta um movimento. A porta da frente se fecha. Ela dá um passo adiante.
— Mantenha os olhos fechados, Gary — pede ela.
Malorie estende a mão na direção do homem. Ao encontrá-lo, leva os dedos ao rosto dele. Sente o nariz, as bochechas, a região dos olhos. Toca nos ombros dele e pede uma das mãos.
— Isso é novidade para mim — diz Gary. — O que está procurando...
— Shhh!
Ela toca nas mãos dele e conta os dedos. Sente as unhas e os pelos nas articulações.
— Tudo bem — diz Felix. — Acho que ele está sozinho.
— É — concorda Jules. — Está sozinho.
Malorie abre os olhos.
Vê um homem muito mais velho do que ela, com uma barba castanha, usando um blazer de tweed por cima de um suéter preto. Seu cheiro denuncia que ele está lá fora há semanas.
— Obrigado — diz ele, ofegante.
De início, ninguém responde. Apenas o observam.
O cabelo castanho, penteado para o lado, está bagunçado. Ele é mais velho e mais corpulento do que os outros moradores. Traz uma mala marrom na mão.
— O que tem aí dentro? — pergunta Don.
Gary olha para a mala como se tivesse se esquecido de que a carregava.
— Minhas coisas — diz. — O que consegui pegar ao sair.
— Que coisas? — indaga Don.
Gary, expressando tanto surpresa quanto compreensão, abre a mala e a vira para os outros moradores. Papéis. Uma escova de dente. Uma camisa. Um relógio.
Don assente com a cabeça.
Enquanto fecha a mala, Gary nota a barriga de Malorie.
— Meu Deus! — exclama ele. — Está para nascer, não é?
— É — confirma ela, com frieza, ainda sem saber se eles podem confiar naquele homem.
— Para que servem os pássaros? — pergunta Gary.
— Para nos alertar — explica Tom.
— É claro — diz Gary. — Como os canários nas minas. Foi muito inteligente da parte de vocês. Eu os ouvi ao me aproximar.
Então Tom convida Gary a entrar mais na casa. Os cães o farejam. Na sala de estar, Tom aponta para a poltrona.
— Pode dormir aqui essa noite — diz. — Ela reclina. Quer comer alguma coisa?
— Quero — afirma Gary, aliviado.
Tom o conduz pela sala de estar, passando pela cozinha, até a sala de jantar.
— Guardamos os enlatados no porão. Vou pegar alguma coisa para você.
Tom faz um gesto para que Malorie o acompanhe até a cozinha. Ela vai atrás.
— Vou ficar acordado com ele por um tempo — avisa Tom. — Vá dormir se quiser. Todo mundo está exausto. Está tudo bem. Vou dar um pouco de comida e água a ele e amanhã conversamos com o cara. Todos nós.
— Não vou para a cama agora de jeito nenhum — afirma Malorie.
Tom sorri, cansado.
— Tudo bem.
Ele vai até o porão. Malorie se junta aos outros na sala de jantar. Tom volta com pêssegos enlatados.
— Nunca poderia ter pensado — diz Gary — que, um dia, a ferramenta mais valiosa do mundo seria um abridor de latas.
Todos estão juntos à mesa de jantar. Tom faz perguntas a Gary. Como ele sobreviveu lá fora? Onde dormia? É claro que o homem está exausto. Por fim, um a um, a começar por Don, os outros vão para seus quartos. Enquanto Tom leva Gary de volta para a sala de estar, Malorie e Olympia se levantam da mesa. Na escada, Olympia pega a mão de Malorie.
— Malorie — diz ela —, você se importa se eu dormir com você hoje?
Malorie se vira para a amiga.
— Não. Não me importo nem um pouco.

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