Caixa de Pássaros - Capítulo 43

A voz gravada de Tom toca de novo.
Ele está deixando uma mensagem.
— ... Rua Shillingham, 273... Meu nome é Tom... Tenho certeza de que vocês sabem o alívio que estou sentindo ao ser atendido pela sua secretária eletrônica...
A venda ainda está a um centímetro dos olhos fechados de Malorie.
Ela ergue uma das mãos e leva os dedos ao tecido negro. Por um instante, tanto ela quanto a criatura seguram a mesma venda. Essa criatura, ou outras iguais a ela, roubaram Shannon, a mãe e o pai de Malorie, além de Tom. Aquela coisa e suas semelhantes roubaram a infância das crianças.
De certa maneira, Malorie não está com medo. Já fizeram tudo que podiam a ela.
— Não — diz, puxando o tecido. — Isso é meu.
Por um instante, nada acontece. Então algo toca seu rosto. Malorie faz uma careta. Mas é apenas o tecido, voltando ao lugar, sobre seu nariz e suas têmporas.
Você vai ter que abrir os olhos.
É verdade. A voz gravada de Tom significa que ela chegou ao local onde os canais se dividem, como Rick explicou. Ele fala como fazia antigamente na sala de estar da casa: Talvez elas não queiram nos machucar. Talvez fiquem surpresas com o efeito que têm sobre nós. É uma intercessão, Malorie. Do mundo delas com o nosso. Só um acidente. Talvez elas não gostem nem um pouco de nos machucar.
No entanto, quaisquer que sejam as intenções das criaturas, Malorie tem que abrir os olhos, e há pelo menos uma delas por perto.
Ela já viu as crianças fazerem coisas incríveis. Uma vez, depois de folhear a lista telefônica, o Garoto gritou avisando que ela estava na página cento e seis. Ele quase acertou.
E Malorie sabe que vai precisar que realizem uma façanha desse tipo agora.
Há um movimento na água à sua esquerda. A criatura não está mais curiosa sobre a venda e está indo embora, ou está esperando para ver o que Malorie fará em seguida.
— Garoto? — chama ela.
Malorie não precisa dizer mais nada. Ele entende seu chamado.
Primeiro fica em silêncio. Ouvindo. Então afirma:
— Ela está indo embora, mamãe.
Apesar dos pássaros em guerra a distância e da voz linda e tranquilizante de Tom saindo do alto-falante, parece que aquele é um instante de silêncio. O silêncio que emana daquela coisa.
Onde ela está agora?
O barco, solto, é puxado pela correnteza. Malorie sabe que o som da água adiante é o da divisão do rio. Ela não tem muito tempo.
— Garoto — chama, com a garganta seca. — Está ouvindo alguma outra coisa?
Ele fica em silêncio.
— Garoto?
— Não, mamãe, não estou.
— Tem certeza? Certeza absoluta?
Ela parece histérica. Preparada ou não, o momento chegou.
— Tenho, mamãe. Estamos sozinhos de novo.
— Para onde ela foi?
— Foi embora.
— Em qual direção?
Silêncio. Então:
— Está atrás de nós, mamãe.
— Menina?
— É. Está atrás de nós, mamãe.
Malorie fica quieta.
As crianças disseram que a coisa está atrás deles.
Se há algo em que ela pode confiar no novo mundo, é no fato de tê-las treinado bem.
Ela confia nos filhos.
Tem que confiar.
Agora estão na mesma altura da voz de Tom. Parece que ele está no barco com Malorie e as crianças.
Ela engole em seco.
Limpa as lágrimas dos lábios.
Respira fundo.
Então sente. A mesma coisa que sentiu quando Tom e Jules voltaram para casa. A mesma coisa que sentiu quando acharam que estavam mandando Gary embora.
O Intervalo.
Entre decidir abrir os olhos e abri-los.
Malorie se vira para os canais e abre os olhos.
De início, precisa apertá-los. Não por causa do sol, mas por causa das cores.
Ela arqueja e leva a mão à boca.
Não há pensamentos, preocupações, ansiedades ou esperanças em sua mente. Ela não conhece palavras que possam explicar o que está vendo.
É um caleidoscópio. Interminável. Magnífico.
Olhe, Shannon! Aquela nuvem parece a Angela Markle da minha turma!
