Caixa de Pássaros - Capítulo 29

Malorie acorda de olhos fechados. Não é mais tão difícil quanto antes. Sua consciência retorna. Os sons, as sensações e os aromas de vida. Visões também. Malorie sabe que, apesar de estar com os olhos fechados, a visão existe. Ela vê tons de laranja, amarelo, as cores do sol distante penetrando sua pele. Os cantos da sua visão estão cinzentos.
Parece que ela está ao ar livre. Sente o ar frio e fresco no rosto. Lábios rachados. Garganta seca. Quando foi a última vez que bebeu algo? Seu corpo parece bem. Descansado. Há uma leve dor em algum lugar à esquerda do pescoço. Seu ombro. Leva a mão direita à testa.
Quando os dedos tocam o rosto, ela percebe que estão molhados e sujos. Na verdade, suas costas inteiras parecem molhadas. Sua camiseta está ensopada.
Um pássaro canta acima dela. Com os olhos ainda fechados, Malorie se vira na direção dele.
As crianças estão ofegantes. Parece que estão trabalhando em alguma coisa.
Estão desenhando? Construindo? Brincando?
Malorie se senta.
— Garoto?
Seu primeiro pensamento parece uma piada. Algo impossível. Um erro. Então ela percebe que é exatamente o que está acontecendo.
Estão ofegantes porque estão remando.
— Garoto! — grita Malorie.
Sua voz parece horrível. Como se sua garganta fosse feita de madeira.
— Mamãe!
— O que está havendo?!
O barco. O barco. O barco. Você está no rio. Você desmaiou. Você DESMAIOU.
Apoiando o ombro machucado na beira do barco, ela pega um pouco de água e leva até a boca. Então fica de joelhos, na borda, e pega vários punhados sucessivos de água. Está ofegante. Mas a visão turva desapareceu. E seu corpo parece um pouco melhor.
Ela se vira para as crianças.
— Por quanto tempo? Por quanto tempo?
— Você dormiu, mamãe — diz a Menina.
— Teve pesadelos — afirma o Garoto.
— Estava chorando.
A mente de Malorie processa tudo muito rápido. Será que não entendeu alguma coisa?
— Por quanto tempo? — berra ela de novo.
— Não muito — responde o Garoto.
— Estão com as vendas ainda? Respondam!
— Estamos — dizem os dois.
— O barco ficou preso — informa a Menina.
Meu Deus, pensa Malorie.
Então ela se acalma o bastante para perguntar:
— Como ele se soltou?
Ela encontra o pequeno corpo da Menina. Tateia os braços dela até alcançar as mãos.
Depois estende o braço e acha o Garoto.
Cada um está com um remo nas mãos. Estão remando juntos.
— A gente soltou, mamãe! — diz a Menina.
Malorie está de joelhos. Percebe que está fedendo. Como um bar. Como um banheiro.
A vômito.
— A gente se soltou — explica o Garoto.
Malorie está ao lado dele agora. Suas mãos trêmulas estão sobre as dele.
— Estou ferida — diz ela, em voz alta.
— O quê? — pergunta o Garoto.
— Preciso que vocês voltem para onde estavam antes de a mamãe dormir. Agora.
As crianças param de remar. A Menina se espreme na mãe ao voltar para o banco de trás.
Malorie a ajuda.
Então ela se senta no banco do meio de novo.
O ombro está doendo, mas não tanto quanto antes. Ela precisava descansar. Não dava trégua ao corpo. Por isso ele a obrigou a parar.
Na névoa da mente que acaba de acordar, Malorie está ficando com mais frio, mais medo.
E se acontecer de novo?
Será que passaram do local para onde estão viajando?
Com os remos mais uma vez nas mãos, Malorie respira fundo antes de voltar a remar.
Então começa a chorar. Chora porque desmaiou. Chora porque um lobo a atacou. Chora por razões demais para explicar. Mas sabe que parte disso é porque descobriu que as crianças são capazes de sobreviver, mesmo que apenas por um instante, sozinhas.
Você as treinou bem, pensa. A ideia, muitas vezes desagradável, a deixa orgulhosa.
— Garoto — diz ela, através de lágrimas —, preciso que ouça com atenção de novo, está bem?
— Estou ouvindo, mamãe!
— E você, Menina, precisa fazer a mesma coisa.
— Também estou ouvindo!
Será que é possível, pensa Malorie, que nós estejamos bem? Será que é possível que você tenha desmaiado e acordado e que tudo ainda esteja bem?
Não parece verdade. Isso não vai de acordo com as regras do novo mundo. Há algo ali no rio com eles. Loucos. Animais. Criaturas. Quanto tempo a mais de sono os teria atraído para o barco?
Agradecida, ela recomeça a remar. Mas o que está à espreita parece mais próximo agora.
— Desculpem — diz Malorie, chorando enquanto rema.
Suas pernas estão encharcadas de urina, água, sangue e vômito. Mas o corpo está descansado. De alguma forma, pensa Malorie, apesar das leis cruéis desse mundo implacável, ela conseguiu uma folga.
A sensação de alívio dura uma remada. Então Malorie fica alerta e assustada, mais uma vez.

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