Caixa de Pássaros - Capítulo 6

— O que foi, Garoto?
— Você ouviu isso?
— O quê? O que você ouviu? Diga!
— Escute.
Malorie obedece. Para de remar e escuta. Ela ouve o vento. O rio. O distante grasnido agudo de pássaros e o movimento ocasional de pequenos animais nas árvores. Ouve também sua respiração e seu coração disparado. E, além de todo esse barulho, de algum lugar dentro dele, há um som que ela passa imediatamente a temer.
Alguma coisa está na água com eles.
— Não falem! — sibila Malorie.
As crianças ficam em silêncio. Ela apoia os remos nas pernas dobradas e fica imóvel.
Há algo grande à frente do barco, no rio. Algo que sobe e espirra água.
Apesar de todo o esforço que fez para proteger as crianças da loucura, Malorie se pergunta se os preparou o bastante para as antigas realidades.
Como os animais selvagens que reivindicariam espaço no rio que o ser humano não usa mais.
O barco a remo vira para a esquerda de Malorie. Ela sente o calor de algo tocando a borda de ferro, onde a ponta do remo está apoiada.
Os pássaros nas árvores ficam em silêncio.
Ela prende a respiração, pensando nas crianças.
O que está encostando na ponta do barco?
É uma criatura?, pensa ela, histérica. Por favor, não, Deus, que seja um animal. Por favor!
Malorie sabe que, mesmo que as crianças tirassem as vendas, mesmo que gritassem até enlouquecer, ainda assim ela não abriria os olhos.
Sem que ela reme, o barco se move de novo. Ela segura um dos remos e se prepara para usá-lo como arma.
Então ouve o barulho de algo entrando na água. A coisa se move. Parece estar mais longe.
Malorie está tão ofegante que chega a engasgar.
Ouve um ruído entre os galhos da margem à sua esquerda e imagina que a coisa tenha se arrastado até a costa.
Ou talvez tenha andado.
Será que uma criatura está parada ali? Analisando os galhos das árvores e a lama a seus pés?
Pensamentos como esse a fazem se lembrar de Tom. Do doce Tom, que passava todas as horas de todos os dias tentando encontrar uma maneira de sobreviver nesse terrível mundo novo. Malorie queria que ele estivesse ali. Ele saberia o que fez aquele som.
É um urso-negro, diz a si mesma.
O canto dos pássaros recomeça. A vida nas árvores continua.
— Você foi muito bem — gagueja Malorie, com a voz tomada pelo nervosismo.
Volta a remar e logo o som da Menina mexendo nas peças do quebra-cabeça se junta ao barulho dos remos na água.
Ela imagina as crianças, cegas pelo tecido negro das vendas, incomodadas com a visibilidade provocada pelo sol, descendo o rio. Sua própria venda úmida aperta a cabeça. Irrita a pele próxima às orelhas. Às vezes, ela consegue ignorar isso. Outras, só consegue pensar em coçar. Apesar do frio, molha repetidamente os dedos no rio e umedece o tecido que cobre a região irritada. Bem acima das orelhas. A ponte do nariz. A parte de trás da cabeça, onde está o nó. Molhar o tecido ajuda, mas Malorie nunca vai se acostumar totalmente com a sensação do pano em seu rosto. Até seus olhos, pensa ela enquanto rema, até seus cílios se cansam do contato com a venda.
Um urso-negro, diz a si mesma de novo.
Mas não tem tanta certeza.
Questões assim regeram todos os movimentos de Malorie nos últimos quatro anos e meio.
Desde o momento em que decidiu responder ao anúncio no jornal e foi para a casa em Riverbridge. Cada barulho que ouviu desde então criou imagens de coisas muito piores do que qualquer animal terrestre.
— Vocês fizeram um bom trabalho — diz para as crianças, tremendo.
A intenção é acalmá-las, mas sua voz denuncia o medo.

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