Antigamente, ela poderia ter olhado para um mundo duas vezes mais iluminado e nem teria precisado semicerrar os olhos. Agora, a beleza machuca.
Malorie poderia olhar para sempre. Com certeza por mais alguns segundos. Mas a voz de Tom a impulsiona.
Como se estivesse em câmera lenta, ela se inclina para o local de onde vem a voz do amigo, saboreando cada palavra dele. Parece que Tom está de pé ali. Dizendo a ela que está quase lá. Malorie entende que não pode guardar as cores que está vendo. Tem que fechar os olhos de novo. Tem que se isolar de toda aquela maravilha, daquele mundo.
Ela fecha os olhos.
Volta para a escuridão que conhece tão bem.
Começa a remar.
Enquanto se aproxima do segundo canal à direita, parece que está remando junto aos anos.
Às lembranças. Ela rema com a pessoa que era quando descobriu que estava grávida, quando encontrou Shannon morta, quando respondeu ao anúncio do jornal. Rema com a pessoa que era quando chegou à casa, conheceu os moradores e concordou em deixar Olympia entrar. Rema com a pessoa que era quando Gary apareceu. Rema consigo mesma, sobre uma toalha no sótão, enquanto Don arrancava os cobertores das janelas do primeiro andar.
Ela está mais forte. Mais corajosa. Sozinha, criou duas crianças neste mundo.
Malorie mudou.
O barco balança de repente quando encosta em uma das margens do canal. Malorie entende que entraram nele.
Dali, ela rema como a pessoa que era quando ficou sozinha com as crianças. Quatro anos. Treinando as duas. Criando as duas. Mantendo-as a salvo de um mundo exterior que deve ter se tornado mais perigoso a cada dia. Ela rema também com Tom e com as muitas coisas que ele disse, as inúmeras coisas que ele fez e desejou, que a inspiraram, a incentivaram e a fizeram acreditar que é melhor enfrentar a loucura com um plano do que ficar parado e deixar que ela nos alcance aos poucos.
O barco está se movendo mais rápido agora. Rick disse que ela percorreria apenas cem metros até o alarme.
Ela rema com a pessoa que era quando acordou hoje. A pessoa que achou que uma neblina poderia protegê-la e às crianças de alguém como Gary, que ainda poderia estar por lá, observando os três descerem o rio. Ela rema com a pessoa que era quando o lobo a atacou.
Quando o homem no barco enlouqueceu. Quando os pássaros enlouqueceram. E quando a criatura, a coisa que ela teme mais do que tudo, brincou com sua única proteção.
A venda.
Pensando no tecido e em tudo que ele significa, Malorie ouve o que parece ser uma enorme explosão metálica.
O barco bate em alguma coisa. Malorie confere depressa se as crianças estão bem.
É a cerca, ela sabe. Eles acionaram o alarme de Rick.
Com o coração disparado e notando que não precisa mais remar, Malorie vira a cabeça para o céu e grita. É alívio. É raiva. É tudo.
— Estamos aqui — berra. — Estamos aqui!
Das margens, eles ouvem movimentos. Algo está indo depressa na direção do barco.
Malorie agarra os remos. Parece que suas mãos vão continuar naquela posição para sempre.
Enquanto se encolhe, algo encosta no braço dela.
— Está tudo bem! — diz uma voz. — Meu nome é Constance. Está tudo bem. Estou com Rick.
— Seus olhos estão abertos?
— Não. Estou usando uma venda.
A mente de Malorie se enche de sons familiares distantes.
É assim que é a voz de uma mulher. Ela não ouviu nenhuma outra desde que Olympia enlouqueceu.
— Trouxe duas crianças comigo. Somos só nós três.
— Crianças? — pergunta Constance, ficando animada de repente. — Pegue a minha mão. Vamos tirar você do barco. Vou levá-la até Tucker.
— Tucker?
Malorie hesita.
— É, vou mostrar a você. É lá que a gente mora. Nossa instituição.
Constance ajuda Malorie a segurar as crianças. Todos estão de mãos dadas quando Malorie é puxada do barco.
— Vai ter que me desculpar por estar com uma arma — diz Constance, tímida.
— Uma arma?
— Você deve imaginar as espécies de animais que já acionaram a nossa cerca. Estão feridos? — pergunta Constance.
