Caixa de Pássaros - Capítulo 32

Ela sabia que isso ia acontecer. Como poderia não saber? Todos os sinais estavam lá desde que eles voltaram com os cães. Tom e Jules passavam dez, doze horas por dia treinando os animais. Primeiro dentro da casa e, depois, no jardim. Cães-guia. A caixa de pássaros que está pendurada do lado de fora funciona como alarme. Exatamente para o que Tom disse que serviria. Os pássaros piaram quando Gary chegou. Eles cantam quando Cheryl os alimenta.
Sendo assim, era só uma questão de tempo até Tom declarar que usaria os cães-guia para adentrar novamente o novo mundo.
No entanto, desta vez é pior. Porque desta vez ele vai mais longe.
Ficaram dois dias fora para percorrer um quarteirão. Quando os veremos de novo se andarem quase cinco quilômetros?
Cinco quilômetros. Essa é a distância até a casa de Tom. É até lá que ele quer ir.
— É o único lugar que posso garantir cem por cento — diz ele. — Tenho suprimentos lá. Precisamos deles. Band-Aids. Antibióticos. Aspirina. Curativos.
O ânimo de Malorie aumenta com a menção a remédios. No entanto, a saída de Tom, e por tanto tempo, é demais para ela aguentar.
— Não se preocupe — disse Felix naquela mesma noite. — Mapeamos tudo com precisão. Tom e Jules vão caminhar no ritmo de uma música. Uma única música. Chama-se “Halfway to Paradise” e é de um cara chamado Tony Light. Eles vão levar o toca-fitas e manterão a música tocando enquanto seguem as indicações de direção que estabelecemos. Sabemos quantos passos serão necessários para cada direção, em cada parte da viagem.
— Então o plano é dançar até lá? — perguntou Gary. — Que legal.
— Não vamos dançar — respondeu Tom, com uma entonação agressiva. — Vamos andar para procurar ajuda.
— Tom — começou Cheryl —, você pode treinar o quanto quiser, mas, se seus passos forem um centímetro maiores lá fora, não vai dar certo. Vão se perder. E como vão voltar, porra? Não vão.
— Vamos, sim — retrucou Tom.
— E não é como se fôssemos ficar indefesos se nos perdermos — acrescentou Jules. — Precisamos desses suprimentos. Você sabe melhor do que a maioria aqui, Cheryl. Você fez o último balanço da comida.
É, esse dia chegaria. Mas Malorie não gosta nem um pouco disso.
— Tom — disse ela, puxando-o para um canto, pouco antes de ele e Jules saírem pela manhã. — Acho que a casa não vai aguentar se você não voltar.
— Nós vamos voltar.
— Eu sei que você acha que vai — explicou Malorie. — Mas acho que não tem noção do quanto esta casa precisa de você.
— Malorie — começou ele, enquanto Jules dizia que estava pronto para ir. — A casa precisa de todos nós.
— Tom.
— Não deixe o nervosismo dominá-la como da última vez. Em vez disso, lembre-se de que a gente voltou. Vamos voltar de novo. E, dessa vez, Malorie, aja como líder. Ajude a todos quando ficarem com medo.
— Tom.
— Você precisa dos remédios, Malorie. Para a esterilização. Logo, logo vai dar à luz.
Ficou claro que Tom estava numa missão própria, preparado para arriscar sua vida repetidas vezes com o objetivo de melhorar a vida na casa.
Da última vez, eles voltaram com sapatinhos de criança, recorda Malorie.
E ela tenta se lembrar disso agora. Agora que Tom e Jules foram embora para embarcar numa caminhada de cinco quilômetros pela paisagem mais perigosa que o mundo já conheceu.
Eles saíram de manhã. Felix repassou o mapa com os dois mais uma vez. Gary os encorajou. Olympia lhes deu um pedaço de coral fossilizado que disse que sempre lhe trouxe sorte. Mas Malorie não falou nada. Quando a porta da frente se fechou pela segunda vez atrás de Tom, Malorie não o chamou. Não o abraçou. Não se despediu.
Isso a aflige agora, apenas horas após a saída dos amigos.
No entanto, as poucas palavras que Tom lhe disse logo antes de sair estão funcionando.
Sem ele ali, a casa precisa de uma força para liderá-la. Uma pessoa que consiga se manter calma apesar de toda a ansiedade, de tanto medo justificável.
Mas é difícil. Os moradores da casa não estão em um humor muito otimista.
Cheryl afirma que as chances de encontrar uma criatura são obviamente muito maiores numa caminhada de cinco quilômetros do que em um passeio por duas quadras. Ela lembra que ninguém sabe como os animais são afetados. O que vai acontecer com Tom e Jules se os huskies virem alguma coisa dessa vez? Serão comidos? Ou coisa pior?
Cheryl não é a única a considerar cenários terríveis.
Don sugere que um grupo alternativo se prepare para sair caso Tom e Jules não voltem.
Precisamos de mais comida, diz ele. Caso eles voltem ou não.
Olympia diz que está com dor de cabeça. Afirma que é sinal de que uma tempestade está vindo. E uma tempestade vai alterar as medidas de Felix quando Tom e Jules forem forçados a procurar abrigo.
Cheryl concorda.
Don desce até o porão para “dar uma olhada” no estoque, a fim de descobrir exatamente do que precisam e aonde têm que ir para conseguir.
Olympia fala sobre relâmpagos e sobre estar do lado de fora sem proteção.
Cheryl conversa com Felix a respeito do mapa. Ela diz que mapas não significam mais nada hoje em dia.
Don fala sobre a organização dos quartos.
Olympia descreve um tornado que ocorreu quando ela era jovem.
Cheryl e Felix começam a discutir.
Olympia soa um pouco histérica.
Don está ficando irritado.
Malorie, cansada do pânico crescente, resolve, por fim, se manifestar:
— Pessoal — diz —, há coisas que poderíamos estar fazendo. Bem aqui dentro dessa casa. Temos que preparar o jantar. Ninguém levou o balde de merda para fora durante o dia todo. O porão pode ficar mais bem organizado do que está. Felix, você e eu podemos conferir o jardim e buscar ferramentas, alguma coisa que deixamos para trás. Alguma coisa que podemos usar. Cheryl, você tem que dar comida aos pássaros. Gary, Don, por que não fazem uns telefonemas? Liguem para qualquer combinação de números. Quem sabe alguém atende? Olympia, seria ótimo se você lavasse as roupas de cama. Fizemos isso na semana passada, mas, como tomamos poucos banhos por aqui, são as pequenas coisas, como lençóis limpos, que tornam o dia a dia mais suportável.
Os moradores da casa olham para Malorie como se ela fosse uma estranha. Por um instante, ela sente vergonha por se afirmar. Mas, então, aquilo funciona.
Gary anda em silêncio até o telefone. Cheryl vai até a porta do porão.
Logo, logo vai dar à luz, disse Tom a ela antes de sair.
Malorie pensa nisso enquanto os moradores se ocupam com suas tarefas, e ela e Felix vão pegar as vendas. Pensa nas coisas que Jules e Tom podem trazer. Será que há alguma coisa, qualquer coisa, que eles possam trazer que faça o bebê dela ter uma vida melhor?
Ao pegar uma venda, Malorie se sente esperançosa.

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