Caixa de Pássaros - Capítulo 4

Malorie está dirigindo. As irmãs usam o carro dela, um Ford Festiva de 1999, porque tem mais gasolina no tanque. Estão a apenas cinco quilômetros de casa, mas já percebem sinais de que as coisas mudaram.
— Olhe! — exclama Shannon, apontando para várias casas. — Cobertores nas janelas.
Malorie está tentando prestar atenção ao que Shannon diz, mas seus pensamentos continuam voltando para a própria barriga. A explosão do Relatório Rússia na mídia a preocupa, mas ela não leva isso tão a sério quanto a irmã. Outras pessoas na internet estão, como Malorie, mais céticas. Ela leu blogs, especialmente o Silly People, que posta fotos de pessoas tomando certas precauções e depois acrescenta legendas engraçadas abaixo das imagens. Enquanto Shannon aponta alternadamente para uma janela e protege os olhos, Malorie pensa em uma das imagens: a de uma mulher pendurando um cobertor na janela. Embaixo dela, a legenda dizia:
Querido, o que você acha de trazer a cama para cá?
— Dá para acreditar? — pergunta Shannon.
Malorie assente em silêncio. Ela se vira para a esquerda.
— Ah, fala sério — insiste Shannon. — Você tem que admitir que isso está ficando interessante.
Parte de Malorie concorda. É interessante mesmo. Na calçada, um casal passa com o jornal cobrindo o rosto até as têmporas. Alguns motoristas dirigem com os retrovisores virados para cima. Distante, Malorie se pergunta se aqueles são sinais de que a sociedade está começando a acreditar que há algo de errado. E se houver, o que é?
— Eu não entendo — afirma Malorie, em parte tentando se distrair dos próprios pensamentos, em parte começando a se interessar pelo assunto.
— Não entende o quê?
— Eles acham que não é seguro olhar para fora? Olhar para qualquer lugar?
— Isso — responde Shannon. — É exatamente o que acham. Era o que eu estava lhe dizendo.
Shannon, pensa Malorie, sempre foi dramática.
— Bem, isso me parece uma maluquice — diz Malorie. — E veja só aquele cara!
Shannon olha para onde Malorie está apontando. Então desvia o olhar. Um homem de terno anda com uma bengala de cego. Está com os olhos fechados.
— Ninguém mais tem vergonha de agir assim — explica Shannon, o olhar voltado para os próprios sapatos. — A bizarrice já chegou a esse nível.
Quando as duas estacionam na farmácia, Shannon ergue a mão para proteger os olhos.
Malorie percebe isso e depois olha para o outro lado do estacionamento. Mais pessoas estão fazendo o mesmo.
— Você está com medo de ver o quê? — pergunta ela.
— Ninguém sabe essa resposta ainda.
Malorie já viu a enorme placa amarela da farmácia milhares de vezes. No entanto, nunca pareceu tão pouco acolhedora.
Vamos lá comprar seu primeiro teste de gravidez, pensa, saindo do carro. As irmãs atravessam o estacionamento.
— Ficam perto dos remédios, eu acho — sussurra Shannon, abrindo a porta da frente da loja, ainda com os olhos cobertos.
— Shannon, pare com isso.
Malorie guia o caminho até o setor de anticoncepcionais. Lá, encontra quase dez marcas de testes de gravidez.
— Tem tantos... — comenta Shannon, pegando um da prateleira. — Ninguém mais usa camisinha hoje em dia?
— Qual deles devo levar?
Shannon dá de ombros.
— Este aqui parece tão bom quanto os outros.
Um homem no fim do corredor abre uma caixa de curativos. Então põe um deles sobre o olho.
As irmãs levam o teste ao balcão. Andrew, que tem a idade de Shannon e uma vez a convidou para sair, está trabalhando no caixa. Malorie só quer que aquele momento chegue ao fim.
— Uau! — exclama Andrew, analisando a caixinha.
— Cale a boca, Andrew — diz Shannon. — É para a nossa cadela.
— Vocês têm uma cadela agora?
— Temos — responde Shannon, pegando a sacola com o teste. — E ela é muito popular na nossa vizinhança.
A volta para casa é uma tortura para Malorie. A sacola de plástico entre os bancos sugere que a vida dela já mudou.
— Olhe — diz Shannon, apontando pela janela do carro com a mesma mão que usa para tapar os olhos.
As irmãs se aproximam devagar de uma placa de “Pare”. Do lado de fora da casa de esquina, veem uma mulher numa pequena escada pregando um edredom à janela.
— Quando a gente chegar, vou fazer a mesma coisa — afirma a irmã de Malorie.
— Shannon.
A rua delas, normalmente repleta de crianças, está vazia. Não há triciclos azuis cheios de adesivos. Nem tacos de beisebol.
Já dentro de casa, Malorie vai para o banheiro e sua irmã imediatamente liga a TV.
— Acho que você só precisa fazer xixi nisso! — grita Shannon.
Do banheiro Malorie consegue ouvir o telejornal.
Quando a irmã chega à porta do banheiro, Malorie já está encarando a faixa cor-de-rosa, balançando a cabeça.