— Eu estou. Sim.
— Temos remédios. E médicos.
Os lábios de Malorie racham de forma dolorosa quando ela abre o sorriso mais largo que já abriu em mais de quatro anos.
— Remédios?
— É. Remédios, ferramentas, papel. Tanta coisa.
Devagar, eles começam a andar. O braço de Malorie agarra com força o ombro de Constance. Ela não consegue andar sozinha. As crianças seguram na calça de Malorie e a seguem, vendadas.
— Duas crianças — comenta Constance, com a voz suave. — Nem imagino o que vocês enfrentaram hoje.
Ela diz hoje, mas ambas sabem que quer dizer há anos.
Sobem uma ladeira e o corpo de Malorie estremece de dor. Então o solo muda de repente.
Concreto. Uma calçada. Malorie ouve um leve clique.
— O que é isso?
— Esse barulho? — pergunta Constance. — É uma bengala. Mas não precisamos mais dela. Chegamos.
Malorie a ouve bater depressa em uma porta.
O que parece um metal pesado range, abrindo, e Constance os guia para dentro.
A porta bate atrás dos quatro.
Malorie sente o cheiro de coisas que não sentia há anos. Comida. Comida cozida.
Serragem, como se alguém estivesse construindo alguma coisa. Ela também está ouvindo. O zumbido baixo de uma máquina. Várias máquinas funcionando ao mesmo tempo. O ar parece limpo e fresco e o som de conversas ecoa ao longe.
— Vocês podem abrir os olhos agora — diz Constance, com gentileza.
— Não! — grita Malorie, agarrando o Garoto e a Menina. — As crianças, não! Eu vou abrir primeiro.
Alguém se aproxima. Um homem.
— Meu Deus — diz ele. — É você mesmo? Malorie?
Ela reconhece a voz fraca e rouca do homem. Anos antes, ouviu aquela voz no outro lado da linha do telefone. Debateu, consigo mesma, durante quatro longos anos, se voltaria a ouvir aquela voz.
É Rick.
Malorie puxa a venda e abre os olhos devagar, apertando-os sob a forte luz branca da instituição.
Eles estão em um amplo corredor cheio de luz. É tão claro que Malorie mal consegue manter os olhos abertos. É uma enorme escola. O teto é alto, com painéis de luz que fazem Malorie se sentir como se estivesse ao ar livre. Paredes compridas chegam ao teto cobertas de quadros de avisos. Mesas. Cristaleiras. Não há janelas, mas o ar parece fresco e puro, como o do lado de fora. O chão é limpo e frio, o corredor é feito de tijolos, e é muito comprido.
Virando-se para Rick, ela encara o rosto enrugado e entende.
Os olhos dele estão abertos, mas não focalizam nada. Estão imóveis, cinzentos e vidrados.
Já faz anos que perderam o brilho. Os volumosos cabelos castanhos, longos e desgrenhados, caídos sobre as orelhas, não escondem uma cicatriz profunda e descolorida próxima ao olho esquerdo. Ele toca nela, apreensivo, como se sentisse o olhar de Malorie. Ela nota a bengala de madeira, gasta e estranha, feita a partir de algum galho quebrado.
— Rick — diz Malorie, puxando as crianças mais para perto atrás de si —, você é cego.
Ele confirma com um aceno de cabeça.
— Sou, Malorie. Muitos de nós aqui somos. Mas Constance pode ver tanto quanto você. Conseguimos realizar muitas coisas.
Devagar, Malorie olha para as paredes em volta, absorvendo tudo. Cartazes escritos à mão registram o progresso da recuperação da instituição e folhetos estabelecem tarefas diárias de agricultura e purificação de água, além de mostrar um quadro de horários para avaliação médica, cheio de consultas marcadas.
Os olhos de Malorie param no teto acima de sua cabeça. Em letras de metal presas em um arco de tijolos, ela lê:
ESCOLA PARA CEGOS JANE TUCKER
— O homem... — Rick hesita. — O homem da gravação... Ele não está com você, está?
Malorie sente o coração disparar e engole em seco.
— Malorie? — indaga ele, preocupado.
Constance toca o ombro de Rick e sussurra, baixinho:
— Não, Rick. O homem não está com eles.
Malorie dá um passo para trás, ainda agarrando as crianças, andando na direção da porta.
