Caixa de Pássaros - Capítulo 30

Cheryl está chateada.
Malorie a ouve conversando com Felix no quarto no fim do corredor. Os outros estão no primeiro andar. Gary começou a dormir na sala de jantar, apesar do chão duro de madeira.
Desde que ele chegou, duas semanas atrás, Don se aproximou muito dele. Malorie não sabe o que pensar sobre isso. É provável que ele esteja com Gary agora.
No entanto, no fim do corredor, Cheryl sussurra, apressada. Ela parece assustada. A sensação é que todos estão. Mais do que de costume. O ânimo da casa, antes mantido com unhas e dentes pelo otimismo de Tom, fica mais sombrio a cada dia. Às vezes, pensa Malorie, o desânimo é mais profundo do que o medo. É assim que Cheryl soa. Malorie pensa em se juntar a eles, talvez até para acalmar a amiga, mas decide ficar sozinha.
— Faço isso todo dia, Felix, porque gosto. É meu trabalho. E os poucos minutos que passo do lado de fora são preciosos para mim. Eles me fazem lembrar quando eu tinha um trabalho de verdade. Aquele pelo qual acordava todo dia. Do qual me orgulhava. Alimentar os pássaros é a única coisa que me conecta à vida que eu tinha.
— E dá a você a chance de sair.
— É, e me dá a chance de sair.
Cheryl tenta controlar a voz e depois continua.
Ela está lá fora, diz a Felix, pronta para alimentar os pássaros. Está tateando a parede para procurar a caixa. Na mão direita, segura fatias de maçã que pegou numa lata do porão. A porta da frente se fechou atrás dela. Jules espera do lado de dentro. Vendada, Cheryl anda devagar, equilibrando-se nas paredes da casa. Os tijolos parecem ásperos sob seus dedos. Logo eles darão lugar à madeira, de onde o gancho de metal se projeta. É lá que os pássaros estão.
Eles já arrulham. Sempre fazem isso quando ela se aproxima. Cheryl se ofereceu de bom grado para alimentar os pássaros quando os moradores começaram a discutir sobre a tarefa.
Ela vem fazendo isso todo dia desde então. De certa forma, parece que as aves são suas.
Cheryl conversa com elas, conta sobre os acontecimentos triviais da casa. A resposta doce dos pássaros a acalma como a música costumava fazer. Ela diz a Felix que consegue perceber a que distância está da caixa pela altura dos chilreios.
No entanto, dessa vez, ela ouve algo além dos pios.
No fim da calçada da frente, ouve um “passo interrompido”. É a única maneira que encontra para explicar a Felix o que ouviu. A Cheryl, parece que alguém estava caminhando, planejando andar ainda mais, no entanto parou de repente.
Sempre muito alerta quando alimenta os pássaros, ela fica surpresa ao perceber que está tremendo.
Então pergunta:
— Tem alguém aí?
Ninguém responde.
Ela pensa em voltar para a porta da frente. Vai dizer aos outros que está assustada demais para alimentar os pássaros hoje.
Em vez disso, espera.
E não escuta mais som algum.
Na caixa, os pássaros estão agitados. Ela os chama, nervosa.
— Calma, pessoal. Calma.
O tremor em sua voz a assusta. Instintivamente, ela baixa a cabeça e ergue a mão com as maçãs para se proteger, como se algo estivesse prestes a tocar seu rosto. Ela dá um passo. Depois outro. Por fim, alcança a caixa. Às vezes, diz ela a Felix, a caminhada entre a porta da frente e a caixa é como flutuar no espaço sideral. Sem corda de segurança.
Ela se sente muito longe da terra hoje.
— Calma, calma — diz, abrindo apenas o suficiente a tampa da caixa para jogar algumas fatias de maçã.
Normalmente, ela ouve os passos das pequenas patas enquanto as aves correm até a comida. Hoje, não escuta nada.
— Comam, pessoal. Não estão com fome?
Ela abre de novo um pouquinho da tampa da caixa e joga lá dentro os pedaços restantes.
Esta, diz a Felix, é sua parte favorita. Quando fecha a tampa de volta, pressiona o ouvido na caixa e ouve aqueles pequenos seres comerem.
No entanto, os pássaros não começam a comer. Em vez disso, arrulham ansiosos.
— Calma, calma — diz Cheryl, tentando espantar o tremor da sua voz. — Comam, pessoal.
Ela afasta o ouvido da caixa, pensando que sua presença está deixando os pássaros com medo. E, nesse momento, solta um grito.
Algo tocou o ombro dela.
Virando-se, às cegas, Cheryl balança os braços com força. Não encosta em nada.
Ela não consegue mexer as pernas. Não consegue correr para dentro. Algo tocou seu ombro e ela não sabe o que foi.
As vozes dos pássaros não soam mais de forma adorável. Parecem o que Tom quer que sejam.
Um alarme.
— Quem está aí?
Cheryl teme que alguém responda. Não quer que ninguém responda.
Ela decide gritar. Um dos moradores da casa pode ir buscá-la. Trazê-la de volta para a Terra. No entanto, quando dá um passo, ouve seu sapato pisar numa folha. Desesperada, tenta se lembrar da primeira vez em que chegou à casa. Ela olhou para o lugar pela janela do carro.
Será que havia uma árvore? Ali, na calçada?
Será?
Talvez tenha sido apenas uma folha caindo que atingiu seu ombro.
Seria muito fácil descobrir. Se pudesse simplesmente abrir os olhos por um segundo, ela poderia verificar se está sozinha. Poderia ver se foi só uma folha. Nada mais.
Mas não pode.
Tremendo, Cheryl apoia as costas na parede e desliza lentamente na direção da porta da frente. Sua cabeça se volta para a esquerda e para a direita ao ouvir os sons mais sutis. Um pássaro voando no céu. O farfalhar de uma árvore na outra calçada. Uma breve lufada de brisa quente. Suando, ela enfim sente os tijolos e corre para a porta.
— Meu Deus! — exclama Felix. — Você realmente acha que poderia ter sido uma folha?
Cheryl hesita. Malorie se inclina ainda mais na direção do corredor.
— Acho — responde Cheryl de repente. — Acho. Pensando bem, foi exatamente isso.
Malorie volta para o quarto e se senta na cama.
A história de Felix sobre o poço e o que ele ouviu lá fora. Victor latindo para as janelas tapadas. Cheryl com os pássaros.
Será que é possível, pensa Malorie, que o mundo lá fora e as coisas da qual eles se escondem estejam cercando a casa?

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Atenção: para postar um comentário, escolha Nome/Url. Se quiser insira somente seu nome.

Please, no spoilers!

Expresse-se:
(◕‿◕✿) 。◕‿◕。 ●▽●

⊱✿◕‿◕✿⊰(◡‿◡✿)(◕〝◕) ◑▂◐ ◑0◐

◑︿◐ ◑ω◐ ◑﹏◐ ◑△◐ ◑▽◐ ●▂● 

●0● ●︿● ●ω● ●﹏● ●△● ●▽●

Topo