Caixa de Pássaros - Capítulo 3

Quão longe uma pessoa consegue ouvir?
Remar vendada é ainda mais difícil do que Malorie havia imaginado. Já aconteceu de muitas vezes o barco bater nas margens e ficar preso por vários minutos. Durante esse tempo, ela foi tomada por imagens de mãos invisíveis tirando as vendas dos olhos das crianças.
Dedos emergindo da água, surgindo da lama das margens. As crianças não berraram, não choramingaram. São pacientes demais para isso.
Mas quão longe uma pessoa consegue ouvir?
O Garoto ajudou a soltar o barco ao levantar-se e empurrar um tronco coberto de musgo.
Então Malorie voltou a remar. Apesar desses primeiros obstáculos, ela sente que estão progredindo. É animador. Pássaros cantam nas árvores agora que o sol nasceu. Animais vagam entre a folhagem espessa da floresta que os cerca. Peixes pulam, espirrando água e deixando Malorie nervosa. Escutam tudo isso. Mas não veem nada.
Desde que nasceram, as crianças foram treinadas a ouvir os sons da floresta. Quando eram bebês, Malorie amarrava camisetas sobre os olhos delas e as levava até a beira da floresta.
Ali, apesar de saber que eram pequenas demais para entender alguma coisa do que lhes dizia, ela descrevia os sons da mata.
Folhas ondulando, dizia. Um animal pequeno, como um coelho. Sempre consciente de que poderia ser algo muito pior. Pior até do que um urso. Naquela época, e nos dias que se seguiram, quando as crianças já tinham idade suficiente para aprender, Malorie treinava a si mesma enquanto treinava os filhos. Mas ela nunca escutaria tão bem quanto eles. Já tinha vinte e quatro anos quando conseguiu perceber, usando apenas a audição, a diferença entre uma gota de chuva e uma batida na janela. Malorie fora criada com foco na visão. Será que isso fazia dela a professora errada? Quando carregava folhas para dentro de casa e dizia às crianças, vendadas, para identificarem a diferença entre pisar em uma e amassar outra com uma das mãos, será que essas eram as lições certas a ensinar?
Quão longe uma pessoa consegue ouvir?
O Garoto gosta de peixes e ela sabe disso. Malorie muitas vezes pescava um no rio, usando uma vara enferrujada feita de um guarda-chuva encontrado na despensa. O Garoto gostava de observar os peixes se debatendo no balde na cozinha. Começara a desenhá-los também.
Malorie se lembra de ter pensado que precisaria pegar todos os animais do planeta e levá-los para casa para que as crianças soubessem como eles eram. Do que mais gostariam se tivessem a chance de ver? O que a Menina acharia de uma raposa? De um guaxinim? Até mesmo os carros eram uma lenda para os dois, pois tinham apenas os desenhos amadores de Malorie como referência. Botas, arbustos, jardins, vitrines, prédios, ruas e estrelas. Ela precisaria ter recriado o mundo todo para eles. Mas só conseguiam peixes. E o Garoto os adorava.
Agora, no rio, ao ouvir outro pequeno salto na água, ela teme que a curiosidade o faça tirar a venda.
Quão longe uma pessoa consegue ouvir?
Malorie precisa que as crianças ouçam para além das árvores, para além do vento, para além das margens sujas que levam a todo um mundo de criaturas vivas. O rio é um anfiteatro, pensa Malorie enquanto rema.
Mas também é um túmulo.
As crianças precisam ouvir.
Malorie não consegue afastar a imagem de mãos emergindo da escuridão, agarrando a cabeça das crianças e deliberadamente desamarrando o que as protege.
Suando, ofegante, ela reza para que seja possível ouvir o caminho até um lugar seguro.


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