— Ele morreu — responde ela, rígida, examinando o corredor em busca de outras pessoas.
Não confia neles. Ainda não.
Rick começa a bater de leve no chão com a bengala, aproximando-se de Malorie, e estende a mão para tocá-la.
— Malorie... Entramos em contato com muitas pessoas com o passar dos anos, mas menos do que você imagina. Quem sabe quantos de nós ainda estão vivos lá fora? E quem sabe quantos estão sãos? Você era a única pessoa que a gente esperava que viesse pelo rio. O que não significa que nenhuma outra pessoa não pudesse aparecer, é claro, mas, depois de pensarmos com cuidado, achamos que a voz de Tom não só avisaria a você que tinha chegado, mas também faria com que estranhos percebessem que havia algum lugar civilizado por perto, se fossem pegos pela cerca. Se eu soubesse que ele não estava mais com você, teria insistido em usar outra coisa. Por favor, aceite minhas desculpas.
Ela o analisa atentamente. A voz de Rick soa esperançosa, até mesmo otimista. Malorie não ouve um tom de voz como o dele há muito tempo. Apesar disso, o rosto de Rick expressa o estresse e o peso de viver no novo mundo assim como o dela. Como o dos moradores da casa, muitos anos antes.
Enquanto ele e Constance começam a explicar como a instituição funciona, os campos de batata e abóbora, a colheita de frutas vermelhas no verão, a forma de purificar a água da chuva, Malorie vê uma sombra se mover atrás da cabeça de Rick.
Um pequeno grupo de mulheres jovens sai de uma sala usando roupas simples, azul-claras. Elas batem as bengalas no chão, as mãos estendidas à frente. As mulheres andam em silêncio, como fantasmas, passam por Malorie e ela sente o estômago embrulhar ao ver os olhos vazios e cavernosos delas. Sente-se zonza, enjoada, como se fosse vomitar.
Onde deveriam estar os olhos das mulheres há duas enormes cicatrizes escuras.
Malorie agarra os filhos com ainda mais força. Eles enterram a cabeça nas pernas da mãe.
Constance estende a mão para ela, mas Malorie se afasta, procurando a venda no chão, desesperada, arrastando as crianças consigo.
— Ela viu as moças — diz Constance a Rick.
Ele assente.
— Fiquem longe da gente! — implora Malorie. — Não encostem na gente. Não se aproximem da gente! O que está havendo aqui?!
Constance olha por cima do ombro e vê que as mulheres estão saindo do corredor. O local está em silêncio, exceto pela respiração ofegante e pelo choro baixinho de Malorie.
— Malorie — começa Rick —, era assim que lidávamos com as coisas antes. Precisávamos fazer isso. Não havia escolha. Quando chegamos aqui, estávamos passando fome. Como colonizadores esquecidos em uma terra desconhecida e hostil. Não tínhamos as comodidades que temos agora. Precisávamos de comida. Então íamos caçar. Infelizmente, também não tínhamos a segurança que temos agora. Uma noite, enquanto um grupo estava do lado de fora, procurando comida, uma criatura entrou. Perdemos muitas pessoas naquele dia. Uma mãe, que até então estava totalmente racional, surtou e matou quatro crianças em um ataque de fúria. Levamos meses para nos recuperar, para nos reconstruir. Juramos nunca mais correr aquele risco. Pelo bem de toda a comunidade.
Malorie olha para Constance, que não tem cicatriz alguma.
— Não era uma questão de escolha — continua Rick. — Nós nos cegamos com o que tínhamos: garfos, facas de cozinha, nossos dedos... A cegueira, Malorie, era a proteção absoluta. Mas isso era o jeito antigo. Não fazemos mais. Depois de um ano, percebemos que tínhamos fortificado o lugar o bastante para tirar esse peso horrível dos ombros. Até hoje, nunca houve outra falha de segurança.
Malorie pensa em George e no vídeo, nos experimentos fracassados. Ela se lembra de como quase cegou seus filhos num ato de sacrifício desesperado.
Constance enxerga. Ela não é cega. Se tivesse tido coragem de vir para cá quatro anos atrás, pensa Malorie, quem sabe o que teria acontecido com você. Com as crianças.
Rick se apoia em Constance.
— Se você estivesse aqui, teria entendido.