— Caramba! — exclama Shannon.
— Tenho que ligar para mamãe e papai — afirma Malorie.
Parte dela já começa a se preparar, pois sabe que, apesar de estar solteira, vai ter esse bebê.
— Você precisa ligar para Henry Martin — lembra Shannon.
Malorie observa a irmã por um momento. Ela passou o dia todo pensando que Henry Martin não teria um papel muito importante na criação daquela criança. De certa forma, já aceitou isso. Shannon acompanha a irmã até a sala, onde caixas ainda cheias de objetos entulham o espaço em frente à TV. Na tela, está passando um funeral. Os âncoras da CNN comentam. Shannon vai até a TV e baixa o volume. Malorie se senta no sofá e liga para Henry Martin do celular.
Ele não atende. Então ela manda uma mensagem de texto.
É importante. Me ligue quando puder.
De repente, Shannon dá um pulo do sofá e grita:
— Você viu aquilo, Malorie? Um caso no Michigan! Acho que disseram que foi na Península Superior!
Malorie já está pensando nos pais. Quando Shannon aumenta o volume de novo, as irmãs descobrem que um casal de idosos de Iron Mountain foi encontrado enforcado numa árvore no bosque próximo à casa onde moravam. O âncora diz que eles usaram os próprios cintos.
Malorie liga para a mãe. Ela atende depois de dois toques.
— Malorie.
— Mãe.
— Tenho certeza de que está ligando por causa dessas notícias.
— Não. Estou grávida, mãe.
— Ai, meu Deus do céu, Malorie.
A mãe fica quieta por um instante. Malorie consegue ouvir a TV ao fundo.
— Está namorando alguém?
— Não, foi um acidente.
Shannon está de pé em frente à TV. Com os olhos arregalados. Fica apontando para o aparelho, como se quisesse lembrar a Malorie como aquilo é importante. A mãe está em silêncio do outro lado da linha.
— Você está bem, mãe?
— Bem, agora estou mais preocupada com você, querida.
— É. Foi o pior momento possível.
— Já tem quantas semanas?
— Umas cinco, eu acho. Talvez seis.
— E vai ter o bebê? Já tomou essa decisão?
— Vou. Quer dizer, acabei de descobrir. Faz só alguns minutos. Mas vou. Sim.
— Já avisou ao pai?
— Escrevi para ele. Vou ligar também. — Malorie faz uma pausa. Então continua: — Vocês estão se sentindo seguros aí, mãe? Estão bem?
— Não sei, simplesmente não sei. Nenhum de nós sabe nada e estamos com muito medo. Mas agora estou mais preocupada com você.
Na tela, uma mulher, usando um diagrama, explica o que pode ter acontecido. Ela desenha uma linha que parte de uma pequena estrada onde o carro do casal foi encontrado abandonado.
A mãe de Malorie está lhe dizendo que sabe de alguém que conhecia o casal idoso. O sobrenome deles era Mikkonen, afirma ela. A mulher na tela está parada sobre o que parece ser uma poça de sangue na grama.
— Meu Deus! — exclama Shannon.
— Ai, eu queria que seu pai estivesse em casa — diz a mãe. — E você está grávida. Ai, Malorie...
Shannon pega o telefone. Pergunta se a mãe sabe de mais algum detalhe sobre o caso. O que estão dizendo por lá? Foi o único incidente? As pessoas estão tomando precauções?
Enquanto Shannon continua falando desesperada ao telefone, Malorie se levanta do sofá, vai até a porta da frente e a abre. Analisando toda a rua, pensa: Isso é sério mesmo?
Não há vizinhos nos quintais. Nenhum rosto nas janelas das outras casas. Um carro passa e Malorie não consegue ver o rosto do motorista. Ele o esconde com uma das mãos.
Na grama, ao lado do caminho que leva à porta, está o jornal que foi entregue de manhã.
Malorie vai até ele. A manchete da primeira página é sobre o número crescente de incidentes.
Simplesmente diz: MAIS UM. Shannon já deve ter contado a ela tudo o que o jornal tem a dizer.
Malorie o pega e, ao virá-lo, para em uma notícia na página de trás.
É um classificado. Uma casa em Riverbridge está abrindo as portas para desconhecidos. É um “local seguro”, diz o anúncio. Um refúgio. Um lugar que os proprietários esperam que sirva como um “santuário”, à medida que as notícias terríveis se multiplicam com o passar dos dias.
Malorie, sentindo os primeiros arrepios reais de medo, volta a olhar para a rua. Ela vê a porta da casa de um vizinho se abrir e se fechar depressa. Ainda segurando o jornal, olha por cima do ombro, para dentro de casa, onde a TV continua ligada no volume máximo. No fundo da sala, Shannon está prendendo um cobertor a uma das janelas.
— Venha logo — pede ela. — Entre aqui. E feche essa porta.

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Atenção: para postar um comentário, escolha Nome/Url. Se quiser insira somente seu nome.

Please, no spoilers!

Expresse-se:
(◕‿◕✿) 。◕‿◕。 ●▽●

⊱✿◕‿◕✿⊰(◡‿◡✿)(◕〝◕) ◑▂◐ ◑0◐

◑︿◐ ◑ω◐ ◑﹏◐ ◑△◐ ◑▽◐ ●▂● 

●0● ●︿● ●ω● ●﹏● ●△● ●▽●

Topo