Malorie está assustada. Mas ela de fato entende. E, em seu desespero, quer confiar naquelas pessoas. Quer acreditar que levou as crianças para um lugar melhor.
Virando-se, vê um reflexo de si mesma em uma janela. Ela mal se parece com a mulher que foi um dia, quando conferiu a própria barriga no banheiro, enquanto Shannon, do outro cômodo, gritava sobre as notícias na TV. Seu cabelo está ralo, desbotado, imundo de sujeira e sangue de tantos pássaros. Seu couro cabeludo, vermelho e machucado, está visível em alguns pontos. Seu corpo está esquálido. Os ossos em seu rosto mudaram: os traços delicados foram substituídos por feições retas e angulosas, a pele está esticada e sem vida. Ela abre um pouco a boca e revela um dente quebrado. A pele está suja de sangue, cheia de hematomas e pálida.
A ferida profunda causada pelo lobo marca seu braço inchado. Mesmo assim, ela consegue ver que algo poderoso queima dentro da mulher no reflexo. Um fogo que a moveu durante quatro anos e meio, que exigiu que ela sobrevivesse, que a ordenou a arranjar uma vida melhor para as crianças.
Exausta, livre da casa e do rio, Malorie cai de joelhos. Ela tira as vendas das crianças. Os olhos de seus filhos se abrem, piscando e lutando com as luzes fortes. O Garoto e a Menina encaram tudo impressionados, quietos e desconfiados. Não entendem onde estão e olham para Malorie em busca de orientação. Este é o primeiro lugar que veem fora da casa onde viveram a vida toda.
Nenhum dos dois chora. Nenhum reclama. Apenas encaram Rick e ouvem.
— Como eu disse — continua Rick, com cuidado —, conseguimos fazer muitas coisas aqui. A instituição é muito maior do que esse corredor sugere. Cultivamos nossa própria comida e conseguimos capturar alguns animais. Temos galinhas para nos dar ovos frescos, uma vaca que nos fornece leite e duas cabras que conseguimos criar. Um dia, em breve, esperamos sair para procurar mais animais e formarmos uma pequena fazenda.
Ela respira fundo e pela primeira vez olha para Rick com esperança.
Cabras, pensa. Além de peixes, as crianças nunca viram um animal vivo.
— Em Tucker, somos totalmente autossuficientes. Temos uma equipe completa de médicos dedicados a reabilitar os cegos. Este lugar deve trazer certa paz a você, Malorie. Ele faz isso comigo todos os dias.
— E vocês dois? — pergunta Constance, ajoelhando-se ao lado das crianças. — Como se chamam?
É como se essa fosse a primeira vez que a pergunta tivesse importância para Malorie. De repente, há espaço na vida dela para certos luxos como nomes.
— Esta — diz Malorie, pondo a mão ensanguentada na cabeça da Menina — é Olympia.
A Menina olha para a mãe rapidamente. Fica ruborizada. Sorri. Gostou do nome.
— E este — continua Malorie, pressionando o Garoto no seu próprio corpo — é Tom.
Ele sorri, tímido e feliz.
De joelhos, Malorie abraça os filhos e chora lágrimas quentes que são melhores do que qualquer sorriso que já deu.
Alívio.
As lágrimas correm livres e suaves enquanto ela pensa nos moradores da casa trabalhando juntos para pegar água no poço, dormindo no chão da sala de estar, conversando sobre o novo mundo. Ela visualiza Shannon, rindo, encontrando formas e figuras nas nuvens, curiosa, entusiasmada e bondosa, paparicando Malorie.
Ela pensa em Tom. A mente dele sempre ativa, resolvendo um problema. Sempre tentando.
Pensa no amor que ele tinha pela vida.
A distância, no longo corredor da escola, mais pessoas saem de outras salas. Rick põe uma das mãos no ombro de Constance e os dois começam a adentrar mais a instituição. É como se todo aquele lugar soubesse dar a Malorie e a seus filhos um instante de privacidade. Como se todos e tudo entendessem que, finalmente, eles estão seguros.
Mais seguros.
Agora, aqui, abraçando os filhos, Malorie acha que a casa e o rio são apenas locais imaginários, perdidos em algum lugar naquele infinito.
Mas aqui ela sabe que não estão tão perdidos.
Nem sozinhos.

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